Impunidade semeia um terreno fértil para golpes no Brasil

Chico Teixeira expõe como a aberração da anistia conecta 1964 a 2022 e alerta: sem mudanças, os erros podem se perpetuar

Na semana em que veio à tona o plano para o assassinato do presidente Lula, do vice-presidente Geraldo Alckmin e do ministro do STF Alexandre de Moraes, o Soberania em Debate recebeu o professor, historiador e analista político Francisco “Chico” Teixeira, mentor e primeiro coordenador do projeto SOS Brasil Soberano, realizador do programa.

Doutor em Ciências da História pela Universidade de Berlim, Chico leciona atualmente História Moderna e Contemporânea na UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro) e Teoria Social na UFJF (Universidade Federal de Juiz de Fora). Ele é, ainda, professor emérito da Escola de Comando e Estado-Maior/Eceme, do Exército do Brasil.

Segundo o professor e analista político, o esforço de apagar os atos recentes, articulados e planejados pela extrema direita, é o primeiro obstáculo para tratar do tema com a seriedade que ele exige, uma vez que tais ações colocam a própria República em risco. Diferentemente do que afirmou recentemente o ministro Roberto Barroso, do STF, as instituições republicanas não estão seguras, e atentados ou tentativas de assassinato não podem ser descolados de seus contextos ideológicos.

“Uma democracia estável não funciona assim. Não há conspirações para matar o presidente, o vice-presidente e um ministro da suprema corte em um ambiente democrático consolidado. Não há bombas explodindo no STF nem depredação de prédios públicos. A tentativa de despolitizar o tema e restringi-lo ao âmbito judicial ignora a existência de uma oposição armada e golpista. Na casa do homem-bomba, agora incendiada, estava escrito nas paredes que era preciso acabar com o PT e o PSDB. Ou seja, destruir a Nova República, um pacto institucional construído por esses dois partidos com o suporte do MDB, antigo PMDB. Oposição é normal, mas não quando é contra a República e armada”, afirmou Chico.

 

Continuidade histórica e impunidade

Teixeira destacou que há uma continuidade histórica, fomentada pela impunidade, que liga diretamente o golpismo de 1964 ao atual. Ele citou o general Augusto Heleno, ex-chefe de gabinete do general Sylvio Frota, que tentou um golpe contra a abertura política de Geisel em 1977. Frota não foi punido, e muitos como ele continuaram suas carreiras militares, agora apontados como parte de uma eventual junta militar que governaria o Brasil caso o golpe com Bolsonaro tivesse sido bem-sucedido.

“Essa continuidade passa pelo decreto de Anistia de 1979, que não apenas garantiu impunidade a golpistas, corruptos e torturadores, mas também a futuros crimes. Entre 1981 e 1983, o Brasil foi sacudido por explosões de bombas, ataques à OAB e câmaras municipais, com vítimas. Nenhum desses atentados foi esclarecido, nem mesmo o caso do Riocentro, em que a bomba explodiu literalmente no colo dos militares. A impunidade instalada nesse período é o principal elemento explicativo para a força do golpismo e do terrorismo dentro de instituições como as Forças Armadas”, explicou o analista.

Crises recorrentes e a inação governamental

A imobilidade do governo e da sociedade civil em relação às Forças Armadas, segundo Teixeira, condena o Brasil a uma sucessão de crises. “É 1964, 1977, as bombas de 1981 e 1983, a invasão da Siderúrgica Nacional em 1988, a demissão do ministro da Defesa em 2004. E seguimos convivendo com isso. Hoje, temos respostas imediatas, como a de José Múcio Monteiro, que defende separar CPF e CNPJ. Parece que o governo não entendeu que não estamos lidando com a oposição tradicional do PSDB. O inimigo agora é o golpismo fascista, que quer o caos e a destruição da República. Para eles, todos são comunistas. A ideia de conciliação, tão cara ao presidente Lula, não cabe aqui. Agora que está claro que ele era o alvo de uma operação de golpe e assassinato, espero que Lula compreenda que essa conciliação é impossível diante do fascismo”, declarou Teixeira.

Guerra cultural e avanço fascista

A Nova República foi construída em bases muito liberais em relação a direitos e garantias civis e muito social em relação às condições de vida. A Carta Magna de 1988 não é conhecida como a “Constituição Cidadã” à toa. Justamente por isso, ela é odiada pela direita fascistizada brasileira. 

A reação veio com a implantação de uma operação de grande sucesso, por meio de instrumentos profissionais de operações psicológicas adversas, típicas de batalhões de operações especiais, resultando no abandono de demandas sociais de décadas, como emprego, alimentação, saúde e educação por uma pauta de extrema-direita: a segurança pública.

A guerra cultural foi exitosa para o fascismo. Com o banimento das pautas sociais clássicas e o sequestro da opinião pública, militares e delegados entraram em massa na política. Eles são, afinal, os especialistas em segurança pública e combate à corrupção. Todo o esforço feito na redemocratização, quando melhores condições de vida, escola de qualidade, entretenimento para o povo transformaram a sociedade brasileira, tirando jovens do crime, foi esquecido, soterrado pela pauta de direita.   

Sem anistia?

Para Teixeira, infelizmente, não há certezas agora sobre o fim que terão Bolsonaro e sua quadrilha terrorista. O professor aponta que pode não ter sido a melhor saída amarrar em um único grande processo os casos de venda de joias do Estado, contrabando de divisas, peculato, estelionato de vacinas, formação de quadrilha, golpe de Estado e tentativa de assassinato.

“Não sei se esse é o melhor caminho. O processo das rachadinhas já mostrou que os advogados são muito competentes em achar falhas processuais sem entrar no âmbito. Não se discute o objeto, mas a forma processual. Um combo desse tamanho vai ter deslizes processuais. A denúncia já tem 800 páginas. Acho que vai se travar agora uma batalha na qual a Procuradoria Geral da República vai ter que desempenhar um papel fundamental. E é uma PGR que trabalhou contra todas as tentativas de esclarecimento de torturas, desaparecimentos, corrupção do regime militar”, aponta.

Também não há indícios de celeridade no processo. A denúncia só acontecerá após o recesso de fim de ano do Superior Tribunal Federal, de 20 de dezembro a 6 de janeiro. A ideia é que o processo não fique pelo meio por causa da paralisação dos trabalhos para as festas. O STF não se mexeu para suspender o recesso, mesmo tendo no colo uma denúncia de Golpe de Estado e assassinato do presidente da República, seu vice e um de seus próprios ministros. “Quanto mais longo o processo, mais esquálido ele fica para a opinião pública e para o seu sentido de urgência”, alerta Teixeira.

O programa Soberania em Debate, projeto do SOS Brasil Soberano, do Sindicato dos Engenheiros no Rio de Janeiro (Senge RJ), é transmitido ao vivo pelo YouTubetodas as quintas-feiras, às 16h. A apresentação é da jornalista Beth Costa e do cientista social e advogado Jorge Folena, com assessorias técnica e de imprensa de Felipe Varanda e Lidia Pena, respectivamente. Design e mídias sociais são de Ana Terra. O programa também pode ser assistido pela TVT aos sábados, às 17h e à meia noite de domingo. O programa também pode ser assistido pelo Canal do Conde.

Texto: Rodrigo Mariano / Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil/Arquivo

 

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