Imposto sobre streaming pode impulsionar a cultura nacional, defende Jotabê Medeiros

Taxação de plataformas como Netflix e YouTube é estratégica para a soberania cultural e o desenvolvimento da indústria audiovisual brasileira

A última edição do programa Soberania em Debate, do projeto SOS Brasil Soberano do Senge RJ, colocou em pauta um tema vital e pouco debatido: a regulamentação do streaming no Brasil e a taxação de gigantes como Netflix, Amazon Prime e YouTube. O convidado foi o jornalista e escritor Jotabê Medeiros, que defendeu a tributação das plataformas como instrumento de soberania e financiamento da cultura nacional.

Medeiros relembrou que, com a criação da Ancine, o setor audiovisual brasileiro viveu um período de organização e crescimento até 2017. Porém, esse cenário foi desmontado nos governos Temer e Bolsonaro, com tentativas de extinguir a CONDECINE, contribuição que financia o Fundo Setorial do Audiovisual.

O fundo, segundo Jotabê, é um instrumento poderoso: arrecada cerca de R$ 1 bilhão por ano, investido na produção, distribuição e exibição de obras nacionais. Contudo, com a ausência de regulamentação do vídeo sob demanda, o chamado VOD, o Brasil perde receitas expressivas e mantém uma indústria cultural fragilizada. “É um instrumento importante, mas ele poderia estar bem mais abastecido se tivéssemos a regulamentação do VOD”, apontou.

A disputa entre interesses nacionais e o lobby internacional

A conversa também abordou o intenso lobby das plataformas internacionais para evitar qualquer tipo de regulação. Jotabê destacou que países como França e Alemanha aplicam alíquotas de até 20% sobre o streaming, enquanto o Brasil ainda discute índices entre 3% e 12%. “A indústria estrangeira arrecada bilhões aqui sem dar contrapartida alguma. É uma relação predatória”, afirmou.

Segundo ele, o movimento de resistência cultural e política tem pressionado o Congresso a aprovar leis que garantam a taxação do streaming e a destinação dos recursos ao Fundo Setorial, com critérios de regionalização e inclusão de minorias. Projetos de lei como o da deputada Jandira Feghali preveem percentuais mínimos de recursos para Norte, Sul, Sudeste e para segmentos como cinema negro, indígena e feminino.

Para o jornalista, é fundamental que o governo federal atue de forma firme na regulamentação. “A ministra Margareth Menezes está certa ao dizer que isso vai além da economia: é um ato de afirmação cultural e de reconhecimento da importância estratégica do audiovisual na construção e projeção da identidade brasileira.”, reforçou.

Streaming, cinema e o direito de contar nossas próprias histórias

O sucesso internacional do filme Ainda Estou Aqui foi citado como símbolo do potencial da produção nacional. A obra arrecadou US$ 5 milhões nos EUA, superando a exportação anual de vinhos do Brasil. “Se um único filme consegue isso, imagine o que faríamos com investimento e políticas públicas?”, provocou Jotabê.

Ele alertou, no entanto, que o crescimento do streaming precisa ser equilibrado com o fortalecimento do cinema de rua. “As plataformas viraram o único canal de distribuição, mas não têm qualquer compromisso com a cultura nacional. É preciso harmonizar esse mercado e garantir espaço para o cinema brasileiro nas salas.”

A ausência de cotas de tela por anos e a falta de regulamentação deixaram as exibidoras à mercê dos interesses das grandes distribuidoras estrangeiras. “O que acontece quando você tem uma indústria muito forte atuando com muitas regras próprias, sem regulamentação, é que ela define o que vai ocupar as telas de cinema. O resultado é um massacre cultural que não é novidade”.

Cultura é soberania: regulamentar é proteger o Brasil

Ao final do programa, Jotabê Medeiros foi categórico: regulamentar o streaming não é censura nem imposição estatal, mas sim uma medida estratégica para garantir que o Brasil tenha uma indústria cultural vibrante e independente. “. A gente vai ao cinema e a gente quer se ver no cinema. E isso é importante para um país não viver a reboque dos interesses que não são os nossos. Eu não digo que a gente deve ser antiestrangeiro. Não é isso. O que eu quero dizer é que nós temos uma cara, uma rotina. Temos um cotidiano, uma história”. 

Ele lembrou que o audiovisual movimenta R$ 24 bilhões por ano no Brasil e emprega 600 mil pessoas. Com a regulamentação adequada, esses números podem dobrar ou até triplicar. “É uma indústria limpa, que gera empregos de alta qualidade e que gera muitos recursos, e que precisa de apoio real para se desenvolver. Ela pode perfeitamente ter um outro tipo de negociação, muito mais saudável, com muito menos de antagonismo”.

 

O programa Soberania em Debate, projeto do SOS Brasil Soberano, do Sindicato dos Engenheiros no Rio de Janeiro (Senge RJ), é transmitido ao vivo pelo YouTubetodas as quintas-feiras, às 16h. A apresentação é da jornalista Beth Costa e do cientista social e advogado Jorge Folena, com assessorias técnica e de imprensa de Felipe Varanda e Lidia Pena, respectivamente. Design e mídias sociais são de Ana Terra.

O programa também pode ser assistido pela TVT, Canal do Conde, e é transmitido pelas rádios comunitárias da Associação Brasileira de Rádios Comunitárias – Abraço Brasil.

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