Em defesa do Cepel. E o que o ACT tem a ver com isso.

A direção do centro está negociando em separado do conjunto dos trabalhadores do setor elétrico, como estratégia para desmontar direitos e reduzir custos de pessoal. Proposta de rotatividade ameaça cortar metade dos quadros até 2025.

Após cinco anos de muita luta política dos movimentos sociais opondo uma resistência inabalável ao processo de privatização da Eletrobras, eis que os liberais, o governo, os especuladores, os grandes fundos de investimento e as empresas de consultoria dos amigos do grande capital conseguem ganhar enfim o primeiro round. Também é importante enfatizar que este processo foi eivado de irregularidades, de urgências desnecessárias e de toda sorte de subterfúgios (conforme denúncias e farta documentação divulgadas inúmeras vezes pelo CNE, sindicatos e associações de empregados do grupo Eletrobras), até a consumação da entrega de parte significativa do patrimônio brasileiro ao capital privado, levando de roldão uma parte de nossas esperanças de soberania e de independência.

A privatização da Eletrobras traz consigo um subproduto perverso e pouco falado, que é a possibilidade de desmonte do Centro de Pesquisas de Energia Elétrica (Cepel),  depois de quase 50 anos de existência. Se o pensamento e a agenda ultraliberal dominante no governo retiraram, pelo menos provisoriamente, a possibilidade do Estado de  promover uma transição energética com imensas vantagens comparativas em relação aos países desenvolvidos, essa situação se agrava com o estrangulamento do Cepel.

Infelizmente, dentro desta nova conjuntura de curto prazo, nosso Centro de Pesquisas não encontra respaldo na sua atual direção para buscar uma saída para a solução de sua sustentação financeira no longo prazo. Conforme já descrevemos em número anterior de nosso SÍNTESE (https://www.sengerj.org.br/posts/quo-vadis-o-cepel-na-berlinda), a direção do Cepel, de acordo com seus pronunciamentos oficiais, iludida com os “encantos” do mercado, procura um quimérico reposicionamento neste espaço, povoado por fundos abutres e lobbies de empresas, para disputar, não se sabe como, recursos para o financiamento de seus projetos.

Conforme também já explicamos no SÍNTESE anterior, para o Cepel continuar fazendo pesquisa e inovação, é imprescindível que novas fontes de financiamento público venham a se somar a outros aportes financeiros provenientes de ensaios, serviços, desenvolvimento de softwares, consultorias, enfim, até de serviços que ainda não foram criados, para que, no geral, uma sólida sustentação financeira seja criada.

A quixotesca posição assumida pela direção do Cepel tem ainda um lado tenebroso. Na negociação que o Cepel faz do ACT 2022/2023, é nítida a intenção de dar um giro de 180 graus naquilo que os trabalhadores conquistaram em termos de direitos, ao longo de 40 anos de processos negociais. É um autêntico cavalo-de-pau e uma reversão completa das expectativas dos trabalhadores. Fica claro que a obstinação da direção do Cepel em fazer uma negociação em separado do conjunto dos trabalhadores do setor elétrico nacional visava promover o desmonte dos direitos conquistados a duras penas nos últimos anos, com claro objetivo de reduzir drasticamente os custos de pessoal da empresa, um jogo, melhor seria uma operação casada com o pretenso reposicionamento no mercado de energia elétrica.

A falsa ilusão com o mercado pode levar a uma real desilusão do corpo de empregados neste momento muito difícil de ser superado e vivido. De fato, foi o que se observou na última plenária sobre a primeira proposta de ACT apresentada pela empresa. A insatisfação dos empregados ficou patente, agravada pelo fato de esta proposta ser nitidamente pior que a proposta aos empregados das demais empresas do grupo Eletrobras (ainda que haja ressalvas a certas cláusulas desta última, por parte dos trabalhadores e representações das empresas do grupo). Se já não bastassem as possíveis reduções de benefícios que se traduzem em redução indireta da remuneração, causa espanto a proposta de rotatividade de 15% do quadro de empregados, o que significaria a demissão de mais de 40 empregados até abril/maio de 2023. Supondo que essa taxa se mantenha nos próximos anos, em 2025 teremos perdido quase 50% dos atuais efetivos! Na negociação do ACT, argumentou-se que essa alta rotatividade permitiria a “oxigenação” do centro… Porém vemos aqui um potencial apagão da memória técnica desta instituição, pois uma rotatividade tão alta e rápida não permitirá qualquer passagem de experiência e conhecimentos altamente especializados a novos empregados. Conforme a última rodada de negociação, a princípio não há nenhuma correlação direta da taxa de rotatividade com critérios relacionados à aposentadoria (empregados aposentados ou aposentáveis), de modo que empregados de qualquer perfil poderiam ser enquadrados nos 15%…

Ao lado de tudo isso e de forma suplementar ao desmonte de direitos, a alta administração do Cepel trabalha com a possibilidade do desmonte ou da transferência de laboratórios para Adrianópolis, redução do espaço de sua sede no Fundão, e, na pior das hipóteses, até de sua devolução à Prefeitura da UFRJ, uma reedição do que foi feito em Furnas na rua Real Grandeza. Na hipótese de devolução da sede do Fundão, o que restará do Cepel? Tememos que haja um drástico encolhimento e descaracterização do centro, caso haja uma redução significativa da estrutura laboratorial e a sede seja substituída por um escritório que dificilmente ocupará um prédio, mas no máximo alguns andares em um edifício comercial. Isso teria um tremendo impacto na imagem da instituição, bem como em sua capacidade de produção e de voltar a crescer quando da retomada do crescimento econômico. Além da possível redução da infraestrutura, cabe relembrar as críticas infundadas que especialistas do mercado vêm fazendo aos softwares do Cepel, as quais ficaram gritantes na já comentada matéria publicada no Canal Energia (https://www.canalenergia.com.br/especiais/53210758/cepel-comeca-a-trilhar-seu-futuro). O que pode sobrar do Cepel com seus softwares sob ataque intenso e uma eventual redução de sua infraestrutura?  

Não entendemos a aparente pressa da Direção do Cepel em tomar medidas drásticas e potencialmente irreversíveis a poucos meses de uma eleição que tem grandes chances de mudar o cenário político e econômico da nação. Isto porque não vemos falta de recursos para manter o centro em suas condições atuais (pessoal e infraestrutural), pelo menos até o próximo ano. Essa argumentação foi colocada para a empresa no âmbito da negociação do ACT, não tendo havido qualquer argumentação em contrário, exceto que as mudanças propostas nas cláusulas do ACT vigente seguem decisões de gestão da empresa. Vale ressaltar que a Lei 14.182/2021 (privatização da Eletrobras) determina que, no primeiro ano, os aportes da Eletrobras e suas subsidiárias ao Cepel correspondam, no mínimo, ao valor de 2019 corrigido pelo IPCA, o que representa um aumento em relação aos aportes atuais
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Diante de tudo isso, a possibilidade do Cepel ser canibalizado é real. A atual direção do Cepel, envolvida que está com tantos casuísmos, assemelha-se a um feiticeiro que perdeu completamente o poder sobre seus feitiços, que agora se voltam contra o centro, podendo levá-lo à morte.

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