Um grupo de cerca de 80 pessoas, entre metalúrgicos, marítimos, petroleiros, engenheiros, representantes de centrais sindicais e parlamentares, lotou o auditório do Sindicato dos Engenheiros no Estado do Rio de Janeiro (Senge RJ) na última sexta-feira (30) para tratar da retomada da indústria naval no país, e em particular no Rio de Janeiro. A deputada federal Jandira Feghali (PCdoB-RJ) destacou o lançamento da Frente Parlamentar Mista em Defesa da Indústria Naval Brasileira, programada para esta terça-feira (4), em Brasília, às 18h. Ela apontou como prioridade, no Congresso, a revisão da Lei 14.301/2022 (BR do Mar), que abriu o setor de cabotagem do país às empresas estrangeiras, ameaçando a soberania nacional no segmento. As deputadas estaduais Verônica Lima (PT-RJ) e Martha Rocha (PDT-RJ) anunciaram a criação, em breve, de uma Frente Parlamentar em Defesa da Indústria Naval na Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro (Alerj).
“A nossa primeira grande tarefa é rever ou revogar a BR do Mar”, afirmou Jandira (na foto, ao centro). “Essa legislação dificulta muito a retomada da indústria e a colocação dos dois terços de tripulação brasileira nos navios”. Segundo ela, a medida abriu o mercado ao afretamento, para destruir a indústria nacional. A deputada sugeriu que as forças sindicais e demais integrantes do setor reúnam-se com autoridades do Ministério da Indústria e Comércio (MDIC), da Marinha, do BNDES, do Ministério dos Transportes e com o próprio presidente da República. “O presidente Lula tem a compreensão do que significa retomar esse setor e já teve posição protagonista para essa retomada. A indústria naval é decisiva para o Rio de Janeiro, e há uma chance real de reerguer um projeto nacional de industrialização.”
Manifesto e audiência pública na Alerj
A reunião de mobilização no Senge RJ foi promovida pelo Fórum pela Retomada da Indústria Naval e Offshore. O fórum é formado por 15 entidades do setor, que produziram um manifesto propondo medidas de curto prazo para acelerar a reestruturação dessa indústria, com conteúdo local e geração de emprego no país (clique para ler o documento).
Além do enfrentamento da BR do Mar, o texto pede, entre outros itens, investimentos em qualificação e requalificação de profissionais, a criação de grupos de trabalho para elaborar uma nova fase do Programa de Renovação da Frota de Apoio Marítimo à Exploração e Produção (Prorefam) e do Programa de Modernização e Expansão da Frota da Transpetro (Promef), revisão das condições de pagamento dos contratos na Petrobras.
Na avaliação da deputada estadual Martha Rocha (na foto, à dir.), o manifesto do Fórum “é um plano de trabalho de ressurreição da indústria naval e da Marinha Mercante”. A parlamentar, que também é presidente do diretório estadual do PDT no Rio de Janeiro, propôs a convocação, junto com a deputada estadual Verônica Lima (na foto, à esq.), de uma audiência pública na Assembleia Legislativa no Estado do Rio de Janeiro (Alerj) para debatê-lo com a Secretaria Estadual da Energia e Economia do Mar, e a de Desenvolvimento Econômico e com os sindicatos. Também se comprometeu a repercutir o documento junto à bancada dos 18 parlamentares do partido e sugeriu que ele fosse debatido em um dos encontros que são promovidos uma vez por mês na Fundação Leonel Brizola Alberto Pasqualini.
A deputada Verônica Lima (na foto, à esq.), filha de um metalúrgico que trabalhava no estaleiro Mauá, destacou seu “histórico afetivo” com o setor. Ela informou que será formada em breve na Alerj uma Frente Estadual para a indústria naval, que a parlamentar considera “um dos principais sustentáculos da economia” fluminense. Na sua avaliação, o Brasil enfrentou nos últimos anos um projeto deliberado de “destruição da soberania nacional”.
“A retomada não será nada fácil, porque há uma parte do poder econômico, dessa elite subalterna que nós temos, que prefere ganhar dinheiro com juros”, alertou Verônica. “Para garantir a industrialização do país, é preciso ter acesso a crédito e fomento. E como fazer isso com esses juros exorbitantes?”
