Rogério Almeida e Nonato Masson (*)
Da Carta Maior
É a agenda negativa marcada por péssimos indicadores sociais, concentração de renda, seca, conflito por terra, trabalho escravo e corrupção que costuma conferir visibilidade ao estado Maranhão, um dos mais empobrecidos da União. No entanto, no ano passado, com o agravamento da crise no Complexo Penitenciário de Pedrinhas, na região metropolitana de São Luís, colocou o estado no centro das atenções nacionais e internacionais, em particular pelas cenas de barbárie de decapitação de presos.
61 detentos foram mortos, sendo 59 em 2013 e dois em 2014, conforme dados oficiais. Ativistas de movimentos sociais, familiares de apenados e agentes prisionais que acompanham a situação avaliam que o número pode ser bem maior. Existem rumores de moradores adjacentes ao complexo de cemitério clandestino nos fundos da casa penal. Quando dos motins o número de mortos é subestimado, e a segurança da casa e grupos rivais otimizam a situação para “acerto de contas,” detona um funcionário público, que explica: “quando o Estado divulga 10 mortos, calcule uns 20”.
Em relatório de outubro do ano passado realizado por um coletivo de instituições sociais após uma rebelião, indica que os agentes prisionais abusaram do poder de repressão. Depoimentos dos presos denunciam que os agentes gritavam que era “Operação Carandiru”, que era para atirar para matar.
Um detento conhecido como “Irmão Idenilson” foi assassinado pelo Estado quando transportava um celular para agentes prisionais para auxiliar nas negociações na rebelião de outubro de 2013. Ele foi escolhido por não integrar nenhuma das organizações e por ser evangélico. O mesmo relato atesta que inúmeros detentos feridos à bala ficaram por vários dias sem nenhum atendimento, banho e água potável.
Desde o fim de 2013 a Força Nacional e a Tropa de Choque da Polícia Militar ocupam o complexo. A medida acentuou a tensão na casa prisional. A Força Nacional em outras ocasiões já esteve em Pedrinhas. O saldo tem sido a acentuação da coerção, com registros de tortura, conforme relatos de detentos.
Os mesmos informam que com a “militarização” de Pedrinhas a rotina tem sido marcada por tiros de balas de borracha, inclusive nas madrugadas, proibição de visitas, espancamentos, retirada de objetos das celas entre os quais os ventiladores. O que acentua o ambiente insalubre das celas. O ano novo foi inaugurado com mais mortes no presídio, truculência policial e a instituída revista diária em todas as celas.
No atual contexto o preso tem sido tratado como um “inimigo do Estado”, privado da convivência familiar e redução da integridade física e psicológica. A reação foi ataque a duas delegacias e ao transporte coletivo de São Luís. A ordem foi dada pelo Bonde dos 40, uma das facções que rivalizam no Maranhão.
O saldo foi ônibus queimados e a morte da criança de seis anos, Ana Clara, além do toque de recolher. No presídio a ordem é a execução dos das pessoas envolvidas na morte da criança. A situação disparou o gatilho de pedido de intervenção federal. A cidade vive um clima de pânico. A medida adotada pela cúpula do governo é a intensificação da violência no complexo.
Superlotação – Como em outros estados da União, a superlotação é um dos problemas que conformam a situação drástica do complexo penitenciário do Maranhão. Situação que se agrava com a morosidade da Justiça. Em Pedrinhas existem internos com mais de três anos de detenção, que nunca tiveram instrução processual.
Conforme dados de entidades da sociedade civil, dentre as quais a Rede Nacional de Advogados Populares (Renap) a população carcerária maranhense é uma das menores do país. São 5.417 que se acotovelam com a capacidade instalada de 2.219. Existem mais de 3 mil seres humanos além da capacidade em condições marcadas pela insalubridade, acúmulo de lixo, ratos e baratas.
As entidades avaliam que a situação inviabiliza o controle do presídio, favorece a formação de grupos rivais, e consequentemente rebeliões. Na mais sangrenta ocorrida em 2010, 18 detentos foram mortos e três decapitados. O relatório da Renap adverte que o apogeu da crise ocorreu no dia 09 de outubro de 2013, na Casa de Detenção (Cadet), que integra o Complexo de Pedrinhas, quando 09 internos foram executados com armas de fogo, e pelo menos 20 escaparam lesionados. O estado lidera o índice de presos mortos do país.
O relatório das entidades e outros segmentos alerta ainda para a concentração de casas penais na capital, que priva o preso do contato com a família, que em ocasiões migra para o entorno do complexo.
