“Se não refinar o seu petróleo, o Brasil vai ter que exportar o petróleo e importar o produto refinado, com impacto no preço da gasolina e do gás, apenas para a Petrobras distribuir dividendos. Isso não pode continuar. O Prates [Jean Paul Prates, novo presidente da estatal] tem que entender. A riqueza do petróleo não pode ser usada para distribuir dividendos para acionistas estrangeiros. Esses acionistas de hoje são a antiga nobreza, parasitas que não produzem nada.” A crítica foi feita por Olímpio Alves dos Santos, presidente do Sindicato dos Engenheiros no Estado do Rio de Janeiro (Senge RJ), durante entrevista nesta sexta-feira (10) ao Programa Momento Cidade, na Rádio Comunidade Friburgo FM.< Clique para ouvir na íntegra>
O dirigente destacou a relevância da Petrobras para o desenvolvimento do país, em todos os setores, e a necessidade de a sociedade se mobilizar na defesa de um projeto soberano para a estatal. “Na questão da Petrobras, há uma disputa. Estamos lutando, e vamos ganhar, para colocar essa riqueza sob controle do povo”, afirmou Olímpio. Esse resgate envolve recursos para investimentos em vários setores – educação, infraestrutura, saúde, etc. –, e o desenvolvimento de áreas estratégicas, como extração em águas profundas, setor em que o Brasil já esteve na vanguarda, refino e defesa.
A Petrobras anunciou lucro recorde de R$ 188,5 bilhões em 2022, o maior da sua história. No governo Bolsonaro, a estatal acumulou um lucro de R$ 358,3 bilhões e distribuiu R$ 289 bilhões (80% do lucro total), respectivamente 2,6 vezes mais e 5,8 vezes mais do que a média dos quatro governos anteriores, de acordo com dados da TradeMap divulgados em matéria da Folha de S. Paulo. No mesmo período, sob a orientação rentista do então ministro Paulo Guedes, foram fechadas 64 operações de vendas de ativos da estatal, no valor total de R$ 177 bilhões. Em comparação, foram 15 vendas no governo Temer. A participação da estatal no PIB que chegou a quase 18% nos governos petistas, caiu para 6%.
Outro ativo a ser retomado do rentismo é a Eletrobras, apontou o presidente do Senge RJ. “Os caras que fizeram a bagunça nas Americanas, foram eles que compraram a Eletrobras”, destacou, observando que a Light, companhia de energia que atende ao Rio de Janeiro, já estaria com problemas financeiros semelhantes aos da rede de varejo.“
“O governo Lula precisa superar rapidamente a miséria deixada pelo governo anterior e recuperar o controle da exploração das riquezas do país de acordo com a expressão da vontade popular; arrumar a Petrobras, retomar a Eletrobras”, ressaltou o dirigente. E a sociedade, por sua vez, deve se organizar e se mobilizar. “Precisamos construir as bases para uma disputa de longo prazo, para que o próximo Congresso seja melhor e possamos começar a construir possibilidades de saída.”
O objetivo deve ser restabelecer a soberania do país, conceito que o presidente do Senge RJ define como a expressão da vontade e do interesse popular. “Não há soberania sem que o povo esteja incluído e efetivamente participe da construção da nação”, explica o dirigente. “E como se constrói isso? Tendo o povo como participante, levando em conta que somos diversos étnica e culturalmente, e todos devem estar incluídos. As riquezas deste país – petróleo, cursos de água, minérios, precisam estar sob controle e a serviço do nosso povo.”
Indústria naval
No âmbito do próprio Senge RJ, Olímpio conta que há um trabalho de articulação e produção de propostas para a retomada da indústria naval do país, destroçada pelo fim das políticas de conteúdo local e pela desnacionalização dos investimentos da Petrobras. Entre julho e agosto de 2022, aconteceu o “Seminário Nacional: A importância da recuperação do setor naval para a retomada do desenvolvimento e da soberania do Brasil”, em três etapas — em Porto Alegre, em Recife, e no Rio de Janeiro. A atividade foi organizada pelos sindicatos dos engenheiros do Rio de Janeiro, do Rio Grande do Sul e de Pernambuco – Senge RJ, Senge RS e Senge PE –, pela Federação Interestadual de Sindicatos de Engenheiros (Fisenge), pelo Dieese, pela Confederação Nacional dos Metalúrgicos da CUT (CNM/CUT) e pelo Clube de Engenharia. Ao final, produziu um documento com 13 recomendações concretas. E novas ações estão em estudo, adianta o dirigente.
“Não há país com soberania que não tenha capacidade naval”, afirmou Olímipio. “Temos uma costa gigantesca e é preciso uma indústria naval para construir navios de cabotagem, de longo curso e militares. Se o Brasil não tiver capacidade de construção naval, vai ser eternamente dependente, inclusive para defesa do pré-sal e das riquezas que existem na costa brasileira. E para isso é necessário ter uma cadeia produtiva de conteúdo.”
Luta política e sindicatos
Todas essas bandeiras, contudo, exigem a mobilização da sociedade, especialmente do movimento sindical. “Além das questões imediatas, dos salários e condições de trabalho, é preciso pensar no outro, que sequer tem sindicato e emprego formalizado, e que também tem que participar da construção da soberania neste país. Os sindicatos têm que fazer essa luta como ente social, não corporativo, uma luta pela construção da sociedade. Precisam superar a lógica corporativa da aliança entre capital e trabalho, e atuar como uma entidade da sociedade.”
No Senge RJ, Olímpio contou que uma das ações desenvolvidas pelo sindicato nessa luta é o Movimento SOS Brasil Soberano, criado pelo sindicato em 2017 para resistir ao golpe que afastou a presidenta Dilma Rousseff, e mantido para promover debates e encontros a fim de gerar subsídios para o desenvolvimento de um país com desenvolvimento e socialmente justo. Semanalmente, o movimento realiza, no YouTube, entrevistas no programa Soberania em Debate.
O dirigente alerta que o fascismo não foi derrotado, embora vencido eleitoralmente. E que, mesmo em contextos aparentemente democráticos, permanece o risco de captura institucional da representatividade. “A democracia que todo mundo procura, às vezes não dá soberania; dá a chance de votar e alguns se apropriam da soberania popular do voto.”