O Clube de Engenharia, uma das mais tradicionais entidades do setor no país, está coordenando um movimento, apoiado por outras instituições ligadas à construção e consultoria, para evitar o que considera ser uma ameaça de “desmanche” da atividade. “Em diferentes órgãos da administração pública federal, as obras [públicas] estão sendo paralisadas ou submetidas a atrasos [de pagamentos] injustificáveis”, disse Pedro Celestino, presidente do Clube de Engenharia, com sede no Rio.
A partir desta semana, o clube e outras entidades vinculadas à engenharia pretendem levar ao governo, a começar pela Casa Civil, documento com propostas para encaminhar uma solução para a situação da engenharia brasileira, que gera cerca de um milhão de empregos. Um dos pontos do documento é a regularização de pagamentos em atraso de obras e serviços já executados.
“Esses atrasos estão levando milhares de empresas à asfixia financeira”, disse Celestino. Ele citou o caso do Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (Dnit), autarquia vinculada ao Ministério dos Transportes. “O Dnit está com atraso médio de sete meses de pagamento de faturas de serviços realizados. Há 20 anos isso não ocorre, porque a Lei de Responsabilidade Fiscal [LRF] estabeleceu que só se contrata se tiver recurso garantido no orçamento. Estabelecemos cultura de pagar em dia, cultura que este ano está sendo subvertida”, afirmou Celestino.
Em nota, o Ministério dos Transportes disse que o atraso médio de pagamento no Dnit é de três meses. “O Dnit está com média mensal de pagamento de R$ 603,9 milhões/mês este ano, porque já pagou de janeiro a setembro R$ 5.434,4 milhões de empreendimentos do PAC [Programa de Aceleração do Crescimento], onde estão concentradas as obras. De fato, houve redução geral dos limites de pagamento para todos os órgãos do governo federal, inclusive o Ministério dos Transportes, em função do ajuste orçamentário. Mas o ministério vem trabalhando junto ao Ministério da Fazenda, Planejamento e Casa Civil para que em breve esse quadro seja revertido”, afirma a nota.
Para Celestino, o problema da engenharia é resultado do ajuste fiscal. “É a visão do tesoureiro, a visão de não pagar, não paga nem o que está contratado.” Citou o caso de Angra 3. No fim de setembro, a Eletrobras divulgou comunicado ao mercado informando que a subsidiária Eletronuclear decidiu suspender por 90 dias, podendo estender o prazo para até 120 dias, o contrato firmado com a construtora Andrade Gutierrez para a execução das obras civis de Angra 3.
O comunicado disse tratar-se de medida temporária justificada diante de “situação excepcional”. Como publicado pelo Valor, a Eletronuclear enviou carta à construtora indicando a “necessidade de promover a readequação dos recursos financeiros necessários ao prosseguimento da obra da usina de Angra 3”. “Foi um problema financeiro [que parou Angra 3]”, disse Celestino.
A proposta da engenharia, além de tratar da questão nos atrasos nos pagamentos, foca em outros pontos. Um deles é a retomada de obras prioritárias. A visão é que não se justifica parar obras em estágio avançado de construção. “O prejuízo da paralisação é muito maior que o ganho eventual que possa existir com a reavaliação do orçamento.” Citou o exemplo do Complexo Petroquímico do Rio de Janeiro (Comperj). “É um empreendimento que chegou a um nível de gasto que é melhor conclui-lo.”
O documento cita a necessidade de estimular a criação de um banco de projetos de engenharia. Um projeto de engenharia bem feito consome entre 3% e 5% do valor total de uma obra e permite preparar o terreno para a retomada dos investimentos. A engenharia também defende a regulamentação de acordos de leniência ou termos de ajuste de conduta.