Por Jorge Folena
Qualquer pessoa com um mínimo de discernimento sabia, previamente, que o resultado da eleição de 28 de julho de 2024 na Venezuela seria impugnado caso o vencedor fosse o atual presidente Nicolás Maduro Moros, do Partido Socialista Unido da Venezuela (PSUV).
Na sexta-feira, 2 de agosto, o Conselho Nacional Eleitoral justificou o atraso na liberação das atas que detalham os resultados informando que os seus sistemas de informática estavam sendo atacados desde o dia da eleição, o que levou ao atraso na divulgação da apuração, que, com 96,87% dos votos contabilizados, apresenta Maduro com o equivalente a 51,95% (6,4 milhões) de votos e seu principal opositor, González, com o equivalente a 43,18% (5,3 milhões) de votos.
No mesmo período, autoridades venezuelanas denunciaram diversos ataques cibernéticos contra o país, vindos do exterior. Em decorrência dessas ofensivas, o sítio eletrônico da Telesur saiu do ar e talvez tenha sido derrubado justamente por se tratar de fonte de notícias com credibilidade internacional, responsável pela cobertura das diversas tentativas de golpe de estado na Venezuela, que, inclusive, já causaram muito danos patrimoniais e até a morte de algumas pessoas.
Antes que o órgão responsável pela eleição informasse o resultado, a oposição veio a público para manifestar que obteve mais de 70% dos votos, embora sem apresentar qualquer comprovação da veracidade dessa afirmação. Porém, isso foi suficiente para os Estados Unidos da América lançarem mais um ato vexatório na longa lista de sua política externa, repetindo a farsa da autoproclamação de Juan Guaidó como “presidente” da Venezuela na eleição anterior, e desta vez proclamando Edmundo González vencedor do pleito de 2024.
Na verdade, o que se passa na Venezuela há décadas é a luta contra o imperialismo norte-americano e o capitalismo exploratório, habituados a invadir e bombardear para se apossarem dos bens de qualquer país. Aliás, não foi à toa que Donald Trump expressou faz pouco tempo, sem qualquer pudor, que a intenção do seu país é mesmo tomar para si as ricas reservas de petróleo venezuelanas.
Em igual sentido foi a declaração de outro bilionário, Elon Musk, de que daria golpe de estado onde quisesse, referindo-se à provocação de grave instabilidade institucional na Bolívia em 2019, tendo como causa principal a disputa pelas valiosas reservas de lítio no país; o modo de agir foi o mesmo, com o candidato da oposição boliviana recusando-se a aceitar a vitória de Evo Morales. Aliás, Musk está sendo acusado pelo governo venezuelano pela difusão de informações falsas na sua rede X, visando fomentar a atual tentativa de golpe de estado na Venezuela.
Vale lembrar que, em março de 2024, Musk promoveu ataques contra o Tribunal Superior Eleitoral brasileiro e contra o Ministro Alexandre de Morais, a fim de desqualificar o processo eleitoral brasileiro e a eleição do Presidente Luiz Inácio Lula da Silva, do mesmo modo que estão fazendo atualmente contra a Venezuela; aliás, da mesma maneira que sempre fizeram contra qualquer governo progressista pelo mundo afora.
Contudo, países efetivamente soberanos, como a República Popular da China e a Federação Russa, sem levantar qualquer dúvida e com total respeito à autodeterminação da República Bolivariana da Venezuela, reconheceram desde a madrugada do dia 29 de julho de 2024 a reeleição de Nicolás Maduro para mais seis anos de mandato.
Apesar de noticiado recentemente que o presidente Maduro teria afirmado que os presidentes do Brasil, Colômbia e México “estão trabalhando para que se respeite a soberania popular da Venezuela”, considero que a exigência de apresentação das atas das mesas eleitorais, feita ao Conselho Nacional Eleitoral daquele país como condição para o reconhecimento da vitória do candidato do PSUV, representa uma grave tentativa de interferência na independência da Venezuela, pois qualquer litígio relacionado à eleição venezuelana deve ser dirimido pelo Poder Judiciário daquele país.
Com todo o respeito aos dirigentes dos três países, entendo que a hora é de dar apoio à soberania e à independência da Venezuela, não sendo o momento apropriado para se fazer críticas ou exigências que somente ampliam o coro da ação golpista da oposição venezuelana, que desde antes da divulgação dos resultados no dia 28 de julho, repetia a mesma ladainha e dizia ter em seu poder as atas que davam a vitória ao seu candidato González.
Quando a oposição exigiu a apresentação das atas, seus representantes já estavam previamente articulados com os ataques ao sistema de informática da Venezuela, que seriam utilizadas para retardar a divulgação final dos resultados, permitindo-lhes iniciar violentas “ondas de inconformismo” pelas ruas de cidades venezuelanas, em manobras típicas das ações promovidas pelos serviços secretos imperialistas nas diversas “revoluções coloridas” em curso pelo mundo desde o ano de 2010.
Infelizmente, a diplomacia brasileira, ao pretender arbitrar esta complicada questão, com massivos interesses econômicos e políticos em jogo, que passam longe da busca da paz para a América do Sul, pode ter servido de massa de manobra para os Estados Unidos, país sem nenhum apreço pela soberania dos demais, que não esconde de ninguém o objetivo de sujeitar o mundo inteiro aos seus interesses exploratórios.
Os Estados Unidos não respeitam a soberania popular nem a vontade democrática de nenhum país, tendo o Brasil experimentado sua interferência direta no golpe de 1964, no impeachment contra a presidenta Dilma em 2016 e na prisão ilegal do presidente Lula em 2018, que favoreceu a eleição de um fascista entreguista, subserviente aos interesses norte-americanos, que governou o país de 2019 a 2022 e praticou graves delitos, que estão sob investigação.
Aparentemente, a aceitação da eleição de Nicolás Maduro não será resolvida por meio da concórdia política e social, pois o império do Norte e seus vassalos na Europa e na América Latina continuarão em estado de guerra permanente contra a revolução bolivariana em curso na Venezuela. Lembrando que os norte-americanos já fizeram de tudo para impedir os mandatos anteriores do presidente Maduro (e de Hugo Chávez antes dele), mas, até aqui, não tiveram êxito.
Mas, apesar dessa luta constante, quero crer que existe esperança para os que só almejam ser respeitados e viver em paz. A geopolítica mundial está em movimento, transformando-se de modo acelerado e tornando mais plausível a cada dia a união da maioria global, que busca um novo caminho de cooperação, solidariedade, justiça social e tudo o mais que o imperialismo norte-americano sempre negou aos povos do mundo.
*Folena é advogado e cientista político. Secretário geral do Instituto dos Advogados Brasileiros e Presidente da Comissão de Justiça de Transição e Memória da OAB RJ, Jorge também coordena e apresenta o programa Soberania em Debate, do movimento SOS Brasil Soberano, do Senge RJ.
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