Militar admite farsa no caso Rubens Paiva

O general reformado Raymundo Ronaldo Campos revelou que o Exército montou uma farsa

Escrito por: O Globo

O depoimento de um militar da reserva joga luz sobre o caso do ex-deputado Rubens Beirodt Paiva, desparecido no dia 20 de janeiro de 1971, depois de ser levado para a carceragem do Destacamento de Operações de Informações do 1º Exército (DOI-I), na Tijuca. O general reformado Raymundo Ronaldo Campos revelou que o Exército montou uma farsa ao sustentar, na época, que Paiva teria sido resgatado por seus companheiros “terroristas” ao ser transportado por agentes do DOI no Alto da Boa Vista. Raymundo, que era capitão, conduzia o veículo supostamente atacado e estava na companhia dos sargentos e irmãos Jacy e Jurandir Ochsendorf.
O general, que passou os últimos 43 anos sustentando a farsa, mudou a versão sobre o episódio em depoimentos ao Ministério Público Federal e à Comissão Nacional da Verdade. Ele admitiu que recebera ordens do então subcomandante do DOI, major Francisco Demiurgo Santos Cardoso (já falecido), para levar um Fusca até o Alto da Boa Vista e simular o ataque. Raymundo e os dois sargentos metralharam e incendiaram o carro, jogando um fósforo aceso no tanque de combustível.
Na época, Raymundo afirmou que, durante a abordagem no Alto da Boa Vista, “todos se jogaram no chão para proteção do ataque, logo a seguir se postaram para revidar ao ataque, momento em que viram uma pessoa atravessar a rua em meio a outro carro”, pouco antes de Rubens Paiva fugir. Agora, na nova versão, admitiu que tomara conhecimento da morte de Paiva antes de seguir para o local da farsa.
Até então, duas provas indicavam que Paiva dera entrada e provavelmente fora morto sob torturas no DOI da Tijuca, depois de ser preso em casa, no Leblon, por uma guarnição da Aeronáutica: o depoimento de Amilcar Lobo, ex-tenente médico que atendia torturados e teria tentado socorrer o ex-deputado, quando este já agonizava; e um ofício encontrado na casa de um ex-comandante do DOI-I, coronel Júlio Molinas Dias, contendo o nome completo do político (Rubens Beirodt Paiva), de onde ele foi trazido (o QG-3), a equipe que o trouxe (o CISAer, Centro de Inteligência da Aeronáutica), a data (20 de janeiro de 1971), seguido de uma relação de documentos, pertences pessoais e valores do ex-deputado. Na margem esquerda do documento, à caneta, constava uma assinatura, possivelmente de Paiva.
Esses documentos foram descobertos na casa do coronel Molinas Dias, em Porto Alegre, depois da morte do militar, executado com 15 tiros em novembro de 2012. Ele teria sido vítima de traficantes de armas.
A acusação que pesava sobre o ex-deputado era manter correspondência com exilados brasileiros no Chile. Agentes da Aeronáutica, armados com metralhadoras, invadiram a casa de Rubens Paiva na manhã de 20 de janeiro, para prendê-lo, sem apresentar um mandado de prisão. Ele teve tempo de se arrumar e saiu de terno e gravata, guiando o próprio carro. A recuperação posterior desse carro em poder dos militares seria outra prova de que o ex-deputado fora preso, embora os órgãos de repressão negassem na época.
O caso é uma das prioridades do grupo de trabalho “Justiça de Transição”, formado pelo Ministério Público Federal para investigar as graves violações dos direitos humanos cometidas durante o regime militar (1964-1985), e das comissões nacional e estadual da Verdade.
Outro oficial da reserva, cuja identidade está sendo preservada, mas que pertencia ao Pelotão de Investigações Criminais (PIC), vizinho ao DOI, contou à Comissão Nacional que também teria visto um preso parecido com Rubens Paiva em uma das celas do DOI. Ele forneceu os nomes de seus carcereiros, que são alvo de investigações. Um deles ainda é vivo e figura também entre os torturadores da Casa da Morte de Petrópolis. Deverá ser convocado a depor, embora alegue que está doente.

 

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