Entregadores de aplicativos (São Paulo, 20/3/2020) – Foto: Roberto Parizotti/Fotos Públicas
A MP nº 927/2020, publicada pelo governo na madrugada de domingo para segunda, permitindo às empresas suspender o pagamento dos salários por quatro meses, mereceu notas duras de repúdio do Ministério Público do Trabalho (MTP), da Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho (Anamatra), representativa de quase 4 mil profissionais, e de um conjunto unificado de seis entidades de juristas. Parlamentares de partidos de oposição também se manifestaram pela devolução imediata da MP, ou pela denúncia de sua inconstitucionalidade junto ao Supremo Tribunal Federal (STF). No final da manhã, o presidente Jair Bolsonaro voltou atrás e afirmou em rede social que o artigo referente à suspensão dos contratos estava cancelado.
Segundo a opinião dos juristas e dos políticos, a medida ameaça, basicamente, expor a imensa maioria da população à fome; e a estrutura política, à convulsão social. De um modo geral, preocupa a disposição do Poder federal de, na crise da Covid-19, reiteradamente privilegiar as salvaguardas às empresas e aos bancos, enquanto suspende direitos, salários e menospreza a atenção aos trabalhadores e aos cidadãos sem renda fixa ou proteção social — autônomos, desempregados, pequenos empresários.
“Na contramão de medidas protetivas do emprego e da renda que vêm sendo adotadas pelos principais países atingidos pela pandemia – alguns deles situados no centro do capitalismo global, como França, Itália, Reino Unido e Estados Unidos-, a MP nº 927, de forma inoportuna e desastrosa, simplesmente destrói o pouco que resta dos alicerces históricos das relações individuais e coletivas de trabalho, impactando direta e profundamente na subsistência dos trabalhadores, das trabalhadoras e de suas famílias, assim como atinge a sobrevivência de micro, pequenas e médias empresas, com gravíssimas repercussões para a economia e impactos no tecido social”, afirma a nota da Anamatra.
O MPT “vê com extrema preocupação medidas que ao reverso de manterem o fluxo econômico em mínimo andamento mesmo em meio à crise, interrompem abruptamente a circulação de recursos e expõe uma gama enorme da população a risco iminente de falta de subsistência”, diz, em nota. “Evidencia-se plenamente equivocado imaginar um plano de capacitação, na forma do artigo 18 da MP, em que o trabalhador ficará por 4(quatro) meses em capacitação sem receber para tanto qualquer espécie de remuneração ou aporte assistencial por parte do aparato estatal. Em linhas gerais, tem-se um permissivo geral para a suspensão do contato de trabalho, sem qualquer tipo de remuneração ou indenização para o trabalhador, o que além de tudo, acelera a estagnação econômica.”
No fim da manhã, enquanto Bolsonaro tuitava dizendo que iria revogar o artigo que permitia a suspensão dos contratos por quatro meses, a Folha de S. Paulo informava, com base em fontes no Ministério da Economia, que a medida seria substituída por outra, autorizando corte de 50% nos salários. “Ainda assim haverão os saques”, afirmou no Facebook o advogado constitucionalista Pedro Serrano, que denunciara mais cedo a intenção do governo de gerar deliberadamente o caos com a MP, para promover o fechamento político do regime, por meio de um Estado de Sítio. “Óbvio que a culpa não é da maioria dos empresários, que estão em imenso apuro. O que é inaceitável é o governo realizar o maior dispêndio concentrado de dinheiro público da história na mão dos bancos [o BC reduziu a alíquota de compulsório sobre os recursos a prazo de 25% para 17%, medida que liberará R$ 68 bilhões aos bancos], sem exigir a realização de contrapartidas sociais que mitiguem essa grave situação”, escreveu. “Em vez de cobrar dos bancos parte da conta da crise , deram mais dinheiro para eles e tiraram mais ainda dos trabalhadores.”