Quando o Sindicato dos Engenheiros no Estado do Rio de Janeiro noticiou, em outubro de 2023, o nascimento do movimento Vida Além do Trabalho (VAT), ele ainda era formado por um pequeno grupo no Whatsapp. Rick Azevedo, hoje o vereador mais votado do PSOL e segundo mais votado das esquerdas no Rio de Janeiro – atrás apenas da ex-secretária de Meio Ambiente e Clima, Tainá de Paula (PT) – era um jovem exausto que decidiu compartilhar sua revolta em um vídeo no TikTok sobre a escala de trabalho 6×1.
Em um ano, Rick foi de balconista em uma drogaria, trabalhando em escala 6×1, sem formação ou conexões políticas, a líder de um movimento que tomou ainda mais força nas redes sociais nas últimas semanas, especialmente após as eleições, ampliando ainda mais a visibilidade da pauta em mídias hegemônicas e independentes.
Olímpio Alves dos Santos, presidente do Senge RJ, ressalta que toda luta em favor de empregos dignos e conquista de direitos para o povo trabalhador é importante. “Quem só quer explorar o trabalho ao máximo possível encontra brechas na CLT e faz manobras que nos lembram o tempo anterior a ela, com jornadas absolutamente excessivas. Essa é uma pauta que pode nos dar um gás importante: É uma reivindicação de trabalhadores, que exigem, como sempre, direitos mínimos”, destaca Olímpio.
Segundo a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), a jornada de trabalho não pode ultrapassar oito horas diárias e 44 horas semanais, podendo ser excedida mediante compensação de horários e redução da jornada por acordo ou convenção coletiva. A informalidade, a falta de opções, a fragilização dos sindicatos e a ampla precarização têm criado um mercado cuja lógica de máxima exploração buscou as brechas e criou a escala 6×1: em turnos de 7h20min por dia, ou 8 horas diárias, com compensação em um dia mais curto – ou outro ajuste acordado entre empregador e empregado -, muitos trabalhadores têm apenas 1 dia de folga.
O assunto, que passava ao largo das pautas priorizadas pelas esquerdas hoje, ganhou força pelo país e garantiu, no Rio, votos em áreas tradicionalmente bolsonaristas. Vem, também, sendo tópico de mensagens revoltadas de eleitores e seguidores de grandes nomes da extrema-direita.
“Nos últimos tempos, muitas figuras políticas esqueceram dos trabalhadores da base da pirâmide. Não se faz política sem envolver as pessoas que constroem esse país. O que queremos é que trabalhadores, de esquerda ou de direita, não importa, possam viver, tenham de volta a sua humanidade”, destacou Rick Azevedo em entrevista à Globonews em 11/11.
A pressão pela PEC
Após uma petição pública que já conta com 1,5 milhão de assinaturas e a aproximação com o mandato da deputada Erika Hilton (PSOL), a pauta virou uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC). A fase de coleta de assinaturas no Congresso não tem sido simples, avançando principalmente graças à pressão que os trabalhadores do VAT — hoje organizados em grupos de WhatsApp por todo o país — exercem sobre parlamentares nas redes, por e-mail e em pequenos atos pelas ruas.
A PEC propõe a alteração do inciso XIII do artigo 7º da Constituição Federal e vai além da escala 6×1. Se aprovada a PEC, a nova redação seria:
Art. 7º, inciso XIII: “Duração do trabalho normal não superior a oito horas diárias e trinta e seis horas semanais, com jornada de trabalho de quatro dias por semana, facultada a compensação de horários e a redução de jornada, mediante acordo ou convenção coletiva de trabalho.”
Em 31 de outubro, a PEC contava com 70 assinaturas, mais de ⅓ das 171 necessárias para dar início à tramitação. Em 11 de novembro, elas já eram 134, alcançando 2/3 do necessário.
Dos deputados e deputadas que assinaram, 67 são do PT (apenas um parlamentar do partido não assinou), 13 são do PSOL (todos os parlamentares do partido), sete do PCdoB (todos os parlamentares do partido), sete do PDT (18 cadeiras), quatro do PSB (14 cadeiras), três do PV (possui cinco cadeiras) oito do União Brasil (59 cadeiras), sete do PSD (44 cadeiras), dois do Solidariedade (5 cadeiras), dois do PSDB (de 13 cadeiras), quatro do PP (50 cadeiras), 1 do PL (com a maior bancada da Câmara, com 93 deputados) e um do Avante (sete cadeiras). Com uma única cadeira na Câmara, a Rede também subscreve pela tramitação da PEC.
Posicionamentos e reações
Para conquistar as assinaturas faltantes, o movimento VAT organizará um ato nacional no próximo dia 15/11, feriado da Proclamação de República. em Brasília, a pressão popular, que fez o tema viralizar no último fim de semana, chegou até o Ministério do Trabalho.
O ministro Luiz Marinho, do Trabalho, manifestou-se no Twitter, dizendo que a questão deve ser tratada em convenções e acordos coletivos, mas destacou que a redução da jornada para 40 horas semanais é possível e saudável, “quando resultado de decisão coletiva”. Ele também afirmou que o tema exige discussão detalhada, com envolvimento de todos os setores.
Enquanto governo não abraça a pauta e parlamentares progressistas titubeiam, a direita articula contra a proposta. O deputado Marco Feliciano (PL SP) defendeu, em discussão sobre a realização de uma audiência pública sobre a escala 6×1 na comissão de Direitos Humanos, Minorias e Igualdade Racial, que as pessoas trabalhem “até a exaustão na busca da prosperidade e riqueza”, a exemplo do que ocorre, segundo ele, nos EUA. O deputado mais votado do país, também do PL, Nikolas Ferreira, vem sendo cobrado por seus próprios seguidores nas redes sociais por não ter se pronunciado favorável à PEC.
Segundo a CNN, o governo vem monitorando os debates sobre a pauta e a gestão deverá iniciar discussão interna sobre o assunto e definir seu posicionamento nos próximos dias.
Rodrigo Mariano/Senge RJ
Com informações do Movimento VAT, Carta Capital e CNN