Inocentar os militares pelo golpe é falsificar a verdade

"A maioria dos indivíduos que puseram em prática a trama golpista saiu das portas dos quarteis do Exército"

Por Jorge Folena*

O Procurador Geral da República, na denúncia apresentada contra o ex-presidente e seu séquito golpista, manifestou que (sic): “A decisão dos generais, especialmente dos que comandavam Regiões, e do Comandante do Exército de se manterem no seu papel constitucional foi determinante para que o golpe, mesmo tentado, mesmo posto em curso, não prosperasse.”

O PGR, no seu estilo liberal clássico, fez a defesa do Exército e acomodou uma instituição tida por muitos como “defensora” do “interesse nacional”. – “Menas” verdade!, gritaria indignado o jornalista Hélio Fernandes, se vivo estivesse.

É importante ressaltar que, em abril de 2018, o Comandante do Exército Brasileiro, à época o General Eduardo Villas Boas, por meio da sua conta no Twitter (atual X), ameaçou, em nome do Alto Comando, o Supremo Tribunal Federal, caso concedesse ordem de habeas corpus em favor do presidente Luís Inácio Lula da Silva e lhe assegurasse naquela oportunidade o direito constitucional da presunção de inocência, que lhe permitiria participar da eleição presidencial daquele ano, cujo vencedor foi Jair Bolsonaro, representante da extrema direita, apoiado pelos militares.

Daí a “menas” verdade; pois, se ainda não solucionamos o autoritarismo, muito pode ser atribuído à atuação constante dos militares brasileiros, cujos CPFs não podem ser desvinculados do CNPJ, como desejam diversas pessoas, a exemplo do atual ministro da defesa do governo do presidente Lula.

Para camuflar o perfil autoritário e antidemocrático decorrente de sua formação na caserna, os militares costumam vestir uma capa “de defensores do interesse nacional” e, deste modo, justificam violações à ordem democrática e constitucional, que são jogadas “às favas” por diversas vezes, sem quaisquer “escrúpulos de consciência”, como ocorreu na reunião que decidiu pela implantação do Ato Institucional número 05, de 13 de dezembro de 1968.

Porém, o “interesse nacional” que os militares dizem defender se revela extremamente débil, uma vez que eles ajudaram a prevalecer os interesses estrangeiros em diversas oportunidades, inclusive recentemente, como em 2019, quando entregaram a Base Aeroespacial de Alcântara, no Maranhão, para utilização pelos Estados Unidos da América do Norte, sem nos esquecermos jamais da lesa-pátria entrega dos campos de petróleo da camada do Pré-Sal para exploração por empresas petroleiras estrangeiras, em detrimento da Petrobras.

O falso argumento do “interesse nacional” serviu para justificar a implantação da ditadura militar de 1964-1985, sob o falso pretexto de combater o fantasma da ação comunista internacional. Além disso, os militares participaram ativamente do golpe do impeachment de 2016 contra a Presidenta Dilma Rousseff, cujos efeitos sobre a democracia brasileira são percebidos até hoje e culminaram na ação golpista do 8 de janeiro de 2023.

No Brasil, desde o período republicano iniciado em 1889, os militares têm sido agentes atuantes na política, assumindo diretamente o poder no final do regime imperial (1822-1889) e participando e colaborando com a derrubada de governos civis, como ocorreu em 1930 (Washington Luís), em 1945 (Getúlio Vargas), em 1964 (João Goulart) e em 2016 (Dilma Rousseff).

Além disso, há registros de atuação das forças militares brasileiras em combates diretos contra a população civil, a exemplo do que ocorreu nos massacres da “guerra de Canudos” (1896-1897), “na guerra do Contestado” (1912-1916), no “caldeirão do Santa Cruz do Deserto” (1937) e durante o regime de 1964-1985, em que civis foram presos, torturados, desaparecidos e mortos.

Assim, considero até razoável que tentem poupar a instituição FFAA, para diminuir a pressão social, mas afirmar que o golpe não ocorreu porque os generais cumpriram seu papel constitucional é um acinte à inteligência nacional, pois a maioria dos indivíduos que puseram em prática a trama golpista saiu das portas dos quarteis do Exército, diante das quais se reuniram e acamparam durante semanas, sem nenhuma interferência das autoridades da força militar.

Juridicamente, pode ser que os comandantes do Exército e da Aeronáutica do ex-presidente se livrem da acusação do delito de prevaricação, pois sabiam das ações golpistas e nada fizeram formalmente para impedi-las; porém, politicamente, as forças militares não podem, mais uma vez, falsificar a verdade e tentar apagar os gravíssimos erros que cometeram ao longo da farsa golpista, até porque milhares dos seus quadros integraram o governo anterior, que era reconhecido como o “governo dos militares” e dos apoiadores da ditadura de 1964-1985.

 


 

* Folena é advogado e cientista político. Secretário geral do Instituto dos Advogados Brasileiros e Presidente da Comissão de Justiça de Transição e Memória da OAB RJ, Jorge também coordena e apresenta o programa Soberania em Debate, do movimento SOS Brasil Soberano, do Senge RJ.

Foto: Tânia Rego/Agência Brasil

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