A direita saiu do armário. O ano de 2015 viu o conservadorismo se fortalecer, perder a vergonha e assumir de forma destemida sua pauta reacionária em política, concentradora em economia e regressiva em direitos humanos. Foi um período marcado pela emergência de lideranças representativas do atraso social e da defesa da escalada financeira da economia mundial, com reflexos perigosos no âmbito do trabalho e dos direitos das minorias.
Os sinais de vitalidade da direita estão presentes em diversos campos. Na imprensa, na articulada defesa do modelo ultraliberal, que gerou uma onda de pensamento único. Mas, sobretudo, pela capacidade de desarticular qualquer proposta realmente importante de reversão do atual modelo, que privatiza um bem público em nome de interesses econômicos e ideológicos. Até mesmo a regulamentação do direito de resposta é lida como intervenção sobre a liberdade, e não como uma convocação à responsabilidade. Temos hoje a pior imprensa que o dinheiro pode comprar.
A direita, ainda no campo ideológico, parece cantar vitória com sua forma de reescrever a história da América Latina. Em sua nova versão das veias abertas da região, comemoram as derrotas de governos populares na Argentina e na Venezuela, deixando antever uma onda de retomada do ideário liberal e entreguista que definiu o subcontinente por séculos. Inclusive no Brasil. A incapacidade de aceitar as transformações se ancora numa cegueira aos dados reais de distribuição de renda e melhoria das condições de vida da maioria das pessoas. Há, ao mesmo tempo, uma tentativa de reversão do eixo internacional, em benefício do Norte, com tudo o que isso indica em subserviência, entrega do patrimônio público e submissão ao receituário das instituições financeiras internacionais.
A direita também mostrou sua cara na forte capacidade de reação às alternativas ao sumário recessivo imposto como regra de ouro pelos EUA e países ricos da Europa às nações que ousaram colocar a vida em primeiro lugar. A situação da Grécia foi exemplar. Depois de conquistar democraticamente o poder e recusar as políticas de austeridade que vinham sangrando a dignidade de seu povo, apresentando propostas viáveis de retomada do crescimento e do emprego, o país foi rendido política e economicamente pelo garrote da União Europeia e de organismos internacionais. Não é um acaso que a chanceler Angela Merkel, condutora do processo e porta-voz da sentença, receba da imprensa internacional o título de personagem do ano.
Ainda na área internacional, o mundo acompanhou a escalada de intolerância com os refugiados, tratados como gado imprestável, vítima de guerras alimentadas muitas vezes pelos próprios países que lhes fecham as portas. A onda de preconceitos e as políticas de segregação levaram milhares à morte, acenderam o pavio do terrorismo e criaram o terreno ideal para o florescimento do ódio, que hoje puxa para a dianteira os partidos de direita em vários países europeus. O que surge como uma ameaça anti-humanista pode se consagrar como uma realidade política marcadamente fascista.
A direita mostrou ainda sua cara no Brasil em vários episódios referentes aos direitos humanos. Acompanhamos jornadas hediondas de preconceito de toda ordem. Os conservadores deixaram suas casas e púlpitos para tecer regras para todos os brasileiros, disputando e ganhando muitas vezes postos importantes em comissões no legislativo. Invadiram ainda a seara do atendimento aos dependentes químicos e fecham o ano conquistando espaço estratégico no Ministério da Saúde para retomada do pensamento conservador em políticas de saúde mental.
A lista poderia se estender para o campo econômico, com a ameaça ao patrimônio das empresas públicas, o descaso com o meio ambiente e as continuadas tentativas de flexibilização de direitos trabalhistas. Defendeu-se ainda a política de juros que beneficia o capital financeiro, o ajuste fiscal feito às custas dos trabalhadores e a ausência de reformas substantivas no campo e no modelo de produção agrícola. Uma relação interminável, que é balizada ainda pelo sistema de tributação regressivo e concentrador de renda.
Na área política, a direita sai fortalecida pelo peemedebismo estrutural da democracia de coalizão, que entrega o ouro aos bandidos, fica sem o ouro e precisa aceitar a presença de bandidos por perto.
No momento em que o pesadelo do golpe parece caminhar para a reta final, com o esvaziamento do apoio construído criminosamente pela mídia e o derretimento dos motivos jurídicos, é preciso entender que a direita, hoje, mesmo derrotada, tem projeto. A esquerda parece ter deixado o momento de retomar sua vocação histórica para depois, não se sabe do quê. Está na hora de avançar em direção ao povo, aos movimentos sociais, ao pensamento libertário, à distribuição de renda, às reformas de base, à regulação responsável da mídia, à defesa do patrimônio público, ao primado da vida sobre a produção, às políticas participativas de fato, ao realinhamento com as democracias populares ao Sul.
Está na hora da esquerda sair do armário.