Para o economista Paulo Nogueira Batista Jr., caso o campo progressista ganhe a Presidência da República – o que ele acredita que deva acontecer –, o grande risco para o novo governo está no que ele denomina “terceiro turno” das eleições. “Quando a centro-esquerda ganha o segundo turno, monta-se um terceiro turno. Este terceiro turno é muito perigoso; pode, no limite, anular o resultado da eleição.”
Ex-vice-presidente do Novo Banco de Desenvolvimento (NDB), chamado de banco dos Brics, do qual foi afastado em outubro do ano passado – segundo ele, num “minigolpe” –, após fazer críticas ao impeachment de Dilma Rousseff, Nogueira Batista Jr. apresentou a “teoria dos três turnos”, durante o VII Simpósio SOS Brasil Soberano. O evento abordou, na 6a.feira (21), “A engenharia, as eleições e o desenvolvimento do Brasil”, realizado pelo Sindicato dos Engenheiros no Estado do Rio de Janeiro (Senge-RJ) e pela Federeção Interestadual dos Sindicatos de Engenheiros (Fisenge), como parte do Movimento SOS Brasil Soberano.
O terceiro turno, diz o economista, “já começou a ser jogado em vários tabuleiros simultâneos”. Envolve, basicamente, a disputa pelo programa real que o próximo presidente, uma vez empossado, vai efetivamente colocar em prática. Para criar o clima de desestabilização financeira e ganhar espaços de poder mesmo derrotados, os adversários “vão misturar chantagem e acenos, pressão e promessas”, explica. “Esse clima de terrorismo econômico vai se agravar; é preciso ter nervos de aço.” Ou seja, não ceder e não recuar na proposta de “desenvolvimento com soberania e justiça social”. Segundo Nogueira Batista Jr., haverá “uma batalha depois do segundo turno tão ou mais violenta do que a travada até agora”.
Derrotas da esquerda no terceiro turno teriam sido, por exemplo, avalia o ex-vice-presidente do banco dos Brics, as indicações de Antônio Palocci e Henrique Meirelles, respectivamente para o Ministério da Fazenda e para o Banco Central, no primeiro governo Lula (2003). Ou a nomeação para a Fazenda, em 2015, por Dilma, de Joaquim Levy, que a fez adotar a agenda econômica derrotada nas eleições. No primeiro caso, diz, Lula quase levou um golpe, no episódio do ‘Mensalão’, mas se recuperou; e Dilma “perdeu fragrorosamente no terceiro turno”. Da mesma forma, o economista observa que Fernando Haddad jamais seria aceito pelo polo conservador brasileiro – e não deve ter ilusões nem a tentação de recuar sob a pressão do mercado – “a turma da bufunfa” – , que tentará produzir instabilidade econômica no país.
Em 2002, na campanha que levou Lula ao poder, o então vice-presidente do Citigroup e ex-vice-diretor-gerente do FMI, Stanley Fischer, chegou a falar em um risco de 50% de o Brasil não pagar sua dívida pública, lembra Nogueira Batista Jr. Agora, diz, a diretora-geral do FMI, Christine Lagarde, “já declarou que está muito preocupada com a crise na Turquia, que pode se espalhar para a América Latina…”
Felipão e o 7 a 1
Rejeitar concessões de fundo no programa de governo não significa, contudo, subestimar a correlação de forças, adverte. “Não é o caso de cometer o erro que nosso técnico Felipão cometeu em 2014. A Alemanha era o time mais forte, e houve a decisão de partir para o ataque sem Neymar e sem Thiago Silva. Confiar na força da torcida e jogar para o ataque. Não é isso.”