Pedrinhas por dentro – Oito unidades integram o Complexo Penitenciário de Pedrinhas: Centro de Triagem (Velha e Nova), Centro de Detenção Provisória (CDP), Presídios São Luís I e II, Central de Custódia de Presos de Justiça (CCPJ), Penitenciária de Pedrinhas (PP), a Penitenciária Feminina e a Central de Detenção (Cadet). Esta considerada a mais crítica.
A Cadet foi destruída no ano passado. A mesma é avaliada arquitetonicamente como não apropriada para abrigar presos. Apesar da avaliação o estado está reformando o prédio. Defensores dos direitos humanos ponderam tratar-se de um desperdício do recurso público e defendem a imediata implosão do prédio.
Um agente penitenciário informa que as celas não são fechadas. É comum os detentos ficarem nos corredores munidos de armas. Por ocasião de visitas íntimas, lençóis garantem a precária privacidade. Nos corredores do complexo existem grafites com a marca da organização que controla aquele pavilhão seja BD40 ou Primeiro Comando do Maranhão (PCM).
Advogados alinhados na defesa dos direitos humanos argumentam que a redução da população carcerária é a saída para a crise. O mesmo complexo abriga jovens que acabaram de ser presos acusados de terem cometido pequenos furtos, com homens maduros com sentenças às vezes acima de 30 anos. Sem falar em idosos, doentes mentais, tuberculosos, portadores do vírus HIV, entre outros casos.
O complexo não conta com bloqueador de celular. A utilização de aparelhos faz parte da rotina dos detentos, assim como o uso de maconha. Nos bastidores do complexo um pente de pistola Ponto 40 pode custar até R$ 10 mil, enquanto a pistola chega a ser negociada por R$ 25 mil, conta um informante.
“Facções criminosas” ou “Organizações políticas que cometem crimes”? – Primeiro Comando do Maranhão (PCM) e Bonde dos 40 rivalizam o controle dos presídios e delegacias no interior e capital. Além dessas há outras organizações menores como os Anjos da Morte (ADM), Primeiro Comando da Ilha (PCI) e o Bonde dos 300. O PCM foi fundado em 08 de novembro de 2003, o Bonde dos 40 deve ter três ou quatro anos e as outras são mais recentes. O Bonde hegemoniza o domínio em São Luís, enquanto o PCM comanda o interior do Estado.
Com a superlotação e centralização dos presos do Estado apenas em São Luís (registrando que o Maranhão a maioria da população vive no interior) gerou conflitos entre presos da capital e presos do interior, chamados de presos “da baixada”. Os presos da capital construíram o discurso de que Pedrinhas estava lotada por conta dos presos do interior, e que estes não deveriam estar ali. A situação resultou na execução de vários presos.
Os provenientes do interior pelo fato de distantes de suas famílias e impedidos de receber visitas organizaram-se para reivindicar seus direitos, e fundaram o Primeiro Comando do Maranhão, que já completou dez anos. Em seu estatuto de 21 artigos, o artigo 4º dispõe “O comando não apoia e nem nunca vai apoiar discriminação contra qualquer preso sendo da capital e do interior, porque somos todos iguais perante o crime” e o Artigo 11 reza “A liberdade contra a opressão dentro ou fora do sistema carcerário”.
Em seu Artigo 9º determina “A disciplina serve para todos sem exceção, por isso o comando não rouba nem permite extorsão na comunidade”, apresentando para que as faltas serão sempre “severamente punidas”.
O Bonde dos 40, uma alusão à fábula de Alibabá e os 40 ladrões possui página em rede social. Num deles há mais de 3 mil “curtições”. A logomarca destaca os números 157 uma clara referência ao artigo do Código Penal que tipifica o assalto à mão armada. O emblema faz referência às Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (FARC). Uma pessoa aparece ao centro de um círculo com a cabeça protegida com uma toca ninja e o escudo no ombro com as cores das FARC´s.
Em sites é fácil encontrar vídeos que fazem apologia ao grupo. Ele promove festas em bairros da periferia de São Luís controlados pela organização. Entre eles constam Bairro de Fátima, Liberdade, Vila Embratel, Portelinha, Barreto, São Francisco e Divinéia.
Preso tem medo de morrer – Aqueles que não aderem a nenhuma das organizações são os mais vulneráveis, pois ficam sem qualquer proteção dentro do sistema penitenciário. A maioria decide ingressar em uma das organizações logo nos primeiros dias após a prisão. Um jovem de pouco mais de 20 anos que cumpre pena por tráfico e associação teme pela vida. Ele esclarece que o assédio para que o detento vire “soldado” de uma das organizações é constante. A vida é moeda de troca. A pressão é menor apenas entre no pavilhão de presos evangélicos. Hoje prender mais é arregimentar a cada dia mais soldados para as organizações.
