No 8 de março, mulheres dirão “basta” à violência e à retirada de direitos

Nas vésperas do 8 de março, Maíra Kubík fala como surgiu a data e a relevância da luta contra a reforma da Previdência

Fonte: Brasil de Fato

No próximo 8 de março, quando é celebrado o Dia Internacional da Mulher, mulheres de todo o mundo organizam uma greve geral, contra os retrocessos e pela garantia de direitos. Aqui no Brasil, a principal pauta dos movimentos feministas é a luta contra a reforma da Previdência, que afeta diretamente a vida das mulheres, além da retirada de direitos sociais promovida pelo governo Temer.

Para entender melhor esse e outros temas da luta das mulheres, a Radioagência Brasil de Fato conversou com Maíra Kubík, jornalista e professora do departamento de Gênero e Feminismo da Universidade Federal da Bahia. A professora explica que é possível “enxergar o machismo em todos os momentos do nosso cotidiano, porque ele quer dizer que as mulheres estão em uma posição social inferior aos homens”, diz.

As mulheres, no entanto, “estão reagindo”, pontua Kubík. “E isso é que é o símbolo do 8 de março: as mulheres dizerem ‘não'”, completa a professora.

 

Confira a entrevista na íntegra:

 

Brasil de Fato: Primeiro vamos falar um pouco sobre o 8 de março. Nesta data, muitas mulheres recebem flores, seja de lojas, no comércio, de familiares ou companheiros. Mas a data tem um outro significado, inclusive histórico. Então, conta pra gente qual a importância do 8 de março e como ele surgiu?

Maíra Kubík: Primeiro eu queria agradecer o convite, eu valorizo muito o Brasil de Fato, a comunicação popular que é feita ai. O 8 de março surge como uma manifestação das mulheres trabalhadoras, em consequência de uma série histórica de desrespeito às condições de trabalho, principalmente nos Estados Unidos e na Europa, no século XIX e começo do século XX.

Naquela época, as condições de trabalho nas fábricas eram muito duras, principalmente nas fábricas de tecido e tecelagem, onde as mulheres trabalhavam, em sua maioria. Não tinha ventilação ou rota de fuga, havia horas extenuantes de jornada — elas trabalhavam 12, 16 horas por dia — e mesmo crianças trabalhavam. Várias vezes ocorreram incêndios nesses locais de trabalho e muitas mulheres morreram por conta dessa condição muito precária das fábricas. As mulheres começaram a protestar contra isso, reivindicando que elas tivessem melhores possibilidades de trabalho. Essas manifestações começaram a ser chamadas de “dias das mulheres”.

Em 1917, quando aconteceu a Primeira Guerra Mundial na Europa, a Rússia era um dos países que estava participando desse conflito. As condições de trabalho lá eram muito ruins e, além disso, a população estava vivendo uma situação de fome muito severa por conta da guerra. Então, as mulheres, no dia 8 de março de 1917, saíram para protestar contra todas essas questões. E essa data — que já vinha tendo um acúmulo histórico de manifestações das mulheres ao longo de outros momentos e outros anos — foi definida como o dia das mulheres: o 8 de março.

As desigualdades, o machismo, fazem parte da nossa sociedade, mas muitas vezes acabam sendo tratados como normais. Então você, que luta pela igualdade entre homens e mulheres, como poderia explicar para as nossas ouvintes de que forma se manifesta esse machismo?

Eu acho que a gente pode enxergar o machismo em todos os momentos do nosso cotidiano, porque ele quer dizer que as mulheres estão em uma posição social inferior aos homens. E elas estarem em uma posição inferior — e é importante dizer que elas “estão” nessa posição e não “são”inferiores — faz com que as mulheres possam sofrer diversos tipos de abuso, desrespeito, violência, porque são consideradas menores.

A gente pode pensar, por exemplo, nos casos mais graves de assassinato, que chamamos hoje de “feminicídio”, ou seja, o assassinato contra as mulheres pelo fato de elas serem mulheres. Vemos muito isso nos meios de comunicação: aquele namorado possessivo, que não se conforma com o fim da relação, e mata a ex, ou sequestra, estupra. Mas também vemos isso em muitos outros aspectos cotidianos, como quando estamos nas ruas e levamos uma cantada. Isso também é uma demonstração dessa posição de superioridade na qual os homens se colocam. Eles acham que podem se dirigir à gente, sem que nem conheçamos eles, e dizer o que acham do nosso corpo. E a gente nem pode reagir, porque, se reagir, pode ter uma violência ainda maior.

