Eles têm nas mãos algo raro: um documento técnico que, após um ano de articulações, apresenta orientações consensuadas entre empregados e patrões. Também têm apoio de vereadores do Rio e de deputados federais organizados em bancadas nos dois níveis de governo.
Ao longo de 2023, tanto as frentes parlamentares, quanto os sindicatos visitaram diferentes estados do país onde a indústria naval brasileira costumava operar, garantindo uma mobilização organizada e aguerrida nos diferentes polos navais nacionais. Ela se soma à pressão de setores com longa tradição de organização e força política, como o dos petroleiros, engenheiros e dos metalúrgicos. O próprio presidente da República acredita – a julgar por seus discursos e pelas políticas para o setor em seus primeiros governos – na conquista de soberania representada por um parque de construção naval nacional capaz de suprir as demandas internas do país.
Pressão, muitos apoios, militância organizada, força política e acesso ao poder. Os muitos integrantes do Fórum pela Retomada da Indústria Naval e Offshore têm tudo que precisam para resgatarem de fato o setor que foi absolutamente destruído durante os governos neoliberal de Temer e fascista de Bolsonaro. Essa nova fase de soberania nos mares brasileiros, no entanto, não consegue sair do mundo das ideias.
A sensação entre alguns é de frustração. “Nos esforçamos para derrubar o governo passado e colocar lá uma administração que tínhamos certeza que retomaria a indústria naval, mas não está acontecendo. A gente sabe que o presidente Lula quer avançar, mas, mesmo assim, as coisas não avançam. O que justifica um ano sem nenhum encaminhamento prático tendo o presidente a favor, parlamentares focados no assunto e os trabalhadores mobilizados? Em 2024, as eleições vão tumultuar o Congresso. Se deixarmos para 2026, não vai acontecer, já que o país estará paralisado pela polarização. Queremos um Brasil crescendo. Lula prometeu isso. Agora, precisamos ir às ruas. Sabemos que a política tem seu tempo, mas nós temos pressa”, argumentou Jesus Cardoso, da direção nacional da CTB.
O depoimento de Jesus foi dado em audiência pública da Frente Parlamentar de Acompanhamento do Polo Gaslub e Defesa dos Empregos da Indústria Naval, Petróleo e Gás, em março, em um dos auditórios da Câmara dos Vereadores. Fora da sala lotada, cerca de cem pessoas protestavam com faixas e cartazes. “São 100 lá fora que representam os 19 estaleiros fechados e mais de 70 mil pessoas sem emprego de qualidade e salários dignos”, destacou Alessandro Trindade, diretor da CUT/RJ.
Divergências no governo e a Petrobras
“O governo Brasileiro precisa ter uma posição única sobre este assunto. Não pode o BNDES ter um discurso e a Petrobras e o ministro, outro. O ministro Alckmin, em entrevista a Miriam Leitão, disse que o Brasil não vai construir navios. Que vamos apenas construir barcaças no norte do país, para transporte de passageiros. No dia seguinte, nos encontramos com ele e falamos da importância deste setor. Também cobramos que ele esteja inserido nas políticas para a neo-industrialização. É preciso unificar o governo no que diz respeito à indústria naval, de petróleo e gás. Hoje, essa posição única de governo ainda não existe”, apontou a deputada federal Jandira Feghali (PCdoB). Segundo a parlamentar, haverá novo encontro com o ministro em abril e a meta é chegar diretamente ao presidente Lula. “Vamos continuar cobrando os ministros, mas precisamos chegar ao presidente Lula, que é quem pode dar o comando unificado para que o governo cumpra com as suas definições políticas em relação à Indústria Naval”, defendeu.
Sabemos que a política tem seu tempo, mas nós temos pressa
A dificuldade em endereçar o tema dentro do governo fica clara na cronologia dos fatos: a declaração de Alckmin a Miriam Leião – de que os estaleiros nacionais não iriam produzir navios no Brasil – acontece meses depois do vice-presidente criar, dentro do ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços, nove grupos de trabalho para a redação de uma lei voltada para o tema. “Para redigir a legislação, temos gente trabalhando. O que falta é unificar os pensamentos dentro do governo. Precisamos de uma decisão política. Vontade, sabemos que existe. O presidente Lula quer revitalizar a indústria naval. Agora, temos que ir para as ruas”, defendeu Edson Rocha, presidente do Sindicato dos Trabalhadores das Indústrias Metalúrgicas, Mecânicas e de Material Elétrico dos Municípios de Niterói e Itaboraí.
Petrobras se aproxima
Na audiência pública presidida pela vereadora Verônica Lima, presidente da frente parlamentar na Câmara do Rio, duas presenças chamavam atenção e foram citadas em muitas das falas: a de Lourenço Lustosa Froes, coordenador do programa para novos FPSOs da Petrobras e de Jones Soares, diretor de Transporte Marítimo da Transpetro. Até bem pouco tempo, estes dois atores fundamentais para a geração de demanda na reativação dos estaleiros não costumavam enviar representantes.
Froes atendeu à audiência munido de boas notícias: anunciou, durante o evento, a contratação da construção de 38 embarcações de apoio e logística no Brasil. O plano estratégico foi divulgado dias mais tarde, em 28/03. Ele traz, também, a previsão de contratação de 200 embarcações de apoio, entre 2024 e 2028, para substituir contratos vigentes e ampliar a frota. Entre elas estão 14 navios-plataforma, 5 navios-sonda e 16 navios para cabotagem. Há, também, a previsão de descomissionamento e reciclagem sustentável de 23 plataformas.
É preciso mudar a lógica mercadológica na Petrobras, uma empresa que criou normas internas para impedir que a indústria nacional volte a existir
“As embarcações de apoio marítimo vão aquecer os estaleiros menores, que têm competitividade para produzir este tipo de embarcação. A desmontagem gera uma atividade econômica importante. Sabemos que os estaleiros não podem viver apenas delas, mas ajudarão a manter a atividade entre um projeto e outro”, explicou Froes.
Elogios e críticas se seguiram: “É uma satisfação ouvir da Petrobras posicionamentos mais positivos e propositivos. É algo muito diferente de audiências públicas de anos atrás”, apontou Karine Fragoso, gerente de Petróleo, Gás e Naval da Firjan. “Fico muito feliz com a Petrobras e a Transpetro presentes na mesa. Mostra que vem acontecendo uma mudança na postura das empresas que, por muito tempo, renegaram este debate e se dedicaram apenas a gerar lucros para acionistas. É claro que comemoramos as contratações anunciadas, mas isso fica muito aquém do que poderíamos e deveríamos estar projetando. Precisamos de plataformas próprias, construídas e operadas por brasileiros. Nós trabalhamos em duas frentes parlamentares, fizemos reuniões com o Tribunal de Contas da União (TCU), com a controladoria Geral da União (CGU), chegamos a um relatório final e, agora que não há impedimentos para a retomada da indústria naval, é preciso mudar a lógica mercadológica na Petrobras, uma empresa que criou normas internas para impedir que a indústria nacional volte a existir”, denunciou Tezeu Bezerra, coordenador Geral do sindipetro Norte Fluminense.
Texto: Rodrigo Mariano/Senge RJ
Foto: Tânia Rego/agência Brasil