Por Jorge Folena
No evento pelo Dia do Trabalhador, no último 1º de maio, em Itaquera (SP), o presidente Lula disse que: “Voltei para provar à elite que o metalúrgico vai consertar os estragos que eles fizeram.”[1]
Achei muito apropriada a manifestação do Presidente Lula, que resgata de modo indireto o processo suicida que a elite brasileira impôs ao país, a partir do golpe do impeachment contra a presidente Dilma Rousseff em 2016, pelo qual rasgaram a Constituição de 1988, decretaram o fim da Nova República e dos seus partidos políticos tradicionais (MDB, PSDB e DEM), impuseram duríssimas reformas contra a classe trabalhadora, possibilitaram um protagonismo militar descabido e abriram as portas do Brasil para o fascismo.
Por tudo isto, os representantes que estiveram à frente do governo brasileiro, da deposição de Dilma Rousseff até dezembro de 2022, devem ser responsabilizados pelos atos praticados contra o Estado Democrático de Direito e contra os trabalhadores, sem esquecermos a morte (evitável) de milhares de brasileiros em decorrência da péssima gestão da pandemia da Covid-19.
Daí, não é possível aceitar o que os porta-vozes da elite brasileira estão repetindo agora, dizendo que “é hora de virar a página”; ou que, segundo a frase merecedora do prêmio do cinismo, “precisamos de um bolsonarismo moderado”.
Primeiro, todos os delinquentes que tentaram o golpe de Estado têm que ser responsabilizados, para que nunca mais repitam os erros que cometeram contra a democracia. Segundo, não existe fascismo “light” ou “moderado”; fascista é fascista e promove atos bárbaros contra os avanços da civilização, que não podem ser tolerados ou anistiados, como propõem o ex-presidente e representantes da classe dominante.
A elite brasileira sempre se colocou contra qualquer projeto de construção de uma nação brasileira soberana e desenvolvida. Além disso, forjou um patrimonialismo nocivo ao povo e permite os saques colonialistas promovidos contra as riquezas do país.
Os juristas Vitor Nunes Leal e Raymundo Faoro são, para mim, os primeiros grandes intérpretes do patrimonialismo brasileiro; ambos os autores lançaram as primeiras luzes sobre o funcionamento e a organização do poder no Brasil, mostrando que este sempre foi exercido por uma elite forjada na conveniência dos interesses sociais e sem comprometimento com o desenvolvimento do país como nação.
Vítor Nunes Leal analisou as relações de poder nos municípios e grotões, microcosmos onde os interesses do mando construíram sua organização de poder e direcionaram sua influência na formação do Estado, instrumentalizado pelo controle das instituições por um grupo de correligionários, quase como uma família formada nos laços do “filhotismo”, cujo mandamento principal é “para os amigos tudo, aos inimigos o rigor duro e cruel da lei”.
Raymundo Faoro escolheu como campo de observação o processo de colonização portuguesa, que nos legou a organização política estruturada no Brasil. Assim, os atuais donos do poder são descendentes de portugueses que introduziram um pensar e um agir político influenciados pela cultura latina, com as relações de proximidade pessoal servindo de base para a formação do Estado patrimonialista brasileiro, que tem como característica essa elite desinteressada do desenvolvimento nacional e sem preocupação com o destino da maioria do povo.
Independentemente das diversas críticas às duas interpretações acima apresentadas, como as de Jessé de Souza, que questionou principalmente a obra de Faoro, pode-se afirmar que o pensamento dos dois juristas continua atual no Brasil de hoje, tomado pelo ódio em uma manipulada luta de classes, que joga brasileiros pobres e explorados uns contra os outros.
Quando me refiro à manipulação das lutas de classes no país, tenho em mente que, tanto os trabalhadores (dos mais miseráveis aos da classe média) quanto os empresários (industriais, comerciantes, prestadores de serviço, agricultores e microempreendedores) sofrem um contínuo e duríssimo processo de exploração de sua força de trabalho e de seu capital, que lhes retira a capacidade de resistência política, social e econômica, uma vez que as forças produtivas estão sendo apropriadas pelo capital especulativo internacional.
