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Fonte: Camila Marins/Fisenge
Depois de mais de um ano de estudos e análises, foram lançadas as publicações “Juros e dívida pública no Brasil: mitos e verdades”, de Fabiano Dalto, Júlia Hermes Schlittler e Valter Fanini, e “O mercado de trabalho e a formação dos engenheiros no Brasil”, de autoria do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese). Ambas as obras tiveram patrocínio da Mútua, do Sindicato dos Engenheiros no Estado do Paraná e da Fisenge. Os estudos revelam os efeitos da estagnação econômica do Brasil, a partir de 2015, sobre a empregabilidade dos engenheiros. Neste período, 325 mil pessoas concluíram os cursos de engenharia e somente 146 mil efetuaram seus registros profissionais no Sistema Confea/Crea’s. Isso significa que 179 mil novos engenheiros sequer fizeram o registro em sua entidade de classe, portanto não se habilitaram ao exercício legal da profissão.
A ocupação total de engenheiros começou a cair em 2016, após atingir o maior patamar em 2015 (504 mil engenheiros). Em 2017, este número declinou para 455 mil engenheiros, uma redução de 49 mil engenheiros ocupados. Se somarmos este número aos 325 mil engenheiros formados no período, teremos um número de 374 mil engenheiros desocupados por não conseguirem uma primeira oportunidade de trabalho ou por terem perdido a ocupação que desempenhavam. Os empregos formais da engenharia (com carteira assinada), que chegaram a 262 mil vínculos em 2014, caíram para 225 mil vínculos no ano de 2017, uma redução de 37 mil vínculos.
Os indicadores revelaram, ainda, que dois importantes setores empregadores de engenheiros foram fortemente impactados pelo contexto econômico e político: a indústria de transformação e a construção civil, que cresceram em quase todos os anos entre 2002 e 2013, mas amargaram fortes quedas a partir de 2014. Pouco mais da metade dos engenheiros ocupados são empregados no setor privado, sendo que a quase totalidade possui carteira de trabalho assinada. Além disso, 18,9% estavam empregados no setor público e 17,1% trabalhavam por conta própria.
O desempenho dos indicadores da formação em engenharia é ainda mais expressivo do que o relativo aos indicadores da ocupação. No cômputo geral do período 2009-2017, o número de cursos cresceu mais do que o número de instituições ofertantes (125,2% e 102,8%, respectivamente), atingindo 4.799 cursos de engenharia e 1.000 instituições no Brasil, em 2017.
Neste ano, 315.627 pessoas ingressaram, enquanto apenas 124.777 concluíram os cursos, resultado de um crescimento de 97,1% no número de ingressantes e de 183,8% no de concluintes, desde 2009. O comportamento dos ingressantes se alterou significativamente, quando se analisam os dados por subperíodos. Enquanto o número de ingressantes cresceu a altas taxas, entre 2009 e 2014, a partir de então passou a cair sistematicamente, revelando que a procura pela formação nessa profissão passou por uma inflexão, em consonância com a deterioração das perspectivas profissionais no mercado de trabalho desse segmento.
Como apresentado nos estudos, o excedente de profissionais de engenharia em relação à capacidade da economia de absorvê-los tem contribuído para a queda do rendimento médio dos ocupados na engenharia desde 2012 e da remuneração média dos vínculos formais desde 2014. O crescimento da remuneração média dos vínculos formais de engenharia em patamar inferior ao do total de vínculos desde 2003 é um indício de que não houve escassez de profissionais de engenharia nem no período de maior dinamismo econômico. Neste sentido, o estudo comprovou que estavam certas as entidades sindicais de engenharia ao se contraporem ao discurso das entidades patronais de que havia um apagão na oferta de engenheiros no mercado.
Com o objetivo explicar a relação entre economia e o emprego para os engenheiros, a Fisenge entrevistou o engenheiro civil, secretário-geral da Fisenge e mestre em Desenvolvimento Econômico pela UFPR (Universidade Federal do Paraná), Valter Fanini, que foi o coordenador dos dois trabalhos pelo Senge-PR.
Na publicação, muitos dados sobre a relação de emprego e desemprego na engenharia são influenciados pela economia. Qual é a influência?
Em uma sociedade capitalista, o valor é estabelecido muito mais pela escassez do que pela importância do serviço ou bem de consumo. Assistimos, nos últimos anos, a um descompasso entre a formação, a abertura de muitos cursos de engenharia e a redução da demanda. A economia está empregando muito menos engenheiros, porque está estagnada e com baixo nível de desenvolvimento tecnológico. Ainda somos uma economia de commodities e serviços.
