Em entrevista ao programa Faixa Livre, da Rádio Bandeirante, o diretor do Sindicato dos Engenheiros no Estado do Rio de Janeiro (Senge RJ) e da Associação dos Empregados de Furnas (ASEF), Felipe Araújo, analisou a MP 1.031/2021, que autoriza a privatização da Eletrobras. Ele detalhou os danos do projeto para o país, com ênfase no aumento do custo da energia, e destacou o alerta feito pela direção da companhia a investidores estadunidenses sobre os riscos financeiros contidos na venda das ações da estatal. Segundo o dirigente, é urgente a sociedade se mobilizar em torno de iniciativas destinadas a evitar que a operação se concretize.
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Como tem ações na Bolsa de Nova York, a Eletrobras é obrigada a produzir o chamado relatório 20F, com dados relevantes para os investidores. Neste documento, divulgado em maio, a Associação dos Engenheiros e Técnicos do Sistema Eletrobras (Aesel) apurou que a direção da estatal reconhece não ter como prever os impactos operacionais e financeiros, indicando vários fatores de risco para a empresa, caso seja aprovada a MP. Em síntese, se for privatizada nos termos propostos pela medida, não há qualquer segurança sobre o destino do seu patrimônio corporativo.
Os dados do relatório 20F, no entanto, critica Felipe, não foram entregues aos parlamentares responsáveis pela votação da MP nem divulgados para a sociedade brasileira. “É um escândalo”, diz ele. “A diretoria da estatal traz uma série de informações surpreendentes a respeito da imprevisibilidade dessa operação, não sendo possível quantificar seu impacto financeiro.”
O diretor do Senge RJ observa que há vários representantes oficiais do governo indo a audiências públicas e encontros em comissões, convocadas graças a muita pressão das entidades da sociedade civil, onde omitem essas informações e mentem sobre as avaliações efetivas do negócio. “Apontam vários benefícios [da privatização], que não podem ser verificados; e, para fora, falam de todos os riscos que nós temos apontado: que não há como assegurar o impacto em relação a empréstimos, a custos operacionais e financeiros, a risco de insolvência… não há como assegurar nada. Para os acionistas americanos, falam a verdade; para os brasileiros, mentem. Ou estão mentindo para os americanos?”
O relatório é claro, por exemplo, quanto aos perigos da descotização para a saúde econômica da estatal. “Não podemos ter certeza se a descotização e um novo acordo de concessão para Tucuruí vai causar uma revisão adversa das garantias físicas e, portanto, impactar negativamente as condições financeiras e os resultados operacionais”, informa a direção da Eletrobras à SEC, o equivalente da CVM nos EUA.
A chamada “descotização” das usinas e o consequente aumento do preço para o consumidor, diz o documento, retiraria da Eletrobras a receita da GAG Melhoria (destinada a investimentos em melhorias no caso das usinas cuja tarifa, cotizada, cobre apenas manutenção e operação). “Em 2018, 2019 e 2020, recebemos R$ 0,5 bilhão, R$ 1 bilhão e R$ 1,3 bilhão, respectivamente, em pagamentos relacionados à GAG Melhoria”, afirma o relatório aos investidores. “Se não continuarmos a receber esses pagamentos, nosso fluxo de caixa, nossa condição financeira e os resultados operacionais podem ser adversamente afetados.”
Felipe lembra que Tucuruí, controlada pela Eletronorte, é a terceira maior usina hidrelétrica nacional e a quinta maior do mundo. O contrato da concessão, que a MP quer estender automaticamente, venceria em 2024. “O correto, constitucionalmente, era, no final da concessão, a usinar retornar para a União, que faria uma nova licitação, por mais 30 anos. A proposta, neste esquema, agora, da MP, é a renovação automática, e permitindo a venda de toda a energia no mercado livre.”
Para se ter uma ideia, as 15 usinas cotizadas cobram em média R$ 62,00 o megawatts/hora, enquanto o mercado livre, no ano passado, operou em média acima de R$ 200,00 o MW/hora. “A energia via ficar duas, três vezes mais cara na fonte”, ressalta Felipe. A Associação dos Grandes Consumidores Industriais de Energia e de Consumidores Livres (Abrace) calculou um custo extra de R$ 41 bilhões causado pela MP, para consumidores residenciais e industriais. A curto prazo, só pela descotização, a Aneel estima um aumento de 16,7% para o consumidor, com base ainda no PL do governo Michel Temer, cuja premissa de descotização permanece inalterada.
“O novo texto da MP ainda acrescenta várias coisas que não fazem sentido e não têm estudo técnico”, afirma Felipe. Entre as novidades, a prorrogação por mais 20 anos do Programa de Incentivo às Fontes Alternativas de Energia Elétrica (Proinfa), idealizado quando o Brasil ainda não tinha a indústria eólica madura. Ou a exigência, também inserida na medida, de contratação prévia de 6 gigawatts de termelétricas movidas a gás (mil megawatts no Nordeste, em estado sem suprimento de gás natural e o restante nas regiões Norte e Centro-Oeste); e de pelo menos 50% de Pequenas Centrais Hidrelétricas (PCHs) nos próximos leilões de energia nova.
O documento enviado à SEC alerta, ainda, para a exclusão das empresas Itaipu e Eletronuclear da privatização, que detêm 17,7% da capacidade instalada da estatal, o que provocaria “perdas dos ativos e da geração de 9.000 MW, podendo resultar na inadimplência de vários financiamentos junto aos seus [da empresa] credores”.
Risco jurídico
Não escapou ao redator do 20F o evidente risco jurídico de um processo tão cheio de incertezas e potenciais prejuízos para o patrimônio público. O documento adianta que a MP poderá ser avaliada pelos órgãos de controle como TCU, MPF e pelo judiciário. “Não podemos garantir que a privatização vai continuar como descrita acima [na MP] e não temos controle sobre o cronograma timeline de sua aprovação ou potencial implementação.”
De acordo com Felipe Araújo, as entidades sindicais e de representação dos trabalhadores têm ações de inconstitucionalidade (Adin’s) da MP no Supremo Tribunal Federal (STF), onde pode haver uma reversão da venda, mesmo se aprovada pelo Legislativo. “É um ato ilegal, e esperamos que o Senado não coadune com isso. Estão agindo como se não fôssemos perder nossa soberania energética. O tema poderia estar sendo discutido por meio de um Projeto de Lei (PL), com sessões públicas, encaminhado para o devido debate, para as pessoas saberem a escolha que está sendo feita. Só vão descobrir depois, quando aumentar a conta dos alimentos, da luz…”
Por isso, diz o dirigente, é tão importante que, até o prazo limite para a MP caducar, em 22 de junho, a sociedade se envolva na pressão em defesa da Eletrobras. “A gente precisa das pessoas mandando mensagens, telefonando, mandando Twitter, ligando para todos os senadores – são poucos por estado –, dizendo para não privatizarem a Eletrobras. Pelo menos, não por MP. “
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