Moradores da Vila Autódromo, no Rio, onde a prefeitura derrubou duas casas na manhã de terça-feira (8), na Barra da Tijuca, promoveram um ato contra as demolições no local. A área concentra várias arenas esportivas da Olimpíada de 2016, e teve a maioria das residências removidas para viabilizar os acessos ao Parque Olímpico. Algumas famílias deram entrevista coletiva à imprensa na tarde do mesmo dia.
Uma das casas demolidas foi a da diarista Maria da Penha Macena, que há dois dias soube que iria receber, na noite de hoje, a Medalha de Mulher Cidadã, em cerimônia na Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro (Alerj). Ela se disse muito triste com a demolição da casa em que morava há 23 anos, mas feliz com a homenagem que lhe dá forças para continuar na luta.
“Eu acho que a demolição da minha casa foi muito difícil, é muito triste. Por outro lado, essa medalha vai ser uma alegria, porque tudo na vida tem um lado que a gente perde e ganha de outro. E essa medalha vai me fortalecer para continuar firme na luta e dizer que as mulheres são guerreiras, estão lutando e que vão continuar lutando”.
Agora, ela e a família estão abrigados na igreja da comunidade, e sem perspectivas para o futuro. “Meu sonho é permanecer dentro da comunidade urbanizada, e com meus direitos garantidos, respeitados. Vou ficar na igreja católica, junto com a minha família e outra moradora que também não tem casa. Eu estou simplesmente esperando o que vai acontecer ainda, e não tenho nenhuma expectativa de nada, só sei que, hoje, vou dormir na igreja”.
De acordo com o marido de Maria da Penha, o professor Luiz Cláudio Silva, entre 40 e 50 famílias ainda permanecem na Vila Autódromo. Ele disse que o local é legalizado, já que dois governadores deram a concessão de uso e a Lei Complementar 74 designou a área como especial interesse social para fim de moradia.
“O prefeito sempre se mostrou muito difícil conosco, chegou a nos desafiar a mostrar um projeto que viabilizasse a urbanização da comunidade sem o impacto das obras do Parque Olímpico. No caso, ele abraçaria a causa e urbanizaria a vila. Buscamos apoio de técnicos da UFF e da UFRJ, elaboramos o Plano Popular da Vila Autódromo, que ganhou o prêmio internacional de urbanismo do banco alemão [primeiro lugar no Urban Age Award, em 2013], levamos para ele, que ficou de responder em 40 dias, e não nos respondeu, simplesmente chutou o projeto”.
Morador da Vila Autódromo há quase 30 anos, o encarregado de montagem industrial Telmo de Oliveira diz que, ao mesmo tempo em que o prefeito Eduardo Paes anuncia que parte da comunidade será preservada, funcionários da prefeitura aterrorizam os moradores.
“Na mídia, o prefeito fala que vai respeitar o pessoal do miolão, como ele chama a área especial de interesse social, da Lei Complementar 74. Mas, na realidade, os funcionários da prefeitura falam o tempo todo que não vai ficar ninguém na área. A ordem é: ou você aceita pelo amor ou pela dor. Nós procuramos o COI, uma época, e no projeto do COI constava a comunidade do lado do Parque Olímpico. Eles falaram que não queriam a nossa remoção. Então, não entendemos porque temos que sair dali. É como viver numa guerra, o tempo todo sendo coagido e ameaçado, não podemos fazer nem uma festa”.
O ato e a coletiva dos moradores ocorreram em frente ao Palácio da Cidade, sede da prefeitura, em Botafogo, zona sul da cidade, onde o prefeito anunciaria as obras de urbanização na Vila Autódromo. Porém, o prefeito mudou o local de sua conversa com a imprensa para o Centro de Operações, na Cidade Nova, no centro.
Plano de urbanização
Em coletiva de imprensa, o prefeito Eduardo Paes apresentou um plano de urbanização da Vila Autódromo. Segundo ele, todo o espaço estará pronto antes dos Jogos Olímpicos. Serão 30 residências, duas escolas e duas quadras esportivas. O custo, segundo o prefeito, será de R$ 3,5 milhões.
Paes sustentou que, das 824 famílias que originalmente habitavam o local, somente 25 ainda permanecem na vila. As demais foram realocadas em conjuntos habitacionais construídos pela prefeitura. Paes disse que sempre houve diálogo com os moradores.
“Dialogamos com respeito, durante anos e anos. Com todo este ambiente que se criou em torno da Vila Autódromo, no final a verdade prevalecerá.”
O prefeito prometeu liberar em breve uma lista com o nome dos beneficiários que receberam vários apartamentos em troca de seus antigos imóveis. “Aqueles que tinham mais de dez imóveis, que transformaram a Vila Autódromo num espaço de latifúndio, usando pessoas mais pobres, toda a população vai conhecer. Vão saber quantos apartamentos eles receberam como indenização e o quanto receberam de recursos. Não vamos permitir que pessoas que saíram dali com uma negociação bastante vantajosa se utilizem dessa oportunidade para se fazerem de vítimas”, disse o prefeito.
A remoção da maior parte dos moradores da Vila Autódromo foi necessária, segundo a prefeitura, não só para viabilizar os acessos ao Parque Olímpico, mas para preservar as áreas ambientais no entorno da Lagoa de Jacarepaguá.