Mobilização sindical
O presidente do Senge RJ, Olímpio Alves dos Santos (à dir.), ressaltou que a indústria naval é chave para aquecer a economia e melhorar as condições de vida da população do Rio. Um dos problemas mais graves do Estado, o domínio do crime organizado, afirmou o dirigente, é “consequência da falta de emprego, de renda e de trabalho no estado”. Além disso, com o tamanho da costa brasileira e a quantidade de rios do país, “uma indústria naval forte é essencial para a soberania nacional”, acrescentou.
As crises cíclicas do setor não acontecem por acaso, destacou Olímpio, mas refletem os reincidentes ataques do capital internacional à competitividade brasileira, como se viu no caso da Lava Jato. “Cabe a nós fazermos pressão. Se não fizermos, ninguém fará. Espero que mais entidades entrem nessa luta, e também o governo federal – o BNDES, a academia –, para construir um setor naval forte no país e em especial no Rio de Janeiro.”
O presidente da CTB-RJ, Paulo Sérgio Farias, o Paulinho, defendeu um desenvolvimento para o estado do Rio “equilibrado, permanente, inclusivo, com iniciativas estruturantes para a economia, que consigam para os trabalhadores postos garantidos e investimentos seguros”. A reindustrialização do Brasil, disse, passa obrigatoriamente pelo setor naval no Rio de Janeiro. “Vamos colocar nossa bandeira brasileira nos navios construídos no Brasil, e que esses navios tenham trabalhadores brasileiros nos postos de comando, e que a Petrobras volte a ser indutora de desenvolvimento.”
Atualmente, dos 150 navios da Petrobras em operação no país, o presidente do Sindmar e da Confederação dos Marítimos (Conttmaf), Carlos Augusto Müller, calcula que apenas 26 sejam brasileiros. Ele adverte para o risco de desnacionalização dos transportes no país, já que a maior parte das construtoras de navios hoje é europeia, ganhando espaço também nos controle dos portos e chegando agora ao mercado de caminhões.
Requalificação profissional
Uma das reivindicações feitas pelo Fórum em Defesa da Retomada da Indústria Naval e Offshore, a qualificação dos profissionais do setor foi tema de reunião realizada na semana passada com representantes do MDIC, do sistema Sesi/Senac, da Petrobras, Transpetro, Abimaq, e Sinaval, contou Edson Rocha, presidente do Sindicato dos Metalúrgicos de Niterói e da Confederação Nacional de Metalúrgicos da CUT, que esteve no encontro.
“Já estão desenvolvendo um plano de trabalho e uma grade curricular”, afirmou Edson. Nas próximas semanas, diz ele, será mapeada a demanda de navios da Petrobras e da Transpetro para quantificar o número de trabalhadores e trabalhadoras a serem atendidos pelo programa. O dirigente estima que, a partir dessa demanda, cerca de 30% são jovens que devem precisar de qualificação, e entre 50% a 70% de requalificação – atualização das tecnologias construtivas do segmento.
O dirigente da CNM/CUT acredita que as iniciativas estão avançando. E cita as frentes parlamentares já instaladas nas assembleias estaduais de Pernambuco e do Rio Grande do Sul, além da federal, prevista para esta semana, e a do Rio, em fase de preparação. Nesse processo de retomada, Edson enfatizou a relevância do papel dos trabalhadores. “Estamos reivindicando o protagonismo dos trabalhadores, porque foi por iniciativa deles que estamos nos reunindo. Vamos somar e vencer. Não só no Rio, mas no Brasil inteiro.”
O evento teve a presença de integrantes da Federação Única de Petroleiros (FUP), do Senai, da Alerj, do Projeto Emerge, do Sindicato dos Rodoviários de Niterói, do Sintronac, do Sindipetro, entre outros, além do presidente do CRT-RJ, Gilberto Palmares. Enviaram representantes ao evento os deputados federais Reimont (PT-RJ), Lindbergh Farias (PT-RJ), Bandeira de Mello (PSB-RJ), a deputada estadual Dani Balbi (PCdoB-RJ).
Fotos: Claudionor Santana (Verônica Lima, Martha Rocha e Olímpio Alves dos Santos) e Ricardo Calazans (Jandira Feghali)