O modelo recomendado por Nogueira Batista Jr. para enfrentar aqueles que ele considera os três principais adversários do campo progressista – a banca nacional, a mídia e os EUA – segue o estilo de jogo adotado pelo então ministro das Relações Exteriores, Celso Amorim, e seu secretário-geral, o diplomata Samuel Pinheiro Guimarães, para desfazer as tentativas norte-americanas de implantação da Alca (Aliança de Livre Comércio das Américas), que derrubaria barreiras tarifárias importantes para o Brasil, em 2003. “FHC deixou tudo pendurado no barbante menos a Alca, que estava com tudo pronto – entendimentos, cronograma, um prato feito”, lembra.”“Mas Celso e Samuel não saíram da negociação; foram comendo pelas beiradas.” E derrotaram a Alca.
Isso significa, explica o economista, aproveitar as fragilidades dos contrários. No caso da mídia – “nunca vi uma mídia tão homogênea, exceto da China, mas lá a favor da China, e aqui contra o Brasil” –, observa que se trata de uma concessão pública e dependente de regulação. Já para administrar as reações da “banca”, ele ressalta que os “os bancos não brigam com autoridade”, no caso o Banco Central, que, por isso mesmo, não pode dar sinal de fraqueza. “Precisa ser ponderado, calmo, mas não ter ilusões.”
Diferentemente de outros momentos, o economista aponta vantagens que podem fazer essa disputa de terceiro turno mais favorável à centro-esquerda: “Primeiro, experiência: já vimos esse filme”, diz. E outros trunfos que não tínhamos em 2003 e 2014. Entre eles, cita um setor externo na economia bastante forte, com US$ 370 bilhões em reservas, um déficit de balanço de pagamentos em conta corrente de apenas 0,4% do PIB, e um regime de câmbio flutuante capaz de absorver turbulências. “O Brasil não quebrou; então tem que pagar para ver as pressões que inevitavelmente virão.”
Elite antinacional
Para Paulo Nogueira Batista Jr., as barreiras históricas de o Brasil se desenvolver têm raízes na burguesia brasileira, que é antinacional e não quer a inclusão social. Ele contou que, certa vez, lhe perguntaram: “Existe ou não uma burguesia nacional?” Ao que respondeu: “Não sei. Mas com certeza existe burguesia antinacional.”
Segundo o economista, é histórica a falta de comprometimento das empresas instaladas no país com o desenvolvimento nacional, apesar de o Estado, ao longo de décadas, ter apoiado seus investimentos. “Este apoio do Estado à empresa privada nacional, não entendo por que não foi correspondido”, afirmou. “Os governos nunca conseguiram criar um polo de apoio político do empresariado que os sustentasse ao longo do tempo.”
A dificuldade de o empresariado construir um projeto de longo prazo com o Estado deriva, na sua avaliação, do fato de um desenvolvimento soberano implicar justiça social. O que as elites e as classes médias rejeitam.
“O capitalismo é nacional mas sem burguesia nacional. Ela não corresponde ao que se entende por burguesia nacional nos modelos clássicos de desenvolvimento”, explica. “Somos como viralatas crônicos, vítimas de concepções idealizadas do que dá certo nos outros países.”
Considerando o tripé de desenvolvimento proposto pelo economista João Paulo dos Reis Veloso – Estado, capital internacional e nacional –, Nogueira Batista Jr. observa que as elites brasileiras atuam de forma “serviçal, desconectada do povo”. “E que “o capital nacional sempre foi fraco; compensado pela ação do Estado.”
O VII Simpósio SOS Brasil Soberano comemorou os 25 anos de existência da Federação Interestadual de Sindicatos de Engenheiros (Fisenge), realizado no auditório do Clube de Engenharia, com a participação ainda do ex-ministro Celso Amorim e do diretor técnico do Dieese, Clemente Ganz. O evento é promovido pelo Movimento SOS Brasil Soberano, iniciativa do Senge-RJ e da Fisente. Teve apoio da Mútua e da Carta Capital.
Texto: Verônica Couto/SOS Brasil Soberano
Foto: Adriana Moreira
Foto: Adriana Moreira