FONTE: FISENGE
“Não é por R$0,20. A luta é por direitos”, este foi o mote das manifestações que mobilizaram o povo brasileiro em junho. E o fio condutor da palestra “A atual conjuntura e a mobilidade urbana no Brasil”, promovida pela Federação Interestadual de Sindicatos de Engenheiros (Fisenge) e o Sindicato dos Engenheiros no Estado do Paraná (Senge-PR), neste sábado (30/11), em Curitiba. A atividade, conduzida pelo secretário-geral da Fisenge, Clovis Nascimento, contou com a participação do engenheiro civil Valter Fanini, também diretor da Fisenge e do Senge-PR e ex-coordenador das áreas de transporte e sistema viário da Coordenação da Região Metropolitana de Curitiba; José Carlos Xavier, ex-secretário de transporte e mobilidade urbana do Ministério das Cidades e de Rômulo Dante Orrico, professor de pós-graduação em Engenharia de transporte da COPPE da Universidade do Rio de Janeiro e Subsecretário de Transportes da cidade do Rio de Janeiro.
Historicamente, as sociedades são movidas por crises. Recentemente, a crise econômica mundial e agora a inevitável crise de mobilidade urbana. “A crise começa com o processo migratório do campo para as cidades e o descompasso entre expansão urbana e investimentos públicos, permeados pela lógica do parcelamento e do mercado de terras”, explicou Fanini, que fez uma reconstrução histórica da formação do tecido urbano. Ainda de acordo com Fanini, até a década de 1980, havia uma estruturação de Política Nacional de Mobilidade Urbana, embora conduzida pela tecnocracia. “Entre 1970 e 1982, a sociedade encara o choque do petróleo e o consequente aumento do custo do transporte, desmontando a lógica de investimentos públicos. Nesse momento, a crise toma contornos dramáticos”, afirmou. Nesse momento, a isenção da União provoca um enorme vácuo, caracterizando uma política de transporte para internalizar o dólar, por meio de empréstimos internacionais. A ausência da União, mesmo em tempos atuais, foi um dos destaques da fala do engenheiro José Carlos Xavier.
“Quando assumimos o Ministério das Cidades, durante o governo Lula, havia lógica da isenção da União pela responsabilidade municipal. Essa lógica é muito ruim, haja vista que é a esfera municipal detém menos verbas. É preciso que os municípios implantem seu Plano Municipal de Mobilidade Urbana”, destacou Xavier.
“A lógica da crise atual é o espaço viário. O sonho de cada trabalhador, hoje, é ter um carro e não há solução para a mobilidade no Brasil pelo carro, uma vez que os espaços viários são escassos”, provocou Fanini. Nos últimos anos, algumas medidas têm favorecido a compra de automóveis, como a isenção do Imposto Sobre Propriedades de Veículos Automotores (IPVA). “Temos que parar esse processo histórico de subsídio de automóvel e promover uma racionalização do transporte individual, como a implantação de pedágios, por exemplo”, pontuou Xavier.
Já o professor Rômulo Dante iniciou sua palestra com um exemplo de mobilização popular em Salvador. De acordo com Dante, em 1981, com o anúncio de aumento de 60% da tarifa de ônibus, a população queimou 3/4 da frota. “Com esse fato histórico, remontamos as manifestações de hoje. A luta nunca foi apenas por R$0,20, e sim por direitos e, principalmente, por respeito, por um transporte cidadão. Usuários lidam com viagens longas, que poderiam ser curtas, em transportes desconfortáveis. A luta é em favor de uma mudança radical do sistema de transporte público brasileiro”, destacou Dante, que ainda apontou uma série de contradições no sistema tarifária. Segundo ele, o nível de estrutura tarifária tem a ver com inclusão social. “Em primeiro lugar, tarifa não é custo, é receita. Há várias contradições nessa conta: o custo unitário deveria diminuir com a idade do ônibus; há sempre uma supertarifação retroalimentada, principalmente na lógica custo capital x custo manutenção, ou seja, as melhorias tecnológicas aumentam o custo unitário. Outro ponto escandaloso é o processo licitatório no Brasil com prazos de concessão acima de 15 anos”, questionou. Fanini também tocou neste ponto e lembrou da lei das concessões de 1995. “Os processos licitatórios no país são uma farsa. São mais de 20 e 30 anos de contrato fixo extorsivo ao povo brasileiro. Há que se destacar que o transporte público, historicamente no Brasil, sempre foi privado, concessionado por meio de contratos extremamente precários da iniciativa privada”, afirmou.
Um elemento central nesse debate é a gratuidade. De acordo com José Carlos Xavier a gratuidade sem fonte de custeio externa onera o usuário. “Os gestores precisam divulgar os impactos no valor da tarifa. Outro ponto é a outorga onerosa é o recurso do poder público incorporado em licitações que transfere valores aos usuários que acabam arcando com melhorias no sistema e isso é um erro”, avaliou.
Desafios
Um dos grandes desafios colocados em debate é a transparência, uma vez que o sistema de transporte representa uma verdadeira caixa preta na sociedade. “Urge o fortalecimento de instrumentos de controle social, como o portal Transparência. É preciso um choque de transporte público para dar fim às cidades pretas, pratas e cinzas engarrafadas nas cores de seus carros”, concluiu Dante.
Ao final, o presidente da Fisenge, Carlos Roberto BIttencourt, destacou a importância de mobilidade urbana no país. “Este tema ganhou força nas ruas e entrou definitivamente na agenda política da sociedade. É fundamental efetivarmos um projeto de mobilidade urbana de acordo com o interesse público, e não do mercado. Mobilidade urbana será um dos temas do nosso 10º Congresso Nacional de Sindicatos de Engneheiros, que acontecerá em Buzíos, em 2014″, convocou Bittencourt.