Por Francis Bogossian e Henrique Luduvice*
Na década de 70 do século XX o Brasil apresentava à humanidade impressionantes taxas de crescimento em sua economia. Aquela conjuntura fora provocada por robustos investimentos públicos em infraestrutura, que visavam a ocupação soberana do imenso território nacional. Os recursos utilizados provinham, majoritariamente, de valores captados no exterior via empréstimos que se incorporavam ao orçamento da União ou aos balanços de Empresas com predominância de capital estatal.
No planejamento concebido na época, havia foco no desenvolvimento de setores considerados estratégicos que contribuíssem para situar o País em níveis civilizatórios avançados, viabilizassem a participação de setores empresariais brasileiros, bem como o espraiamento da população nas diferentes regiões geográficas. A idealização, contratação de projetos, bem como a implementação do modelo requereu conhecimentos específicos das diversas modalidades de Engenharia.
A iniciativa privada se incorporou de imediato às diretrizes governamentais e se expandiu em ritmo acelerado, muitas vezes se associando ou absorvendo informações, normas e padrões de suas similares internacionais que já atuavam em solo pátrio, assim como enviando colaboradores ao estrangeiro para qualificação em especialidades ou temas ainda incipientes no contexto local.
Inúmeras empresas de Construção Civil (Edificações, Energia, Pavimentação, Saneamento, Telecomunicações, Transportes), Indústrias (Metalúrgica, Metal Mecânica e Petroquímica), Agricultura Intensiva, Escritórios de Cálculo, Projetos e Consultoria, dentre tantas outras vocações empreendedoras, se formaram nas infindáveis áreas da tecnologia em uma velocidade superior à capacidade de formação de Engenheiros daquele tempo, pelas principais Universidades do País.
A procura do mercado por esses profissionais assumiu proporções inimagináveis, decorrente da enorme carência de quadros com os perfis almejados. Neste segmento da história, estudantes de renomadas Faculdades recebiam propostas de trabalho de empresas contratantes, ainda nas etapas finais de sua Graduação. As instituições comerciais adentravam no âmago dos Cursos, com o objetivo de assegurar vínculos antecipados do escasso material humano a ser disponibilizado. A Nação assistia os Cérebros e Talentos do segundo grau estudarem buscando, prioritariamente, os vestibulares de Engenharia. Afinal, estes desejavam fazer carreiras em Profissões com indicações de mais valorizadas e que propiciavam honorários atraentes. Neste diapasão, sucediam-se honrosas rivalidades com a Medicina e o Direito.
Os professores do segundo grau alertavam a todos que pretendiam disputar vagas nos principais vestibulares das Engenharias. Impunha-se como obrigatório, além de estudar com afinco, manterem-se atentos à extrema concorrência para essas alternativas. Em virtude da quantidade de interessados, anexada a excelência intelectual dos concorrentes.
Apenas a título de exemplo, ressalta-se, neste texto, o vestibular da UnB (Universidade de Brasília) organizado em julho/1975, último em que aquela renomada instituição divulgou a relação dos vinte (20) primeiros classificados dentre todos os participantes. Esta prática acontecia antes do início das menções a cada Curso e as consequentes identificações dos respectivos candidatos que haviam se credenciado a ocupar as vagas ofertadas, na tradicional ordem alfabética.
Naquela primeira nominata anunciada nos alto-falantes instalados na Entrada Sul do Edifício Principal, restou consignado: doze (12) entre os vinte mais bem colocados em todo o vestibular inscreveram-se para Engenharia Elétrica. Um (1) optou por Engenharia Civil e outro pela Engenharia Mecânica. Portanto, quatorze (14) para Cursos de Engenharia. Com toda a reverência e respeito devidos, nenhum para Direito. Apenas um para Medicina.
Neste Século XXI, mais especificamente nos anos 2008, 2009 e 2010, o Brasil voltou a experimentar expressivas taxas percentuais de crescimento do seu PIB (Produto Interno Bruto) equivalentes a 5,7, 6,4 e 7,5. Este período representou a resultante de estágios anteriores, nos quais a Nação retornara a investir nas áreas e arcabouços acima mencionados, adotando, contudo, propostas inclusivas e inovadoras.
Dentre muitos, que não serão citados devido à escassez de espaço no texto, foram executados projetos e obras que mais que duplicaram a capacidade de geração e transmissão de energia no País, eliminando riscos de apagões e oportunizando a implantação do Programa de Universalização de Energia, o premiado Luz para Todos.
A chegada da energia elétrica proporcionou a melhoria da qualidade de vida para milhões de famílias de trabalhadores brasileiros, radicados em localidades do interior profundo, que, após recepcionarem a iluminação, puderam adquirir máquinas, computadores e eletrodomésticos, incrementando seus confortos e produtividades.
As escolas das comunidades mais humildes puderam funcionar em horários noturnos, reduzindo de forma drástica o analfabetismo dos lavradores que labutam nos turnos da manhã e tarde, em que predomina a luz do sol.
