Via Brasil de Fato
“Batalha da soberania energética não termina nunca, é permanente”, afirma João Antônio de Moraes, dirigente petroleiro
Após a conclusão, pela Câmara dos Deputados, da votação do projeto de Lei 4567/16, que aprovou na última quarta-feira (9) definitivamente as mudanças na Lei de Partilha, o Brasil sofrerá prejuízos praticamente incalculáveis. Tanto em estimativas numéricas, relativas a prejuízos financeiros e econômicos, como em avaliações menos objetivas, já que a recusa do país em destinar recursos do pré-sal a saúde e educação vai deixar um rastro de destruição impossível de medir.
Segundo o diretor de Relações Internacionais e de Movimentos Sociais da Federação Única dos Petroleiros (FUP), João Antônio de Moraes, o valor que deixará de ir para saúde e educação pode chegar a R$ 50 bilhões, só considerando a área de Libra, da qual a Petrobras controla hoje 40% – os outros 60% são da anglo-holandesa Shell (20%), da francesa Total (20%) e de grupos chineses (20%).
Como pré-sal é avaliado em mais de dez vezes a área de Libra, diz o dirigente, o cálculo é o seguinte: “Pode-se estimar em 600 bilhões, em termos de pré-sal como um todo, podendo chegar a 1 trilhão de reais, só o prejuízo em saúde e educação. Fora todo o resto”.
Moraes falou à RBA após a votação do projeto originário do Senado, de autoria do senador licenciado José Serra (PSDB-SP), que retira da Petrobras a condição de operadora exclusiva na exploração da camada do pré-sal. O texto segue agora para sanção presidencial.
Para Moraes, Serra “tem que ser responsabilizado pelo povo brasileiro como um todo”. “Ele foi flagrado na campanha presidencial (em 2009) quando se comprometeu a entregar o petróleo do pré-sal, e entregou mesmo”, diz. Segundo o site WikiLeaks, o atual ministro das Relações Exteriores prometeu à petroleira Chevron, em 2009, que o marco de exploração do petróleo seria alterado, se ele ganhasse as eleições de 2010.
Mal a lei foi aprovada, o presidente mundial da Shell, Ben van Beurden, declarou no Brasil que a nova realidade “torna o mercado ainda mais atraente para a Shell”. Segundo ele, a multinacional quer “operar no Brasil tendo a Petrobras como parceiro estratégico”. A declaração foi dada hoje (10), “após reunião no Palácio do Planalto em que se discutiu o investimento de US$ 10 bilhões da empresa no Brasil”, segundo o jornal Valor.
Quanto dinheiro o país poderá perder, em benefício das exploradoras internacionais, após a lei entrar em vigor?
A mudança se dá em toda a área de pré-sal e, por exemplo, a única área do regime de partilha que foi feito leilão é Libra. Libra foi estimado em 15 bilhões de barris de petróleo. Essa área, que corresponde à mudança (da lei), pode ser de 170 a 300 bilhões de barris. O pré-sal é estimado, portanto, em mais de dez vezes Libra. Nós estimamos que, se essa mudança já tivesse ocorrido com Libra, significaria 50 bilhões de reais em saúde e educação. Como não é nenhum exagero estimar o pré-sal em bem mais de dez vezes Libra, você pode falar em dez vezes isso. Só em função dos custos operacionais, que as multinacionais já anunciaram que vai ser bem mais caro do que da Petrobras, significaria 500 bilhões. Isso pode aumentar muito se levar em consideração outros prejuízos.
Por exemplo?
Por exemplo, a falta de aplicação do conteúdo local. O fato de as empresas estrangeiras não comprarem no país. Significa que vai deixar de girar em nossa economia.
Quem serão os principais prejudicados com a entrega do pré-sal?
Primeiro prejuízo é da soberania energética do Brasil. O petróleo é um bem do país. Quando você permite que empresas estrangeiras passem a controlar essa riqueza você coloca em risco a sua soberania energética. Isto é, você vai mandar petróleo para fora ao invés de mandar para dentro do país. O segundo grande prejuízo é o conteúdo nacional. As empresas estrangeiras compram os insumos nas suas nações de origem, e não onde atuam. A Petrobras efetua suas compras dentro do Brasil; as estrangeiras, fora do país, principalmente em seus países de origem. Isso significa um grave prejuízo à economia nacional, às empresas nacionais, que deixarão de vender para a indústria do petróleo.
Consequentemente, o prejuízo recai sobre o povo, o trabalhador, a educação…
Vamos lá. Terceiro prejuízo: os royalties para saúde e educação. As empresas estrangeiras têm um custo de operação cerca do dobro da Petrobras. Elas produzem no pré-sal a 7 ou 8 dólares o barril e as estrangeiras já anunciaram que não produzirão por menos do que 15. Esse dinheiro vai sair do que iria para saúde e educação. São 50 bilhões de reais só da área de Libra. E podemos estimar em 600 bilhões, em termos de pré-sal como um todo, podendo chegar a 1 trilhão de reais, só em saúde e educação. Fora todo o resto.. Quarto prejuízo: os trabalhadores, porque as empresas estrangeiras também operam com piores condições para o trabalhador. E quando falo em trabalhador, pode incluir a questão ambiental, porque elas operam em condições de trabalho piores, e assim colocam mais em risco o meio ambiente.