Só que a questão é que as mulheres estão reagindo, e isso é que é o símbolo do 8 de março: as mulheres dizerem “não”. “Não queremos estar nessa posição, nós somos seres com direitos, com dignidade, e não queremos estar neste lugar de violência em que vocês nos colocam”. A gente pode ver isso também em relação, por exemplo, às desigualdades salariais, quando as mulheres ganham menos que os homens para ocupar as mesmas funções; e também na divisão dos trabalhos dentro de casa, quem lava a louça, cuida da roupa, faz a faxina, cuida das crianças, geralmente são as mulheres. Mas tudo isso é uma construção social que as mulheres vem denunciar, especialmente, no 8 de março.

Pelo mundo, muitas intelectuais e ativistas feministas vêm convidando as mulheres para uma greve geral. De forma simbólica e na prática, o que isso significa, que impacto causaria uma “greve geral das mulheres”?

Essa questão da greve geral das mulheres surgiu nos Estados Unidos e quem convocou ela foi uma feminista histórica do movimento negro, a Angela Davis. Ela fez isso em relação, principalmente, ao enfrentamento que elas estão fazendo com o novo presidente dos EUA, Donald Trump, que tem um comportamento muito agressivo em relação às mulheres. Ele é o típico estereótipo do homem machista, que acha que pode maltratar, violentar. Elas estão ali para dizer que não aceitam isso, especialmente vindo da Presidência da República.

Acho que a gente pode fazer um paralelo porque também estamos vivendo um momento muito difícil em relação à representatividade das mulheres na política. Tivemos um golpe no ano passado, em que uma presidenta mulher foi deposta e, logo depois, assumiu um Ministério exclusivamente de homens. Isso diz muito sobre a exclusão das mulheres desse espaço institucional que a gente conquistou a tão duras penas e com tanta luta.

Então, acho que a greve das mulheres vem simbolizar esse movimento de resistência aqui no Brasil, nos Estados Unidos e no mundo inteiro, das mulheres dizendo esse “basta”. Não queremos mais mortes, mais nenhum tipo de violência e queremos ocupar todos os espaços. Tenho a expectativa de que vai ser um movimento de adesão ampla em que as mulheres vão parar suas atividades e protestar nas ruas dizendo isso para toda a sociedade.

Pra terminar essa nossa conversa, aqui no Brasil, a reforma da Previdência é um dos principais temas que os movimentos feministas vão levar para às ruas neste 8 de março. Gostaria que você comentasse um pouco deste tema e de outras pautas que os protestos de mulheres trazem para este ano.

A questão da reforma da Previdência é muito grave e tem vários aspectos. Gostaria de destacar um deles, que é a diferença das idades na aposentadoria. No Brasil, as mulheres podem se aposentar um pouco mais cedo que os homens. Isso foi uma conquista histórica da Constituição de 1988, quando o Estado brasileiro reconheceu que as mulheres trabalham mais do que os homens, porque elas têm um emprego formal nas ruas e, depois que trabalham o dia inteiro fora, chegam em casa e também trabalham. São as pessoas que ficam mais responsáveis pelos cuidados domésticos, com as crianças e, também, com os idosos da família. Elas são responsáveis por uma série de funções e tarefas que os homens não são.

O que a reforma da Previdência vai fazer é retirar esses direitos das mulheres, e isso é muito grave. A gente ainda não chegou em um patamar de sociedade em que homens e mulheres tenham trabalhos equivalentes também dentro de casa e dentro das famílias. As mulheres continuam sendo as que trabalham mais, então elas deveriam manter esse direito de se aposentar mais cedo pelo reconhecimento desse trabalho. Mas não é isso que vai acontecer se essa reforma passar. Por isso que essa pauta é tão importante para o movimento de mulheres e vai ser central neste 8 de março.

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