O programa Soberania em Debate do projeto SOS Brasil Soberano, promovido pelo Senge RJ, recebeu o historiador e professor Sidnei Munhoz para uma análise profunda da política externa dos Estados Unidos, especialmente após a ascensão de Donald Trump. Munhoz apresentou um panorama histórico da construção do imperialismo norte-americano e os impactos que essa trajetória traz até os dias de hoje.
Segundo o professor, a política expansionista dos EUA remonta ao final do século XIX, quando o país passou a intervir militarmente em diversas regiões do mundo para abrir mercados às suas corporações. O discurso liberal sempre encobriu uma prática protecionista, fortalecida por instrumentos como a construção de frotas navais e o apoio a golpes em países estratégicos. Essa postura, aponta Munhoz, perverteu os valores democráticos do país e contribuiu para o surgimento de figuras autoritárias como Trump.
Para Munhoz, o imperialismo estadunidense não é uma anomalia recente, mas parte estrutural de sua atuação no mundo. “A democracia americana sempre foi seletiva”, afirmou, ao lembrar que os chamados pais fundadores excluíam mulheres, negros, indígenas e pobres de seus ideais de cidadania. Essa erosão democrática, acentuada por décadas de intervenções externas, é parte do caminho que levou ao trumpismo.
Tarifas, chantagem e as possibilidades para o Brasil
No centro do debate, a recente imposição de tarifas pelos Estados Unidos acendeu o alerta global. O Brasil foi um dos países menos afetados — com 10% de tarifa média — mas ainda assim pode sofrer impactos significativos. Para Munhoz, o protecionismo escancarado de Trump representa uma chantagem: “ele ameaça aumentar tarifas para quem ousar retaliar”.
Apesar disso, o professor vê também oportunidades: o Brasil possui reservas cambiais robustas, um mercado interno relevante e a chance de ampliar acordos com mercados asiáticos. “O presidente Lula, mesmo antes das tarifas, já buscava ampliar nossa presença no Japão e na Ásia”, lembrou.
O protecionismo, historicamente utilizado pelos EUA, tende a acirrar disputas comerciais e agravar crises econômicas. Munhoz citou como exemplo o Smoot-Hawley Tariff Act de 1930, que agravou a Grande Depressão. “O mundo digere agora o impacto das medidas de Trump. Ainda é cedo para saber as consequências exatas, mas já é possível vislumbrar rearranjos geopolíticos”.
O novo mapa do poder e o papel dos BRICS
Um dos pontos centrais da análise foi a possibilidade de surgimento de novos blocos estratégicos globais. O enfraquecimento da ordem liberal promovida pelos EUA, segundo Munhoz, pode acelerar articulações como a dos BRICS e fortalecer o Mercosul. “O mundo não está parado. As peças estão se movendo. Blocos alternativos podem emergir com mais força”, afirmou.
A tentativa de aproximação entre EUA e Rússia foi vista como uma manobra clássica de divisão, nos moldes do que Nixon e Kissinger fizeram com a China nos anos 1970. Para Munhoz, Trump tenta afastar a Rússia da China e garantir acesso a recursos estratégicos russos. Mas ele alerta: “os chineses e os russos sabem disso muito bem e não entrarão nesse jogo facilmente”.
O professor defende que o Brasil deve responder à crise com uma política externa assertiva e de longo prazo. Reforçar o Mercosul, acelerar os BRICS e buscar negociações fora da lógica do dólar são caminhos possíveis. “Negociar isoladamente com os EUA é suicídio. A força está na integração regional e na diversificação de mercados”, concluiu.
O desafio de fazer o Brasil grande por si mesmo
O slogan de Trump — “Make America Great Again” — foi comparado por Munhoz à retórica fascista de Hitler. Para ele, o discurso é direcionado aos setores empobrecidos da classe média branca, ressentidos com a globalização. Mas o risco é que, se essas promessas não se cumprirem, o mesmo público pode virar contra o trumpismo.
Munhoz encerrou sua participação reforçando que o Brasil precisa abandonar o rentismo e investir em valor agregado. “Commodities não bastam. Precisamos de política industrial, inovação e soberania tecnológica”, afirmou. A crise atual, segundo ele, é também uma janela de oportunidade para reformular a inserção do Brasil no mundo.
O programa Soberania em Debate, projeto do SOS Brasil Soberano, do Sindicato dos Engenheiros no Rio de Janeiro (Senge RJ), é transmitido ao vivo pelo YouTube, todas as quintas-feiras, às 16h. A apresentação é da jornalista Beth Costa e do cientista social e advogado Jorge Folena, com assessorias técnica e de imprensa de Felipe Varanda e Lidia Pena, respectivamente. Design e mídias sociais são de Ana Terra.
O programa também pode ser assistido pela TVT, Canal do Conde, e é transmitido pelas rádios comunitárias da Associação Brasileira de Rádios Comunitárias – Abraço Brasil.