06/08/2015
Fernanda Ramos
Olimpíadas para quem? Essa pergunta motivou cerca de 200 pessoas a se reunirem em frente à prefeitura da cidade do Rio a um ano do início dos Jogos Olímpicos de 2016. O ato, que começou às 15h e seguiu em direção à sede do Comitê Organizador dos Jogos Olímpicos e Paralímpicos do Rio, questionou o legado dos megaeventos para a cidade. Para Marcelo Braga, membro do Comitê Popular da Copa e das Olimpíadas do Rio de Janeiro e um dos organizadores da manifestação, “as Olimpíadas, assim como a Copa do Mundo e o Panamericano, vem sendo usadas como argumento para aumentar as violações de direitos humanos na cidade, como o direito à moradia, ao trabalho e até o direito da população de opinar sobre a cidade.”
Quem passava pelo ato recebia uma cartilha com “16 pontos para um outro Rio”. O material, elaborado em plenárias que reuniram 33 entidades dos movimentos estudantil, sindical e popular, inclui a reivindicação por transporte público de qualidade com tarifa zero, a desmilitarização da polícia, o fim das remoções e o fim da perseguição aos camelôs.
“Camelô não é ladrão, camelô é profissão”
Durante a manifestação, a guarda municipal ameaçou confiscar o triciclo e as mercadorias de um vendedor ambulante. A repressão só não se concretizou por causa da mobilização dos camelôs ali presentes, que juntos inibiram a ação policial. Essa foi apenas uma amostra da intransigência com que a categoria é tratada, a mando da prefeitura do Rio de Janeiro.
Rosângela Maria dos Santos é camelô há 16 anos, e contou que já foi repreendida inúmeras vezes. No entanto, nem sempre as mercadorias confiscadas chegam aos depósitos municipais: segundo a camelô, os próprios guardas responsáveis pelas apreensões frequentemente dividem entre si o material. “O camelô é que nem bandido para a prefeitura do Rio”, conclui. “Eles pegam as nossas coisas, levam e falam pra gente: ‘Perdeu’. Mas perdeu o que? Eu não sou bandida.” Ela teme que, durante as Olimpíadas, a criminalização contra os camelôs se agrave.
Ocupa Vila Autódromo
De acordo com a cartilha do movimento, 20.299 famílias foram removidas na capital fluminense apenas entre 2009 e 2013, o que representa cerca de 70 mil pessoas. A Vila Autódromo é um exemplo emblemático desse processo de violações e lutas por direitos. Das 583 famílias que havia na comunidade até o início de 2014, somente 192 resistem, hoje, no local.
Os moradores da Vila, que fica entre o Parque Olímpico e a Lagoa de Jacarepaguá, conseguiram uma liminar na justiça que proíbe demolições de casas no interior da comunidade, considerado área de interesse social. Mas, segundo Sandra Maria, o governo vem sistematicamente desrespeitando o acordo. “O trabalho da prefeitura é muito injusto, o prefeito fala que quem quiser pode ficar, que ele vai urbanizar a área, mas não apresenta um projeto pra gente.” A moradora denuncia também a pressão psicológica que agentes públicos exercem sobre a população.
No dia 3 de junho, a comunidade foi brutalmente reprimida pela polícia por tentar impedir a reintegração de posse de duas casas pelo governo municipal. Quanto ao episódio, Sandra é categórica: “Aquilo não foi um conflito, foi um massacre. Nós estávamos desarmados e nem reagimos, fomos espancados.” O caso atraiu visibilidade à luta dos moradores, e a partir de então cada vez mais movimentos sociais, professores e grupos de estudantes tem realizado atividades em apoio à Vila Autódromo.
Para Aércio Oliveira, da ONG Fase (Federação de Órgãos para Assistência Social e Educacional), todas as pautas ligadas a violações de direitos estão ligadas. “Tudo tem conexão, desde a política da redução da maioridade penal até a política salarial dos profissionais da educação. A cidade cada vez mais cria dispositivos de coerção, muita polícia, muita UPP, camelôs que sofrem direto a repressão da guarda civil.” Para ele, o objetivo das mobilizações que questionam os megaeventos esportivos é justamente agregar os diferentes mais movimentos sociais e levar toda a população às ruas contra esse projeto de sociedade que está colocado.