Há como falar em campos de exploração que seriam os mais desejados pelas petroleiras multinacionais?
Toda a área do pré-sal desperta muita cobiça internacional. Porque tradicionalmente, na indústria do petróleo, a cada quatro poços que se furam, se encontra petróleo em um. No pré-sal, nós já perfuramos cerca de 60 poços, e desses os poços secos, os que você perfura e não encontra nada, estão na casa de seis poços. Pode-se dizer que o petróleo do pré-sal não é a ser buscado, é petróleo encontrado. A margem de risco é muito pequena.
Um negócio de ganho certo…
Ganho certo, exatamente. Quando o governo vai lá fora anunciar essas mudanças ele fala: “É um grande negócio, não se terá mais oportunidade como essa”. É um grande negócio entregar o que é nosso.
Qual o papel das petroleiras internacionais em todo o processo? Elas estão saqueando o Brasil?
Eu acho que a culpa não é delas, não. A culpa é do governo e do Congresso que aprovou essas mudanças. As empresas estão no negócio delas.
Ou seja, os norte-americanos e estrangeiros cuidam do interesse deles, nós é que não cuidamos dos nossos.
Exatamente. É grave quem deveria defender o interesse do país atuar para entregar.
Algumas pessoas defendem que o senador José Serra poderá ser responsabilizado por crime de lesa-pátria no futuro. Qual sua opinião sobre isso?
Ele tem que ser responsabilizado pelo povo brasileiro como um todo, porque nesse caso é deslavado. Ele foi flagrado na campanha presidencial (em 2009) quando se comprometeu a entregar o petróleo do pré-sal, e entregou mesmo.
Futuramente, um governo progressista no país poderia resgatar o pré-sal ou o que for vendido na atual conjuntura, como Cristina Kirchner fez com a YPF na Argentina?
Acho que sim. Essa batalha da soberania energética não termina nunca, é permanente. Por exemplo, agora tiraram da Petrobras a condição de operadora exclusiva. Já tem projetos no Congresso que buscam voltar ao modelo de concessão. Se lá na frente se conseguir uma correlação de forças, tem que ser cobrada a responsabilidade de quem fez esses crimes.
Essa luta tem um aspecto do bem em si, do recurso natural do petróleo, e tem o aspecto da capacidade tecnológica e econômica de explorar esse bem. Esse governo está atacando o país nesses dois fronts. Por um lado, ele entrega o pré-sal com essa mudança na lei, e por outro promove o desmonte da Petrobras. Isso significa que, se nós permitirmos que esse desmonte vá até o final, mesmo retomando o recurso natural amanhã, teremos dificuldade por não termos mais a empresa estruturada para explorar esse recurso. É o que vive a Argentina hoje. Porque na Argentina a YPF foi privatizada e, apesar da Cristina Kirchner ter buscado renacionalizar e criar a empresa novamente, eles não estão tendo capacidade econômica e tecnológica para recriar a Petrobras deles.
Ou seja, é muito mais grave do que parece
É muito mais grave do que parece. Porque você precisa ter o recurso natural , mas também precisa ter o conhecimento, a tecnologia. O Brasil tem os dois. E o governo Temer está entregando os dois. Entrega o pré-sal quando muda a lei e a Petrobras com essa venda de ativos do seu Pedro Parente (presidente da empresa).
Como está a questão da venda dos ativos? Por exemplo, da BR Distribuidora?
Privatizar a BR, que é uma empresa importantíssima, certamente vai deixar a Petrobras manca. A característica de todas as grandes empresas de petróleo do mundo é que elas atuam de forma integrada. Não atuam só num segmento da indústria. Ela tem que atuar em todos, porque ora um segmento está mais rentável, ora é o outro. Quando você não tem, por exemplo, uma grande distribuidora, você tem dificuldade porque as outras podem não querer comprar de você. Você acha que a distribuidora da Shell vai comprar de quem? Da Shell ou da Petrobras? Então, quando você vende a distribuidora, você dança.
E outra característica. Nessa indústria, quando você enfrenta períodos de petróleo em baixa, como agora – já esteve em 120 dólares o barril, agora está entre 50 e 60 – você ganha na venda de derivados, no caso a venda das refinarias. Quando o preço sobe, você ganha menos nos derivados e mais no óleo cru. Vender a BR, como Pedro Parente e Temer estão anunciando, vai aumentar a dificuldade da Petrobras.
Eles já anunciaram que pretendem vender Liquigás, a BR. Já venderam Carcará, alguns gasodutos, anunciam a venda de refinarias e termoelétricas. É uma verdadeira bacia das almas. É um momento muito duro da nacionalidade. Se o povo brasileiro não acordar, vai ter sérias dificuldades para se recuperar. Levamos 63 anos para construir a Petrobras, 63 anos de muito suor, lágrimas e sangue, e estão indo pelo ralo. Tem que lutar sempre, ir para as ruas, impedir que isso aconteça.