Apesar dessas variáveis, a inflação dos alimentos tem sido utilizada politicamente para atacar o Governo Lula 3, que enfrenta três grandes desafios pouco discutidos pela mídia hegemônica e amplamente distorcidos pela máquina de Fake News da extrema-direita. Primeiro, os preços no Brasil acompanham um movimento inflacionário global. Segundo, Lula herdou do governo Bolsonaro silos vazios, tornando a recomposição dos estoques públicos um processo lento e custoso. Por fim, o mercado precifica os alimentos com base no valor internacional, reforçando o impacto da inflação no país.
A força dessa tempestade econômica não pode ser subestimada. Como lembra o economista Adhemar Mineiro, o aumento dos preços dos alimentos teve papel central na eleição de Donald Trump. ““A elevação dos preços dos alimentos, especialmente na pandemia, foi fundamental para as eleições americanas. O governo Biden teve um desempenho econômico favorável, mas a percepção dos norte-americanos era de que continuavam longe de sua capacidade de consumo dos produtos que seguiam com preços elevados”“, destacou Mineiro.
Diretor do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos do Rio de Janeiro (Dieese) há 26 anos, membro da Associação Brasileira de Economistas pela Democracia e da Rede Brasileira pela Integração dos Povos, Mineiro explicou, em entrevista ao programa Soberania em Debate, no dia 06/02, que a alta dos preços dos alimentos é um fenômeno persistente. “Os preços dispararam na pandemia e tiveram uma lenta queda que logo interrompida. A sensação de encarecimento é estrutural e continuará afetando a percepção da população, independentemente da inflação”, analisou.
Dólar alto e silos vazios
Programas que atuam na formação de estoques públicos, como o Programa de Aquisição de Alimentos (PAA) e a Companhia Nacional de Abastecimento (Conab), sempre foram importantes para ajudar a regular o abastecimento interno e, consequentemente, os preços de grãos em tempos difíceis, inclusive nas entressafras. Seriam importantes agora, caso seus silos não estivessem vazios, após abandono por parte dos governos Temer e Bolsonaro.
Outro ponto que influi diretamente na complexa conjuntura por trás do aumento dos preços dos alimentos está a desvalorização do real frente ao dólar. O agronegócio brasileiro, grande exportador de commodities para todo o mundo, negocia em moeda americana e, se ela sobe, elevam-se, também, seus lucros. Os grandes produtores não abrem mão deste lucro e, ao venderem para o mercado interno brasileiro, praticam preços internacionais. Há, ainda, os produtos importados. “Na época do Natal, vários produtos que vão tradicionalmente para a mesa são importados e, por isso, têm seus preços cotados em dólar”, explicou Adhemar, que cursa o doutorado em Ciência, Tecnologia e Inovação em Agropecuária pela Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro.
Mineiro destaca que outro fator nada desprezível para esta equação são os impactos das mudanças climáticas. Segundo ele, eles alcançam fatores conjunturais e estruturais. “As mudanças climáticas estão afetando, no mundo todo, a produção de alimentos. Estão reduzindo algumas safras, enquanto surgem novas áreas de plantio. O preço do azeite, por exemplo, está subindo, mesmo na Europa, porque as áreas produtoras onde as azeitonas são plantadas estão se alterando, impactando fortemente as safras. Este é o elemento estrutural, mas há o conjuntural: as enchentes e queimadas acabam afetando muito o preço dos hortifrutis. Eles passam a ter flutuações mais agudas, dependendo de as chuvas mais fortes terem acontecido no momento certo ou errado para a agricultura”, explica o economista.
Investimento nos pequenos produtores
A busca por saídas a tempo de eliminar os impactos negativos – que, tal qual ocorreu com Biden, o presidente Lula pode vir a enfrentar na corrida presidencial do ano que vem – encontra caminhos possíveis já utilizados antes. A queda do dólar, que já apresenta recuo desde janeiro, é um sinal positivo e pode reduzir os preços de vários produtos no varejo. No entanto, é fundamental fortalecer os estoques reguladores, um dos principais instrumentos para evitar disparadas nos preços.
Fortalecer os estoques reguladores é, segundo Mineiro, um dos elementos centrais para amenizar a inflação dos alimentos. Ele aponta que eles foram desmontados do final do governo Dilma até o final do governo Bolsonaro e precisam ser recompostos. “Para os alimentos que não estragam, como os grãos, com os silos cheios, podemos garantir preços mais regulados sem precisar fazer intervenções diretas no mercado. As políticas para a recuperação dos estoques só foram retomadas recentemente, talvez por motivos fiscais”, disse.
Para os alimentos perecíveis, hortifrutis e laticínios, que são fornecidos pela agricultura familiar e pequenos produtores, Adhemar defendeu a importância de se investir em apoio técnico para aumentar a produtividade e o acesso ao financiamento. A Reforma Agrária também colaboraria, aumentando a área de plantio de pequenos produtores, além de impactar positivamente na qualidade dos alimentos e no meio ambiente, por serem, geralmente, orgânicos e cultivados em modelos agroecológicos.
O programa Soberania em Debate, projeto do SOS Brasil Soberano, do Sindicato dos Engenheiros no Rio de Janeiro (Senge RJ), é transmitido ao vivo pelo YouTube, todas as quintas-feiras, às 16h. A apresentação é da jornalista Beth Costa e do cientista social e advogado Jorge Folena, com assessorias técnica e de imprensa de Felipe Varanda e Lidia Pena, respectivamente. Design e mídias sociais são de Ana Terra. O programa também pode ser assistido pela TVT aos sábados, às 17h e à meia noite de domingo. O programa também pode ser assistido pelo Canal do Conde.
Rodrigo Mariano/Senge RJ | Foto: Valter Campanato/Agência Brasil