A energia elétrica propiciou, ademais, a instalação de refrigeradores nesses ambientes, muitos deles distantes dos grandes centros, facultando o armazenamento de vacinas e alguns remédios, com a consequente otimização dos indicadores de saúde.
Em paralelo, foi concebido o Programa Água para Todos que promoveu a colocação de mais de um milhão de cisternas de grande capacidade, em companhia de calhas e tubulações adequadas, nos terrenos e casas situados nos logradouros mais carentes. O objetivo desta iniciativa é captar e estocar as águas de chuva que incidem sobre os telhados de residências populares adredemente preparados para este fim, nas regiões com precária ocorrência pluviométrica. Necessário se faz incluir a transposição do Rio São Francisco, iniciativa monumental que atendeu a 385 cidades do semiárido nordestino que sofriam sem o abastecimento regular de água, provocando migrações de contingentes de pessoas nas secas mais contundentes. Hoje, a imprensa não mais menciona este tema que se apresentava, antes de mais uma façanha da Engenharia, como um fenômeno sazonal inevitável.A esta altura, impõe-se resgatar a construção, reforma ou ampliação de dezenas de Aeroportos e Estádios em várias Unidades da Federação que, associados aos aprimoramentos nas comunicações e transmissões de dados, permitiram ao Brasil a realização de uma Copa do Mundo de Futebol (2014) e das Olimpíadas (2016), com reconhecimentos internacionais.
A indústria nacional operava a plena carga. Atingimos outra vez o pleno emprego e, a exemplo do passado, faltaram Engenheiros. A procura não se compatibilizava com a oferta.
E, conforme ocorrência anterior, em razão da acentuada demanda por tais Profissionais, que no exercício de suas atividades induzem a modernização de gestões e acréscimos de competitividade. Especialistas que atuam nas transformações das ciências e saberes em produtos, técnicas e equipamentos, que alavancam processos, fabricações e o alcance de performances e desempenhos compatíveis com as expectativas dos empreendimentos contemporâneos.
A derivação desse complexo sistema gera trabalho, emprego, renda, evolução econômico-social e a elevação do padrão de vida da população.
Desnecessário seria discorrer sobre a Alemanha, EUA, França e numerosos outros Ocidentais e, ainda, Coréia, Japão e China no Oriente. Nações que, historicamente, trataram suas Engenharias na categoria de prioridades nacionais.
Portanto, a criação e o acompanhamento de indicadores que evidenciem o número de Engenheiros por Habitantes, compatibilizados com o estabelecimento de carreiras e remunerações públicas atrativas nas áreas de Engenharia deveriam ser, além de óbvias, obrigatórias nos Municípios, nos Estados e no Brasil, se pretendemos uma sintonia com as exigências contidas nos patamares de competição impostos no Planeta.
O ambiente privado, certamente, replicaria de plano, sob risco de não obter ou perder competências. Isto ensejaria intercâmbios virtuosos, atração de protagonistas e sustentação dos ciclos de prosperidade.
Porque há um alerta a ser soado.
De imediato.
Em brados sublimes.
Existem informações que apontam para um desinteresse dos jovens nos cursos de Engenharia. Matérias jornalísticas destacam vagas ociosas em Universidades por falta de pretendentes.
Verifica-se, no presente, que uma significativa parcela da juventude procura cursar Direito visando posições futuras de Delegados, Promotores, Procuradores, Juízes, Desembargadores e Ministros de Tribunais Superiores. Em busca de estabilidade e altos salários. Há, também, os que se percebem antenados com o mercado dos novos direitos consignados pós Constituição de 1988. Isto sem mencionar a recente e excessiva judicialização das relações no País, causada por radicalizações extremadas. Destaque-se, sempre, a importância de um Judiciário eficiente e comprometido peremptoriamente com a democracia.
Porém, de forma isolada, esta circunstância não assegura elevação do PIB, avanços científicos, infraestruturas, exportações, postos de trabalho, novos negócios, capacidade competitiva, progressos financeiros, ocupação racional do território, prevenção de desastres ou mesmo o desenvolvimento de uma sociedade digna e justa em sua plenitude.
Atenção, sem Engenharia, retorna-se à condição tradicional das colônias. Em geral, exportadoras de produtos primários e importadoras de manufaturados com complementos de cotação incorporados.
Ou regressa-se ao longínquo tempo em que a Engenharia era contratada no exterior.
Definitivamente, não.
Inaceitável sob todos os vieses ou parâmetros.
As responsabilidades do País, com os brasileiros desta e das próximas Gerações, clamam por efetivos reconhecimentos quanto a relevância de sua área tecnológica. Os destinos da Nação encontram-se plenamente atrelados aos imprescindíveis compromissos públicos e governamentais com a Engenharia do Brasil.
* Francis Bogossian é presidente do Ibep e ex-presidente do Clube de Engenharia do Rio de Janeiro; Henrique Luduvice foi Presidente do Crea/DF, do Mútua e do Confea | Foto: Reprodução