Com efeito, de 2016 a 2022 os trabalhadores brasileiros foram castigados pelos governos neoliberais com a retirada de direitos fundamentais e essenciais, decorrentes do corte dos investimentos em saúde, educação, direitos trabalhistas e previdenciários; mas os empresários nacionais também foram profundamente afetados e muitos se depararam com a necessidade de vender a preços baixos suas fábricas e terras, enquanto outros foram forçados a fechar lojas, empresas e estabelecimentos diversos.
A elite brasileira parece não ter a capacidade de compreender que o projeto político e econômico que lançaram contra o país a partir de 2013, com seu apoio, retirou de si mesma a capacidade de comando político, construída ao longo de séculos, como observado por Vitor Nunes Leal e Raymundo Faoro.
Ao ser determinada pelos governos neoliberais de 2016 até 2022 a destruição de todo o complexo industrial de engenharia nacional, como se fez por meio da entreguista e corrupta “operação lava jato”, retirou-se das empresas brasileiras o imenso mercado de obras públicas no Brasil, que foi então entregue a empresas estrangeiras e passou-se a utilizar aqui até mesmo a mão de obra vinda de outros países; além disso, os equipamentos e insumos necessários às atividades passaram a ser comprados em outros lugares, trazendo ainda maiores dificuldades às empresas conectadas de alguma forma com aquela cadeia produtiva.
O mesmo aconteceu ao se permitir o desmonte da Petrobras. As petroleiras estrangeiras passaram a ter acesso privilegiado à exploração do nosso petróleo, o que só trouxe benefícios para elas, que, inclusive, não precisam pagar qualquer tributo na exportação do óleo bruto, conforme a lei aprovada pela elite representada na composição do Congresso Nacional.
Nossas terras estão sendo apropriadas por estrangeiros, que as compram barato e utilizam mão-de-obra estrangeira e máquinas, tecnologia e insumos agrícolas produzidos em seus respectivos países.
Algo semelhante ocorreu no âmbito da educação, levando à transferência de escolas e universidades, antes de propriedade de brasileiros, ao controle de fundos de investimento estrangeiros, que se assenhoram também dos segmentos de saúde, segurança, comunicação social, previdência privada, finanças, transportes, infraestrutura, informática, livrarias etc.
Este foi o maior processo de desnacionalização já visto em tempos recentes, pelo qual a elite brasileira não apenas está perdendo o controle de seus negócios como perderá o poder de influência política interna; finalmente, será relegada a um papel inexpressivo, limitado à mera repressão, a ser executada por uma burocracia judicial incapaz de compreender sua função, semelhante ao papel delegado no passado pelos coronéis aos capitães do mato.
Assim, por culpa exclusiva de sua elite, que comete suicídio, ao Brasil e ao povo brasileiro foi imposta a mais dura subserviência colonial, que poderia nos condenar a décadas de subalternidade, a exemplo do que ocorreu com a China após sua derrota nas Guerras do Ópio (1839-1842 e 1856-1860).
Porém, como disse o Presidente Lula, no Primeiro de maio, sua volta ao governo é a tentativa de tornar o Brasil um país soberano, desenvolvido, onde a riqueza seja utilizada para o bem-estar e a prosperidade de todos os brasileiros. Ou seja, aquilo que a elite brasileira jamais foi capaz de fazer, um metalúrgico retirante nordestino se apresenta para realizar. Assim, deixem o Lula trabalhar em paz!
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[1] Disponível em https://www.brasil247.com/poder/voltei-para-provar-a-elite-que-o-metalurgico-vai-consertar-os-estragos-que-eles-fizeram-diz-lula
*Jorge Folena é advogado e cientista político. Secretário geral do Instituto dos Advogados Brasileiros e Presidente da Comissão de Justiça de Transição e Memória da OAB RJ. Apresentador do programa Soberania em Debate, do movimento SOS Brasil Soberano, do Senge RJ.
Foto: Reprodução/Brasil247