Via Opera Mundi
Há quase um ano o movimento feminista vivia mais capítulo de seu processo de ascenso no Brasil. Fomos as ruas pedindo a cassação de Eduardo Cunha e o arquivamento da PL 5069 (projeto de lei que dificulta o acesso de mulheres cis e homens trans a profilaxia de gravidez em casos de violência sexual). Uma jornada de atos das mulheres contra Cunha tomou o Brasil, algo que se convencionou a chamar de “Primavera Feminista”. Aponto isso por que hoje o juiz Sérgio Moro mandou prender preventivamente Eduardo Cunha por conta das denúncias da “Operação Lava-Jato” e se inicia nesse exato momento uma disputa de narrativa importante.
É importante localizarmos a prisão de Eduardo Cunha dentro do processo de consumação do golpe no Brasil e do profundo recrudescimento do racismo e punitivismo institucional em nosso país. A construção de um cenário para apontar que a “Operação Lava-Jato” não faz parte do processo de seletividade judicial do Brasil e avançar numa possibilidade da prisão do Lula é bem evidente e isso precisa ser dito. Mas isso não excluí o sentimento de milhares de mulheres, LGBTs e negros tem ao ver um dos seus maiores algozes do último período cair de vez. Se a “Operação Lava-Jato” o enredou para dar ares de democrática a sua ação profundamente seletiva e golpista, foi o movimento feminista, LGBT e negro que fez o país saber quem era o inimigo número 1 dos nossos direitos.
E nesta disputa de narrativa que acredito que devamos investir. Eduardo Cunha é hoje moeda de troca entre a direita brasileira para justificar uma possível prisão de Lula por ser uma figura pública profundamente desgastada. Desde que Eduardo Cunha assumiu a presidência da Câmara dos Deputados os movimentos sociais se organizaram para desgastar essa imagem, inviabilizá-lo como alternativa política de qualquer coisa. Em 2015, fora dezenas de ocupações de Assembléias Legislativas durante o projeto “Câmara Itinerante” que ele organizou para se promover pelo Brasil – importante lembrar que a de SP terminou de forma bem truculenta.
Um ano inteiro com manifestações de mulheres, LGBTs e negros denunciando Eduardo Cunha, desgastando a imagem dele. Isso não pode escapar das análises, assim como a seletividade judicial da “Operação Lava-Jato”. Não localizar isso é simplesmente apagar, secundarizar um ano inteiro de mobilizações de profunda importância, inclusive, para o combate do golpe. Perder isso de vista é tão grave quanto perder de vista o fato de Eduardo Cunha ter tido seu mandado de prisão expedido por Sérgio Moro via “Operação Lava-Jato”.
Eduardo Cunha não é apenas grande arauto do rito do golpe no Brasil. Mas de toda a institucionalização da violência machista, racista e LGBTfóbica que existe em nosso país. Não olhar pra isso quando analisamos o episódio da prisão de Eduardo Cunha é, simplesmente, cometer o bom e velho erro de secundarizar, silenciar e apagar dos autos da história a luta das mulheres que tem sido profundamente importantes no enfrentamento contra o recrudescimento conservador e o golpe sofrido no Brasil.
Não é hora de dizer: “Viva Lava-Jato”. Perdendo de vista o que ela vai significando pro recrudescimento de um poder judiciário já profundamente seletivo e racista. Mas também não podemos ignorar um ano inteiro de lutas organizadas pelas feministas, mulheres de esquerda, LGBTs e negros neste país. Setores que tem sido importantíssimos na luta de enfrentamento ao golpe e, agora, a PEC 241. Cunha virou moeda de troca para a direita e não uma alternativa política por todo desgaste que provocamos em 2015, e este desgaste criou caldo político importante para enfrentarmos o golpe e o acelerar da retirada de direitos.