Fonte: FISENGE
*O Brasil assiste estarrecido, desde janeiro deste ano, às tentativas de resgate de centenas de brasileiros soterrados na lama tóxica da barragem de Brumadinho, de propriedade da Vale, localizada no estado de Minas Gerais. No último levantamento divulgado pela imprensa (jornal Folha de S. Paulo, 11/2/2018), já eram contabilizados 165 mortos e 160 desaparecidos.
Registre-se, inclusive, a surpresa das populações brasileira e mundial sobre o fato de que, a cada nova investigação divulgada, havia outras dezenas de instalações da mesma companhia, outrora referenciada pelo mercado, propensas a riscos equivalentes. Esta realidade ameaça a vida de profissionais, trabalhadores e contingentes de habitantes que residem próximos a tais empreendimentos. Criada em 1942 pelo governo de Getúlio Vargas, a Vale do Rio Doce foi privatizada em 1997, durante a onda de desestatizações promovida pelo governo de Fernando Henrique Cardoso, provocando a demissão de milhares de profissionais.
O livro “Recursos Minerais e Comunidade: impactos humanos, socioambientais e econômicos,” publicado em 2014, catalogou 1,5 mil documentos com o estudo de caso de 105 territórios, espalhados em 22 estados brasileiros, que sofreram impactos da mineração, como aumento da dispersão de metais pesados, mudança na paisagem do solo, contaminação dos corpos hídricos, danos à flora e fauna, desmatamentos e erosão. Já em janeiro de 2012, a mineradora foi eleita como a pior empresa do mundo, no que refere-se a direitos humanos e meio ambiente, pelo Prêmio Public Eye, realizado pelas ONGs Greenpeace e Declaração de Berna.
Contraditoriamente, o atual presidente da Vale, recebeu em novembro de 2018, mais precisamente no dia de finados celebrado no dia 2 de novembro, o prêmio de CEO do ano, em Miami, durante o evento “Bravo Business Awards”, promovido pelo Americas Society/Council of the Americas. Segundo o Portal da Mineração e o site da própria Vale, “o reconhecimento é resultado das conquistas do executivo em seu primeiro ano de gestão” e também por ser “responsável por uma série de mudanças que levaram a Vale a atingir o mais alto nível de governança corporativa e ingressar no novo mercado”. Durante a premiação, o executivo foi acompanhado pela Diretoria de Relações com Investidores e pelo diretor de Sustentabilidade e Relações Internacionais. Destacam-se ainda os números apresentados no formulário de referência entregue à Comissão de Valores Mobiliários (CVM), no dia 22 de janeiro, revelando a remuneração de R$ 101,6 milhões aos diretores estatutários da empresa em 2018, contabilizando a soma de salários, benefícios, bônus e outras remunerações variáveis.
Ressalte-se, ainda, os incalculáveis prejuízos, estimados em dezenas de bilhões de reais, impostos aos acionistas, à sociedade e ao país por diretrizes empresariais, que privilegiam a busca desenfreada da lucratividade, em vez de priorizar investimentos em segurança e proteção ao meio ambiente. Deve-se adicionar a esta consideração um fato de gravidade semelhante. A Vale desprezou as opções técnicas mais adequadas na execução dessas barragens, certamente em razão de exigirem maiores volumes de investimento. Neste caso, está imposta uma reflexão sobre o modelo de gestão baseado em interesses financeiros, e não com o interesse público. Esta lógica privilegia o alcance de indicadores de desempenho financeiro a qualquer preço, independentemente da perspectiva de desastres de elevadas proporções.
Ousa-se afirmar, neste texto, que os bônus ou remunerações variáveis, assim como as bonificações e dividendos distribuídos aos acionistas pela empresa Vale, ao longo dos últimos anos, socialmente questionáveis e com lucros sobrevalorizados, jamais consideraram os investimentos necessários e não realizados na segurança de empreendimentos, na opção por utilização de técnicas de execução de barragens mais baratas e inapropriadas, reconhecidamente incompatíveis com as modernas demandas da cidadania.
Finalizando, pergunta-se que supostas “conquistas de primeiro ano de gestão” e quais “mudanças de governança corporativa” foram impostas nesta outrora referenciada empresa pública, pelo premiado “CEO do ano de 2018 de Miami” e sua diretoria acompanhante que, além de fabricar lucros, provoca um desastre de proporções estratosféricas, ceifa vidas humanas, agride o conceito de sustentabilidade, destrói cursos d’água, impõe prejuízos a famílias de pequenos agricultores, desvaloriza a empresa, prejudica a imagem do país e expõe a qualificação da renomada engenharia nacional? E que credibilidade, afinal, tem premiações como estas? Atendem a que interesses? E a justiça brasileira? A investigação é direcionada apenas aos profissionais? E as pressões corporativas existentes no ambiente empresarial? E a implantação de inomináveis políticas empresariais pautadas em lucros, bônus e bonificações abusivas, verdadeiras causadoras desta tragédia? Infelizmente, às vítimas fatais de Brumadinho, não será permitido acessar as possíveis respostas.”
Federação Interestadual de Sindicatos de Engenheiros (Fisenge)
Rio de Janeiro, 15 de fevereiro de 2019
*O artigo faz parte da trilogia VIDA/ENGENHARIA/ SOBERANIA/ BRASIL
Foto: Divulgação/Presidência da República