“Eu tenho uma tremenda desconfiança das previsões dos economistas porque a economia é uma ciência que está mergulhada na incerteza da vida humana. Quem trabalha na área sabe que isso é muito complicado. Exige uma série de supostos que, em geral, são um tanto simplórios. Então, erra-se muito. Raramente se acerta”. O alerta é do economista Luiz Gonzaga Belluzzo, convidado do Soberania em Debate do dia 06/09, constatando que, sim, o mercado errou, como esperado, ao projetar o crescimento nacional bem abaixo do que vem apresentando neste nono mês de Governo Lula.
A crítica do professor da UNICAMP, fundador e primeiro presidente do Centro Internacional Celso Furtado de Políticas para o Desenvolvimento e ex-consultor pessoal de economia do presidente Lula, Luiz Gonzaga Belluzzo, se dá em um contexto de mudança radical no projeto de desenvolvimento nacional pensado para o Brasil, com o retorno do investimento público como alavanca para a economia e o Estado como coordenador do investimento, em parceria com a iniciativa privada.
Ainda que essa virada de chave, que retoma uma agenda bem sucedida implantada nos primeiros Governos Lula e no Governo Dilma – até a chegada de Joaquim Levy -, venha apresentando resultados acima do esperado, ela segue enfrentando, no setor econômico, uma oposição conceitual calcada em convicções do Mercado Financeiro que, ressalta Belluzzo, são “muito impróprias para o desenvolvimento de um país como o Brasil, que tem um potencial de crescimento muito grande”.
O professor destaca que a lógica do Estado como indutor do desenvolvimento, se opõe a um mito propagado, sem nenhuma base na realidade: “É importante escapar dessa retórica que diz que a economia de mercado produz espontaneamente o crescimento. É uma farsa. Uma afirmação ideológica sem nenhum apoio histórico ou capacidade de explicar o que aconteceu. Nunca houve isso na história do capitalismo. É uma enrolação, uma coisa que parte de pressupostos falsos e impróprios, inadequados”.
Prova histórica e exemplos reais
Esse apoio histórico na realidade concreta cobrado por Belluzzo nunca esteve tão colocado no mundo contemporâneo, mas não para confirmar a ideologia do mercado autossuficiente, e sim para refutá-la. Em nível nacional, nossa história recente prova qual das duas visões de desenvolvimento realmente funcionam, na prática, para o Brasil. O professor lembra que ao período de desenvolvimento induzido pelo Estado durante os dois primeiros governos Lula e primeiro governo Dilma, se seguiu, após a nomeação de Joaquim Levy e o Golpe de 2016, um período de vivência prática da política de desenvolvimento com Estado mínimo e economia totalmente controlada pelo mercado.
“É doloroso dizer isso, mas o que realmente atropelou a nossa trajetória naquele período foi a política de ajustamento de Joaquim Levy, que nasce do poder do mercado financeiro sobre a mídia, sobre as opiniões sobre economia”. O professor destaca que não se trata apenas de basear o desenvolvimento de um país em um ideário sem bases na realidade, mas de criar fatos reais a partir de concepções que se tornaram dominantes. Hoje, o desafio é derrubar essas barreiras reais, impostas pelo modelo que fracassou. “Estamos observando hoje uma tentativa, a meu juízo, razoavelmente bem sucedida, do presidente Lula contornar essas barreiras e constrangimentos e fazer o país avançar na direção da constituição do PAC e da criação de um espaço mais amplo para o investimento público-privado, que foi uma característica dos primeiros governos Lula e nos momentos mais decisivos na história econômica do Brasil. O país sempre teve essa capacidade de investimento público. Nos anos do governo militar, por exemplo, juntando o investimento do governo com o das empresas estatais, chegamos a 8,5% do PIB, um percentual elevadíssimo que tem a ver com a taxa de crescimento da economia”, aponta.
Outro exemplo concreto de que o desenvolvimento induzido e organizado pelo Estado leva ao crescimento econômico desejável é a China, um país que planeja a sua economia de maneira adequada e apresenta bons resultados. “Temos que ser mais pragmáticos. Vamos observar o que a China fez. Não há nenhum país hoje em dia em que o empreendedorismo e a participação privada no setor de tecnologia sejam mais avançados que na China. Você tem uma concatenação do Estado Chines e suas empresas públicas, todas rearranjadas recentemente, e o desenvolvimento do setor privado. Quem tiver a oportunidade de ir a Shenzhen, fica muito impressionado porque percebe que aquilo é uma construção institucional”. A cidade é conhecida como “Vale do Silício da China”, por sua cultura empreendedora, inovadora e competitiva.
Para Belluzzo, enquanto o embate no campo conceitual persiste, o Governo avança, com cuidado, para atingir seus objetivos. “Estou observando uma caminhada muito cuidadosa e muito prudente do ministro da Fazenda e dos ministros da área econômica em geral, no sentido de ter uma boa relação com o Congresso, com o Mercado, mas a minha impressão é que a implementação do PAC vai fazer com que a economia disponha de recursos para aumentar a taxa de investimento público. Isso é muito importante para que a gente faça a passagem para um ritmo mais elevado”, destaca.
Tecnologia e privatizações
Para além da lógica distorcida que segue norteando setores importantes da economia nacional, há desafios conjunturais que precisarão ser enfrentados para avançar em direção à soberania. Um deles, de ordem tecnológica e ambiental, está diretamente ligado ao momento histórico atravessado pelo mundo. Qualquer plano de desenvolvimento, neste momento, precisa considerar a revolução industrial em curso. “Não vamos repetir a trajetória do passado porque, hoje, é preciso incluir o progresso tecnológico, a robótica, a inteligência artificial. A natureza tecnológica desse desenvolvimento é diferente da anterior porque estamos vivendo uma Revolução Industrial, que é mais que o surgimento de máquinas e fábricas, mas sobretudo a mudança tecnológica, o aproveitamento de novas forças naturais para transformar a capacidade humana de produzir”, relata Belluzzo.
Para o professor, o destaque do setor energético nesse momento, para o Brasil, é enorme e coloca um problema: “Temos oportunidades imensas na área da transição energética que poderiam ser conduzidas pela Eletrobras e Petrobras. A privatização da Eletrobras foi um erro catastrófico entre tantos outros que eles cometeram. A energia é um insumo universal, perpassa todas as cadeias produtivas e, portanto, é um bem público. Tem que cuidar dela do ponto de vista do abastecimento e também do ponto de vista do custo das atividades públicas e privadas. Precisamos de uma política energética e a Eletrobras seria importantíssima neste contexto”.
Belluzzo destaca que aquilo que chama de “obsessão pela privatização”, que pressupõe que o setor privado é mais eficiente do que o Estado, está em processo de reavaliação em todo o mundo. “São várias iniciativas na Inglaterra, por exemplo, não só na questão energética, mas também nos transportes, que passaram pela privatização e que agora está sendo contestada por boa parte da sociedade inglesa. O que ocorreu em muitos países em matéria de protestos pelo custo da energia, custo do saneamento, da água, coloca tudo isso em questionamento. Seria bom que o Brasil tivesse claro que é preciso recuperar essa integração energética entre a Petrobras e a Eletrobras”, defende.
Texto: Rodrigo Mariano/Senge RJ
Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil