Um cenário desolador e perverso. Foi assim que Agamenon de Oliveira, trabalhador do Centro de Pesquisas de Energia Elétrica (CEPEL) há 42 anos, relatou o que funcionários e funcionárias concursados vivem hoje na Eletrobras privatizada. Em entrevista ao jornalista Mauro Lopes, no programa matinal do canal de Jones Manoel, Manhã Brasil, Agamenon denunciou a instalação de uma cultura autoritária na gestão da empresa, caracterizada pela constante perseguição aos funcionários.
Entregue ao mercado financeiro nos últimos dias do governo Bolsonaro, em um processo eivado de vícios jurídicos, a empresa que já foi orgulho nacional, iluminando o Brasil com um sistema integrado sem paralelos no mundo, se transformou em fonte de receitas imediatas para acionistas que não têm conhecimento, consciência ou sequer interesse na missão da Eletrobras: garantir energia barata para os brasileiros e brasileiras.
Hoje, a distribuição de dividendos aos acionistas é o objetivo final e, para maximizar lucros, a diretoria não poupa esforços. No início do mês, cerca de 90 funcionários com deficiência foram demitidos. “Eram trabalhadores que ganham entre dois e três salários mínimos. Nem do ponto de vista dos custos isso faz sentido. O movimento sindical vem resistindo, organizando manifestações. Esperamos que isso se resolva, ainda que juridicamente, para evitar esse tipo de ação perversa”, defende Agamenon.
O próprio Agamenon foi vítima da perseguição sofrida pelos funcionários mais antigos, parte de uma política explicitada pela própria diretoria da empresa. Após testemunhar em favor da bibliotecária-chefe que havia sido demitida, destacando que a empresa havia verbalizado, em mesa de negociação, o objetivo de demitir os trabalhadores mais antigos, Agamenon entrou na mira da diretoria.
“Duas semanas após a liminar que devolvia o emprego à trabalhadora, passei na biblioteca para saber se ela já havia sido reintegrada. Conversei por um minuto e 14 segundos com as bibliotecárias. Eles usaram isso para tentar me demitir por justa causa, sem sequer conversar comigo. Mesmo que houvesse alguma briga ou desentendimento interno, há mecanismos para averiguar. Eles foram direto à justiça, alegando que eu teria tentado intimidar as moças. Uma construção fraudulenta e maliciosa de perseguição. Após analisar as imagens das câmeras, a justiça me deu ganho de causa. Mas é dessa forma que a direção da Eletrobras vem atuando”, conta Agamenon.
Urgência e precedentes
Com uma visão realista dos fatos, Agamenon aponta que, embora o acordo recente do governo com a diretoria da empresa tenha jogado a pá de cal sobre a esperança de reestatização na atual conjuntura – trocando seu poder de voto, correspondente a 43% das ações na assembleia de acionistas, por cadeiras no conselho administrativo –, não há nenhuma possibilidade de o Brasil completar a transição energética imposta pelo colapso climático sem o controle da Eletrobras.
“A retomada das empresas de geração de energia e saneamento vem acontecendo em diversos locais na Europa por um mesmo motivo: não é possível fazer política de Estado sem instrumentos de Estado. As políticas para a transição energética são urgentes. Já vivemos os enormes impactos do colapso climático. Sem a Eletrobras, o Brasil não conseguirá enfrentar o desafio. Principalmente em um cenário em que quem tem 1% das ações manda mais do que o Poder Público, com 43%”, apontou Agamenon.
O dirigente do Senge RJ destaca que, embora o governo Lula não tenha conseguido cumprir as promessas de campanha, aumentando o poder do Estado sobre a empresa, há um longo precedente de uma lenta privatização da empresa, sem reação incisiva dos primeiros governos Lula e Dilma.
“As circunstâncias se impõem e quem está dirigindo a Eletrobras privatizada sabe que serão afastados em curto/médio prazo. Eles sabem que a vida deles na direção da Eletrobras será curta”
“A privatização vem acontecendo desde o governo Fernando Henrique Cardoso, sem que os governos Lula e Dilma tenham feito movimentos contrários, na direção da retomada. Neste governo Lula 3, acredito que a avaliação do desgaste que o governo iria bancar e a correlação de forças internas, dentro do partido, e externas, em relação ao Congresso, evitaram uma ação mais contundente. Mas o precedente já existia. A Eletrobras nunca foi a menina dos olhos do presidente Lula, como é a Petrobras. Não seria problema se ele tivesse uma política mais voltada ao sistema elétrico”, defendeu.
A conjuntura nacional e mundial, no entanto, se impõe e, segundo Agamenon, não há caminhos para o Brasil sem a retomada do poder do Estado sobre o sistema elétrico. “A conjuntura internacional aponta no sentido de corrigir a crise climática para a nossa própria sobrevivência. É uma corrida contra o tempo. Já estamos vivendo os impactos e, para mitigar os problemas do clima, a transição energética é inevitável. E isso é feito pelo sistema elétrico. Sem instrumentos para fazer política, o governo terá que tomar uma atitude muito mais drástica. As circunstâncias se impõem e quem está dirigindo a Eletrobras privatizada sabe que serão afastados em curto/médio prazo. Eles sabem que a vida deles na direção da Eletrobras será curta”, finaliza.
Texto: Rodrigo Mariano/Senge RJ | Foto:Youtube/Reprodução