Mais do que apresentar dados numéricos sobre os empregos e os salários dos engenheiros, o objetivo dos estudos é permitir o entendimento dos fatos econômicos que são as causas do desemprego e da redução dos salários dos engenheiros. É importante perceber que a luta pela empregabilidade dos engenheiros e por melhorias nas condições de trabalho e salários vai além do confronto com os empregadores nas mesas de negociações dos acordos e convenções coletivas de trabalho. É necessário o engajamento dos trabalhadores engenheiros no debate referente às políticas públicas que influenciam o processo econômico. E estas vão além daquelas que têm vínculos diretos com a intervenção do Estado na economia, como a política fiscal e monetária. As leis trabalhista e previdenciária influenciam a economia de um país tanto quanto uma política de inovação tecnológica tocada pelo Estado.
Nessa perspectiva econômica, qual o cenário para a engenharia nacional?
Sempre tivemos engenheiros em número suficiente para sustentar o crescimento econômico brasileiro. Nós nunca tivemos um apagão na oferta de engenheiros no Brasil, como propagavam as entidades patronais. A Fisenge e os sindicatos de engenheiros filiados sempre se opuseram a este discurso, mesmo na época de crescimento mais acentuado, entre 2002 e 2014. O que existiu foi uma escassez pontual e por curto período em alguns setores, como a engenharia naval e de petróleo; e até na própria construção civil, que teve um forte crescimento de investimento em infraestrutura e moradia.
O parque industrial brasileiro vem diminuindo a sua participação na economia e nós estamos nos tornando cada vez mais uma economia de serviços de baixa remuneração e que exclui a engenharia. Os empregos dos engenheiros estão muito mais vinculados ao investimento e à formação do capital do que as outras profissões. O investimento pode vir dos governos nos setores de infraestrutura, habitação, meio ambiente; ou do setor privado, pela ampliação dos capitais ligados à oferta de bens de consumo. No entanto, todas as políticas dos dois últimos governos não corroboram com o aumento do orçamento público em investimentos ou com o aumento do consumo por meio do aumento da renda dos trabalhadores. Ou seja, o governo não está atuando de forma anticíclica, mas sim aprofundando a crise econômica.
Além do crescimento econômico, o perfil da economia é determinante na formação da renda dos trabalhadores de forma geral, e dos engenheiros em especial. É comum ouvirmos comparações sobre a relação entre o número de engenheiros e a população de países como Coreia, Japão, Alemanha e China, afirmando que o Brasil deveria atingir o índice coreano de engenheiros formados para o desenvolvimento econômico. Para isso ser verdadeiro, o perfil da economia precisaria chegar próximo ao coreano, que é massivo e intensivo em aplicação de engenharia. Do contrário, o resultado será muitos engenheiros com salários reduzidos e a maioria desempregados.
Qual a relação entre a indústria 4.0, o uso da tecnologia e o emprego dos engenheiros?
A Indústria 4.0 é da alta tecnologia e automação. Ela é muito mais intensiva em capital do que em mão de obra. Isso quer dizer que é mais empregadora na formação do capital e menos empregadora na produção. Onde hoje temos 20 montadores, poderemos ter um técnico especializado operando um computador que fará o trabalho automatizado de 20 operários. Isso é socialmente desequilibrado, porque você empregaria um técnico especializado e desempregaria 20 outros de menor formação, que estão hoje na operação manual. A compensação poderia existir se a tecnologia e os equipamentos fossem produzidos no Brasil. Nós temos que dominar o ciclo completo do processo de produção de bens de consumo, da ciência à tecnologia chegando à produção, ou seja, produzir com tecnologia própria para o abastecimento do mercado interno, criando um excedente exportável em manufaturas.
O cenário de desemprego na engenharia é alto, assim como as perdas dos postos de trabalho no Brasil. Quais as perspectivas para os profissionais?
O crescimento econômico parou, mas continuamos formando tantos engenheiros como antes. Praticamente todos os engenheiros formados nos últimos quatro anos estão desempregados, porque o número de postos de trabalho diminuiu nesse período com a recessão econômica. Ou seja, enquanto não tivermos desenvolvimento econômico e mudança no perfil da nossa economia, não haverá ampliação dos postos de trabalho e, consequentemente, mais engenheiros desempregados ou com desvio de função.
Temos que lutar por uma economia maior, mais diversificada e com melhores padrões tecnológicos. Estas publicações – da dívida pública e do mercado de trabalho – têm o objetivo de revelar a trajetória recente da economia. Não adianta olharmos somente para os resultados. Temos que entender as causas que estão desempregando os engenheiros e saber que uma política que retira dinheiro do trabalhador, dos aposentados, da proteção da infância, por exemplo, contribui para a estagnação econômica e também afeta o emprego dos engenheiros, que são os primeiros atingidos.
