Banco Central independente: “desajustado” e “excrescência política e institucional”

Apesar das muitas vozes que pressionaram por uma queda mais acentuada na taxa básica de juros brasileira - a Selic - o Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central decidiu, por unanimidade, manter a taxa de juros em 10,50%. O campo progressista aguarda, confuso, a troca da presidência e da maioria do colegiado, em dezembro

Após sinalizar, com pelo menos dois anos de antecedência, que aceitaria a indicação a ministro da Fazenda do candidato que deverá representar o projeto de extrema-direita nas eleições de 2026, Roberto Campos Neto e sua diretoria votaram, por unanimidade, pela manutenção da taxa de juros.

A fala do presidente Lula em entrevista à CBN, subindo o tom contra o fascsimo e contra a instrumentalização da autonomia do Banco Central para atrasar o crescimento econômico e social do país, foi o destaque na mídia hegemônica na última terça-feira (18), véspera da reunião do Copom. Lula não estava sozinho: as centrais sindicais, entidades da sociedade civil organizada e academia – a parcela diretamente penalizada pelos juros nas alturas – apontavam para a necessidade da urgente redução da Selic.

Não foi suficiente. Alegando um cenário global incerto, alta da inflação doméstica e expectativas “desancoradas”, a queda da taxa, que vinha sendo da ordem de 0,5 ponto percentual a cada reunião do colegiado entre agosto de 2023 e março deste ano e em 0,25 em maio, foi interrompida. Segundo o comunicado do Copom, o momento “demanda serenidade e moderação na condução da política monetária”.

O presidente do Banco, Roberto Campos Neto: até dezembro, um agente poderoso contra o sucesso do Governo Federal

O desajuste do BC

Segundo Lula, só há “uma coisa desajustada no Brasil neste instante: é o comportamento do Banco Central (…) Um presidente do Banco Central que não demonstra nenhuma capacidade de autonomia, que tem lado político e que, na minha opinião, trabalha muito mais para prejudicar o país do que para ajudar. Não tem explicação a taxa de juros do jeito que está”.

O presidente fala da maior taxa de juros reais do planeta, mantida neste patamar por uma autoridade financeira nascida de mais um jabuti criado pelo governo Bolsonaro e aprovado pelo Congresso: a independência do Banco Central.

Entrevistado do programa Soberania em Debate da última semana, o economista Paulo Kliass, especialista de carreira em Políticas Públicas e Gestão Governamental do Governo Federal, explicou as dimensões do absurdo que fez nascer essa autoridade monetária herdada de outra gestão, que envida esforços contra a política econômica do governo democraticamente eleito, emperrando a execução do projeto escolhido pelo voto.

“Eles [os diretores do Banco Central] não foram eleitos para nada. Estão ali para cumprir uma missão que, no limite, é de um sujeito político referendado pela população em uma eleição democrática. Antevendo o retorno de um governo progressista, eles criaram um mandato fixo para os diretores do Banco Central, uma excrescência política e institucional. O presidente Lula foi eleito e começa o governo tendo nove bolsonaristas, adeptos de uma ortodoxia conservadora, sentados no Banco Central. E ficou Roberto Campos Neto sabotando a política econômica do governo através de um instrumento importante, que é a política monetária. Com a Selic estagnada em 13,75%, qualquer caminho desenvolvimentista, progressista era impossível. Lula queria fazer 40 anos em quatro. Para isso, ele precisava de taxa de juros baixas e liberdade para realizar investimentos públicos. Roberto Campos Neto não permitiu isso”, conta Kliass.

Ato das Centrais Sindicais na véspera da reunião do Copom reforçou o pedido por maior baixa nos juros, mas foi ignorado pelo Banco Central.

Indicações e votos contraditórios

Esperança daqueles que acreditam no desenvolvimento e crescimento sustentável do país a partir de uma queda acentuada da taxa de juros têm até dezembro para aguardar. No final do ano, com o fim do mandato de Campos Neto, Lula terá indicado não só a presidência do Banco Central, como a maioria de seus diretores. Com cinco dos nove votos do Copom, dezembro pode representar uma virada de chave definitiva para o terceiro governo Lula.

A empolgação com o futuro próximo, no entanto, vem dividindo espaço com a insegurança que o presente traz: a interrupção da queda da Selic foi aprovada com os votos dos quatro diretores indicados por Lula e pelo ministro Fernando Haddad, da Fazenda – os economistas Rodrigo Alves Teixeira, de Administração; Paulo Picchetti, de Assuntos Internacionais e Gestão de Riscos Corporativos; Gabriel Galípolo, da Política Monetária e Ailton Aquino, da Fiscalização.

A discordância entre os membros do Copom só apareceu em maio, quando o colegiado decidiu pela redução do corte de 0,5 ponto percentual para 0,25% Os diretores indicados pelo presidente Lula votaram pela manutenção do corte de 0,5%. Em minoria, perderam para os indicados de Bolsonaro. Apenas um mês depois do racha causado pela extensão do corte nos juros, o Copom votou, unanimemente, pelo fim do corte. Sem saber o que mudou os votos dos quatro diretores indicados por Lula de 0,5% para zero em um mês alimenta a incerteza.

“Em dezembro, os indicados por Lula serão maioria. Minha dúvida é se eles seguirão votando com os bolsonaristas como vêm fazendo, ou se terão a encomenda política de colocar o Banco Central para fazer o que deve. A Selic precisa baixar muito, para algo próximo a 7,8%, um padrão civilizatório. Eles adoram comparar o Brasil com os EUA, Europa. Então vamos botar nossa taxa no padrão deles”, sugeriu Kliass.

 

Rodrigo Mariano/Senge RJ | Foto: Marcello Casal Jr./Agência Brasil; Fabio Rodrigues-Pozzeborns/Agência Brasil; Paulo Pinto/Agência Brasil

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