“Pergunte a qualquer jovem Cadete saindo da Academia Militar das Agulhas Negras (AMAN) sobre a Força Expedicionária Brasileira (FEB) e ele dirá que nada sabe”. A lamentável afirmação é de João Cláudio Platenik Pitilo. Ele é historiador, mestre em História Comparada pela UFRJ, doutor em História Social pela UNIRIO e pós-graduado em História Política pela UERJ. Mas seu título mais exclusivo é também um que considera vergonhoso para o país: ele é o único brasileiro a escrever um livro sobre o Exército Vermelho, responsável pela derrota do nazifascismo alemão.
A solidão de Pitilo no mercado editorial sobre a mais importante vitória militar da história moderna reflete o apagamento sistemático promovido pelas Forças Armadas e por diferentes governos brasileiros. Em edição especial do Soberania em Debate, em 22 de maio, Pitilo destacou que “a participação brasileira na Segunda Guerra Mundial foi soterrada. A história da FEB foi escondida, escamoteada e, lamentavelmente, nem os governos progressistas se esforçaram para colocá-la em seu devido lugar”.
O apagamento tem funcionado dentro e fora do país. O historiador conta que, convidado pelo governo da Bielorrússia para as comemorações deste ano, foi visto “como um ET entre europeus, asiáticos e africanos, que queriam saber o que um brasileiro estava fazendo ali”. Na mesma ocasião, visitou veteranos da Segunda Guerra para colher memórias de fontes primárias cada vez mais escassas com o passar das décadas. Em ambas as situações, Pitilo teve que explicar que o Brasil foi importante para a vitória do Exército Vermelho em Moscou. A surpresa era geral.
Barreiras do conhecimento
Nem academia, nem Poder Público vêm atuando para mudar essa realidade. Muito pelo contrário: Pitilo conta que, embora a bibliografia soviética em português e espanhol seja abundante – duas livrarias no centro da cidade dedicavam-se apenas à sua venda e distribuição – há forte resistência dentro da academia para que o tema seja objeto de pesquisa no Brasil.
“Quando decidi que minha monografia seria sobre o Exército Vermelho, nenhum professor quis me orientar. Diziam que o tema estava superado. Fui privado de escrever sobre a União Soviética na academia, ela refutava. Foi preciso reorientar a área de estudos para a participação brasileira na guerra”, conta o historiador. Em paralelo, ele reuniu informações e promoveu estudos sobre a força soviética, que fincou a bandeira vermelha sobre o Reichstag alemão, marcando o fim do horror.
“Nos meus estudos, tive acesso a documentos históricos intocados desde o seu arquivamento. Há, por exemplo, uma carta em que Dutra chama Vargas de louco por enfiar o Brasil em uma guerra. Todos os altos comandantes militares brasileiros eram radicalmente contra”, aponta Pitilo. À época, as Forças Armadas defendiam a neutralidade que, ao fim e ao cabo, era um apoio tácito à Alemanha nazista.
Da mesma forma que a academia civil, a militar também não se dedica ao tema. Não se encontra, hoje, uma unidade do Exército, Marinha ou Aeronáutica onde a memória dos combatentes da Segunda Guerra esteja preservada. Nas academias militares, o assunto também não é tratado.
“O sonho dos militares brasileiros é que o Brasil assumisse a neutralidade que Argentina e Chile assumiram. Até 1943, eles sonhavam com a vitória alemã e a todo momento produziam relatórios dizendo que o cenário era indefinido e que o Brasil não podia se alinhar com os EUA”, conta.
O Brasil nas comemorações dos 80 anos da vitória
A presença do presidente Lula nas comemorações pelo octogésimo aniversário da vitória do Exército Vermelho foi, segundo o historiador, um acerto. Mas faltou posicionamento digno de um partícipe das comemorações. No desfile do Dia da Vitória, diversos países da Europa e África desfilaram seus pavilhões nacionais na grande parada militar. O verde e amarelo do Brasil não estava presente.
“A ida de Lula a Moscou foi um golaço mas, infelizmente, o presidente desperdiçou uma oportunidade de apresentar o relatório da participação brasileira naquele evento histórico. Deveríamos ter enviado tropas para o desfile. Nosso pavilhão deveria estar lá porque fomos partícipes da vitória. Vários países que deram contribuições menores estavam lá, com dois ou três soldados desfilando. Isso, para a memória, é importantíssimo”, destacou.
A participação brasileira na vitória sobre o Nazismo é tema da próxima matéria, na semana que vem. Mas a palestra já está na íntegra, no YouTube do SOS Brasil Soberano. Confira aqui.