Se observarmos a curva salarial de diferentes categorias de trabalhadores, percebemos que o salário dos engenheiros caiu mais do que outras profissões de nível superior. Nós somos muito mais afetados pela recessão do que outras profissões. Portanto, não podemos ter a economia como uma matéria independente dos nossos interesses. Temos que estar atentos às políticas bancárias, à atuação do Banco Central e do Ministério da Economia, ou mesmo, se o acordo do Mercosul com a União Europeia é importante para o país ou não. Se a economia é um termômetro de emprego para a engenharia, precisamos nos situar nesse processo e estarmos atentos às políticas do governo federal.
Alguns dos argumentos para aprovar tanto a Reforma da Previdência, quanto a Emenda Constitucional 95, foi o pagamento da dívida pública. Qual é o mito dessa narrativa?
Só nos últimos dez anos, nós pagamos três trilhões de reais em juros, remunerando os títulos públicos com taxas que não existem em outro lugar do mundo. Imagine que tivéssemos investido metade desses recursos em infraestrutura e habitação nas cidades brasileiras, em educação e no desenvolvimento tecnológico do nosso país. Certamente, estaríamos vivendo outra realidade econômica. Da forma como fizemos aumentamos a dívida pública sem aumentar os meios de pagamento, tiramos recursos do orçamento público e transferimos para quem tem dinheiro em aplicação financeira, concentrando ainda mais a riqueza no país. Estamos falando de uma reforma da previdência que retira muitos direitos do trabalhador e amplia seu tempo laboral, com o objetivo de economizar 1 trilhão de reais em 10 anos, quando em igual período transferimos 3 trilhões para pagar juros de uma dívida que, em termos reais, não foi feita em benefício da sociedade brasileira. Este montante, que poderia ser investido em saúde, educação, infraestrutura, na proteção da velhice ou da infância, foi transferido para rentistas.
Em nossa publicação, demonstramos que nenhuma das causas propagadas pela mídia e pelo Banco Central tem correlação direta com o volume de juros pagos pelo governo brasileiro.
Se não houvesse essa trama destinada a alimentar o rentismo no Brasil, certamente teríamos maiores investimentos no setor produtivo, na industrialização, nos novos setores do desenvolvimento tecnológico, na infraestrutura e, consequentemente, teríamos mais empregos para os engenheiros.
Alguns países, como Grécia e Equador, fizeram uma auditoria da dívida, conseguindo reduzir esse valor. Essa é uma proposta viável no caso do Brasil? Qual seria uma proposta para enfrentar a dívida pública?
A dívida pública brasileira tem uma formação muito clara: a aplicação de taxas de juros elevadíssimas sobre uma dívida inicial de cerca de 60 bilhões de reais no ano de 1994. É como se tivéssemos feito uma dívida no cheque especial e, apesar de termos pago o valor inicial várias vezes, a dívida só aumenta. Não é uma dívida contratual, ou seja, nós não firmamos contratos com bancos, pegamos o dinheiro, gastamos e após isto pagamos juros sobre esses contratos. A dívida pública brasileira é quase que exclusivamente formada por títulos públicos, que é chamada de dívida pública mobiliária. Esses títulos são todos controlados pelo Banco Central. A atual dívida pública brasileira foi formada pelo sequenciamento de juros sobre juros que formou uma progressão geométrica sobre uma base relativamente pequena, mas com um fator de progressão (juros) extremamente elevado.
O que nosso estudo demonstra é que as decisões sobre as taxas de juros básicas da economia sempre estiveram mais sujeitas às pressões dos grupos econômicos detentores dos títulos públicos do que da política fiscal e monetária do governo. E que, uma vez esgotada a possibilidade da manutenção de elevadas taxas de juros sobre os títulos públicos devido à queda de receita do governo federal, os atores do mercado financeiros tentam reequilibrar o jogo atacando a política fiscal e a formação do orçamento público. Para isto, a ordem é reduzir toda sorte de gastos públicos. Já conquistaram a Emenda Constitucional 95/2016, que congelou o valor dos gastos públicos; a Reforma da Previdência, que reduz a transferência de renda para os idosos; e ainda colocaram em pauta a Reforma Administrativa, para a redução salarial dos funcionários públicos.
A estratégia do mercado financeiro de reduzir os gastos públicos para formar novamente um superávit nas contas do governo e, futuramente, aumentar as taxas de juros, tem pouca ou nenhuma chance de sucesso. Isso porque todas essas políticas têm um caráter contracionista na economia ao reduzir a demanda agregada em curto e longo prazos e, por consequência, reduzir a possibilidade da retomada dos investimentos públicos e privados.