As conquistas na política externa são um dos carros-chefes do governo Lula 3. O sucesso da Cúpula do G20, no Rio de Janeiro, em novembro de 2024, e os acordos firmados com a China e a Europa têm sido apontados como evidências de que o Brasil voltou ao tabuleiro mundial como um de seus grandes atores.
Críticas fundamentadas de dentro do próprio governo, no entanto, mostram que há uma disputa interna entre duas forças antagônicas: uma visão de país mais alinhada ao Sul Global e outra voltada para os Estados Unidos e Europa. O cenário seria resultado de décadas de neoliberalismo no Brasil, que seguem cobrando um alto preço em todas as áreas, inclusive dentro da esquerda.
“Não existem mais no vocabulário da esquerda brasileira questões historicamente caras a ela: projeto nacional de desenvolvimento, nação, projeto nacional. Isso não existe mais na nossa gramática”. A declaração é do professor Elias Jabbour, ex-diretor de Pesquisas do Novo Banco de Desenvolvimento – o Banco dos Brics -, presidido por Dilma Rousseff.
Alinhamentos e equilibrismo
Recém-empossado presidente do Instituto Municipal de Urbanismo Pereira Passos (IPP), Jabbour destaca que a aposta do governo em equilibrar forças não será bem-sucedida em momento em que Estados Unidos e Europa não têm nada para nos oferecer. “A China, por outro lado, pode oferecer garantias que envolvem a própria soberania nacional brasileira”, destacou.
Neste embate de visões de país, segundo Jabbour, as estratégias não têm sido as mais transparentes. Segundo ele, o Itamaraty agiu deliberadamente para boicotar a adesão do Brasil à iniciativa Cinturão e Rota – a “Nova Rota da Seda” -, projeto chinês de investimentos globais em infraestrutura.
“Vendeu-se a imagem, a partir de fake news que saíram de dentro do Itamaraty e do MDIC de que aderir à iniciativa Cinturão e Rota seria como aderir à Alca. Confundiu-se um acordo que abrange mais de 70 possibilidades, inclusive cooperação industrial com abertura comercial e perda de soberania. Uma agenda mais pró-sul global foi derrotada com a não adesão do Brasil. Também saímos com quase nada da visita de Xi Jinping ao Brasil, que podemos dizer que foi um fracasso. Ao mesmo tempo, assinamos com a União Europeia um acordo parecido com a abertura dos portos às nações amigas feita no século XIX. Agora, com a eleição de Trump, o Brasil vai ter que tomar uma postura. Não sei qual será”, destacou.
Em dezembro, o Ministério do Comércio da China anunciou que os investimentos diretos não financeiros no exterior destinados a países que integram a iniciativa global chinesa chegaram a US$30,17 bilhões entre janeiro e novembro de 2024.
Retrocessos
Segundo o professor, há retrocessos na política externa brasileira em relação ao que foi durante os governos Lula 1 e 2. “Este não é mais o Itamaraty de Samuel Pinheiro Guimarães e não temos mais a figura de Marco Aurélio Garcia, que exercia uma influência muito positiva sobre o Lula em questões relacionadas à América Latina. Ninguém nem comenta mais sobre o projeto de integração sulamericana”, apontou.
Jabbour também critica os resultados da Cúpula do G20. “A questão da fome, colocada por Lula, acaba sendo muito moral. Já a rota financeira do G20, o documento que baseia os caminhos para se alcançar os objetivos estratégicos da presidência do Brasil no G20, é ultraliberal. Houve uma grande mobilização da sociedade civil brasileira para o G20 impulsionada por ONGs estrangeiras como a Open Society. Enquanto isso, a presidência russa no BRICS foi caracterizada pelo esvaziamento brasileiro nos fóruns da sociedade civil dos BRICS”, apontou Jabbour.
Assista a entrevista:
Texto: Rodrigo Mariano/Senge RJ (com informações do Brasil 247) | Imagem: Marcelo Camargo/Agência Brasil