Para fortalecer a agenda política do campo progressista em um novo governo Lula, José Genoíno, liderança histórica do PT, defende a composição de um polo de forças políticas, que integram a coligação Brasil Esperança, aliança de apoio à candidatura. “Trata-se de organizar, dentro da frente ampla, um polo estratégico, porque, ganhando a eleição, teremos um governo de disputa”, afirmou durante análise de conjuntura no Sindicato dos Engenheiros no Estado do Rio de Janeiro (Senge RJ).
Até lá, Genoíno adverte também para a radicalidade das eleições. “Vamos para uma eleição que não vai ter comemoração, porque temos que nos manter mobilizados. Se a gente for para casa comemorar, tomar chopp, se cumprimentar, poderemos ser surpreendidos.”
Na opinião dele, uma ruptura institucional seria improvável, uma vez que faltam alguns pressupostos básicos aos golpes tradicionais: unidade da classe dominante, unidade dos meios de comunicação, um aval da potência imperialista, os EUA, e mobilização da população. Mas ele não descarta a possibilidade de haver “aventuras, provocações e arruaças”, estimuladas pelo atual governo. Assim, Genoíno, que foi assessor especial do Ministério da Defesa no governo Dilma Rousseff, considera da maior importância manter a mobilização popular.
“O Brasil está diante de uma encruzilhada profunda e radical, uma crise que vai na raiz”, avalia ele. “Numa situação como essa é fundamental que a gente transforme as eleições de 2 de outubro em mais do que uma disputa eleitoral\, numa disputa politica.” Ou seja, para Genoíno, o Brasil precisa “abrir um caminho em que não basta mudar o nome de quem governa o país; mas é necessário mudar o conteúdo das políticas. Transformar, construir e reconstruir.”
Uma vez derrotado o principal adversário, “a extrema direita truculenta e protofascista”, Genoíno alerta para a necessidade de mudar efetivamente o país. “Vamos manter a ordem produzida pelo golpe de 2016?”, questiona. “Não basta derrotar eleitoralmente [este governo], precisamos derrotá-lo politicamente. Para isso, tem que entrar no cerne das políticas neoliberais, do modelo de acumulação, de privatização, de restruturação capitalista monopolista e dependente. São questões que estão postas: teto de gastos, Banco Central independente, base de Alcântara, privatização da Eletrobras, o papel do Estado, a questão fiscal e a tributação.”
Genoíno reconhece que a frente ampla construída em torno da candidatura Lula foi uma exigência para derrotar o fascismo, mas ressalta a falta de unidade nas questões programáticas para resolver os problemas da crise sistêmica do país. Entre os apoiadores, há representantes do mercado e de setores liberais. Por isso, diz, a esquerda deve se preparar para marcar presença nas decisões governamentais. Propõe aos segmentos progressistas, populares e democráticos, partidos de esquerda, movimentos sociais, lideranças e intelectuais, da academia e das várias organizações sindicais que criem um polo de disputa política.
“Vamos deixar claro que estaremos juntos com o governo e não aceitaremos nem a sua deslegitimação nem a sua queda, mas também estaremos juntos para reivindicar”, afirma, observando que é uma mudança de papel em relação ao chamado Conselhão, instituído por Lula em lei, em 2003, com trabalhadores, empresários, movimentos sociais, governo e lideranças de vários setores, com a finalidade de assessorar o presidente da República na formulação de políticas e diretrizes. A ideia de Genoíno é outra — uma instância independente, incluindo o PT, o PCdoB, o PSol, parte do PSB e do PDT, movimentos sociais e progressistas. “Uma espécie de concertação democrática e popular para atuar dentro desse governo amplo que vai ser o governo Lula. Temos que construir um polo mais estratégico, mais definido, e estabelecer uma relação com o Lula, que é maior do que esse polo, maior até do que o PT. Isso é fundamental.”
Emergências e concessões inegociáveis
E qual a agenda política desse grupo? Para Genoíno, algumas pautas são prioritárias, aquelas que ele chama “a pauta do povo”.
“Quando falo ‘pauta do povo’, é a fome, o endividamento, o desemprego, valorização do Salário Mínimo, verba para a saúde, educação, assistência social, e dar acesso aos direitos”, afirma. “Para viabilizar isso, nosso pacto com a classe dominante vai ter que mudar o sistema tributário, taxar as grande fortunas e os lucros e dividendos. Se não, como vamos financiar essas políticas públicas?”
Para dar respostas a esses problemas urgentes, será necessário impor à classe dominante concessões significativas, acredita Genoíno. “E ela só fará concessões, se houver um jogo de pressão, de luta política, de cobrança. Não vai ser na base do ‘Lula paz e amor’, nem do mero diálogo, isto está posto. Por exemplo, não dá para fazer concessão com relação à Reforma Trabalhista, à Reforma da Previdência, ao esquartejamento da Petrobras e da Eletrobras. Como nós vamos governar um país abrindo a possibilidade de privatizar as bacias hidrográficas que movem as usinas que produzem energia? Se a gente for governar com base no ajuste fiscal neoliberal e nas privatizações já feitas, vamos sofrer desgaste com a população. Esse é um desafio enorme.”
Para enfrentá-lo, Genoínio defende “uma estratégia em pinça”, baseada em dois pilares: a articulação política, inclusive internacional, e a mobilização popular, de rua. “A classe dominante só respeita, se a gente tiver força popular. O Governo Lula só avançou, principalmente no segundo mandato, por causa da mobilização popular.”
Para isso, alerta o ex-deputado federal, a democracia precisa ser traduzida com clareza na forma de salário, emprego, controle da carestia, combate à fome, melhoria da qualidade de vida. Segundo ele, três principais eixos integram um programa democrático em processo de transformação: a questão democrática, a questão da soberania nacional e a questão social.
“Esses três eixos se combinam para termos condição de diminuir a hegemonia do capital financeiro. Não podemos ser servis e submissos à agenda do mercado. E isso envolve o problema da dívida pública: temos que diminuir o peso dela sobre o orçamento e o superávit. Fizemos essa diminuição no governo Lula, mas a dívida pública voltou a crescer enormemente, porque isso significa mexer na margem de lucro dos especuladores. A classe dominante brasileira lucrou demais; tem que ser forçada a ceder. Não se faz omelete sem quebrar ovos.”
Essa classe dominante, no entanto, não costuma ceder, reconhece Genoíno. “Este país tem uma classe dominante aristocrática, patriarcal e racista. Ela não está habituadaa fazer concessões. Ou ganha por cima, na violência, ou cooptando. E teremos que fazer um enfrentamento de novo tipo nessa conjuntura política. Para isso, vamos ter que, primeiro, ganhar a eleição. A partir daí, vai surgir uma oposição de extrema direita com base de massa, coisa que nunca existiu no Brasil, e uma oposiçao ilegal, que vai praticar ilegalidades e aventuras, porque a militância protofascista é desse tipo. Vamos ter que fazer um governo tenso, de muita disputa política.” Daí, insiste ele, a relevância de combinar articulação política e pressão popular.