Segurança terceirizada – Três empresas terceirizadas respondem por 70% do pessoal do complexo penitenciário. As entidades alertam que a medida do governo do Maranhão é inconstitucional. Elas faturam mais que o Estado recebeu do governo federal como auxílio para a construção de novas casas penais, R$ 22 milhões. Somente em aditivo o governo maranhense paga perto de R$ 50 milhões para duas empresas, Atlântica Segurança e a VTI “Serviços, Comércio e Projetos de Modernização e Gestão Corporativa.”
Não existe estado da União onde os vícios da República se desenvolveram com tamanha desenvoltura como no Maranhão, em particular o patrimonialismo. Uma das principais empresas que fatura em Pedrinhas, a Atlântica, oficialmente tem como cacique Luiz Carlos Cantanhede Fernandes, sócio de Jorge Murad, marido da governadora. A empresa é a mesma do escândalo ocorrido há 12 anos, conhecido como Lunus, quando a PF apreendeu mais de um milhão de reais. A Lunus tem como proprietários Roseana e Murad.
Nunca na história deste país, quiçá da República, uma família desempenhou com tamanha competência a capacidade em apropriação do Estado para garantir-lhe a reprodução econômica, social e política, como a do patriarca Sarney. Aos não iniciados no riscado, ler Honoráveis Bandidos, biografa risonha assinada pelo paraense Palmério Dória.
O Maranhão é um estado pauperizado, considerado um dos principais exportadores de tensões sociais do país. Dos 19 mortos no Massacre de Eldorado em 1996, 11 eram maranhenses. O estado lidera o número de trabalhadores libertos em situações análogas à escravidão no Amazônia e fora dela. Nos rincões da Amazônia é comum comunidades formadas a partir da migração de maranhenses, a exemplo de Anapu, na região do Xingu paraense, onde a missionária Dorothy Stang foi assassinada.
Alarme vermelho da crise – Rebelião na delegacia do município de Pinheiro, em fevereiro de 2011, liderada pelo jovem José Ramiro, na época com 18 anos condenado por furto poderia ter servido como alarme vermelho sobre o quadro do sistema penal do Maranhão.
Na ocasião, Ramiro comandou uma rebelião na cidade natal do ex presidente Sarney. Seis presos tiveram a cabeça decepada.O argumento de Ramiro, preso por furto era não ser deslocado para São Luís, onde seria fatalmente executado por ser “da baixada”. Hoje ele cumpre pena em presídio federal em Rondônia.
Mais presídios – Em meio ao caos o governo Roseana Sarney promete a ampliação do número de vagas com a construção de presídios com capacidade para mais de 300 homens em cidades satélites no interior do estado, entre elas, Pinheiro, Balsas, Santa Inês e Brejo, além da ampliação de outros, um deles invadindo o território do quilombo Piratininga, no município de Bacabal. Além da construção de mais um presídio na ilha de São Luís.
Ao mesmo tempo licita a compra de 80 kg de lagostas, uma tonelada e meia de camarão, bombons e outros mimos para a residência do governo. A cesta básica da casa esta orçada em R$1 milhão, denuncia coluna da Folha de São Paulo.
Essas medidas devem agravar o quadro de tensão no sistema penitenciário. As entidades de direitos humanos defendem a criação de uma força tarefa que defina quem pode ser solto e quem já deveria estar solto, outras medidas podem ser tomadas entre as quais a prisão domiciliar ou tornozeleira eletrônica.
E argumentam que unidades prisionais com mais com capacidade acima de 100 homens são inadministráveis, quanto menor a unidade mais eficiente é o planejamento de administração. E São Luís tem muita vaga no Complexo de Pedrinhas, não precisamos de mais. É necessário uma força tarefa dos órgãos de justiça (Judiciário, Ministério Público e Defensoria Pública) para rever todos os processos dos detentos de Pedrinhas, que estão hoje em situação desumana e sob tortura.
Manifestações da sociedade – A sociedade de São Luís hoje se movimenta para discutir a questão penitenciária e tentar construir uma saída para a crise. No bairro do Cohatrac ocorreu um debate organizado pelo Movimento Sebo no Chão, tem sido constante a reunião de jovens numa “Assembléia Popular” e 10 em janeiro o movimento “Acorda Maranhão” organizou uma passeata pelo Centro da cidade em que a pauta consta o impeachment da governadora Roseana Sarney, a desmilitarização da PM e o destencionamento do sistema carcerário. Há esperança de que melhores dias viram. Sem violência e sem cadeias!
(*) Rogério Almeida é autor de Pororoca pequena: marolinhas sobre a (s) Amazônia (s) de cá\ Banco da Amazônia\2013. Nonato Masson é advogado criminalista no escritório Onidayô Advocacia e membro da Rede Nacional de Advogados Populares – RENAP.