O recente apagão que deixou centenas de milhares de residências em São Paulo sem energia revela não apenas a precariedade dos serviços da Enel, distribuidora de energia privatizada, mas também a falácia central do discurso neoliberal que tem dominado a política econômica brasileira, com interrupções, desde os anos 1990. Esse incidente, que pode se repetir a qualquer momento, expõe de forma clara que a privatização de setores estratégicos da economia, ao invés de trazer eficiência e preços justos, serve apenas para transferir lucros fabulosos aos acionistas, enquanto a população e o país ficam à mercê de serviços deficitários e caros.
A promessa de que a iniciativa privada, movida por uma suposta capacidade superior de gestão, seria mais eficiente que o Estado não passa de uma mentira bem embalada por publicitários apresentados como jornalistas. O que se vê na prática, como ficou evidente com o colapso dos serviços da Enel, é que a lógica do capital privado tem como único objetivo maximizar retornos, mesmo que isso signifique sacrificar investimentos em atendimento, infraestrutura, manutenção e modernização. A eficiência defendida pelo neoliberalismo nada mais é do que uma ânsia pela pilhagem de ganhos sem esforço, acumulados às custas de décadas de investimentos realizados pelos contribuintes e pela coletividade.
Desde que a Enel assumiu a distribuição de energia em São Paulo, os usuários enfrentam constantes aumentos de tarifas e um serviço cuja qualidade não está à altura das necessidades de uma metrópole. Este apagão é apenas mais um exemplo, mas o problema vai além da energia. A privatização desenfreada afeta também outros setores vitais, como o financeiro, a telefonia, o saneamento, a distribuição de água e até mesmo o setor petrolífero e petroquímico, todos entregues ao capital privado sem qualquer garantia de contrapartida à população e ao país.
Os exemplos de ineficiência e falta de compromisso com o interesse público são abundantes. Desde as primeiras privatizações, a partir da década de 1990, o que se tem visto é uma deterioração dos serviços e uma transferência de riqueza coletiva para mãos privadas. Enquanto isso, a população paga mais caro por serviços piores. As empresas privatizadas não têm qualquer incentivo para priorizar o bem-estar público ou o desenvolvimento do país. O interesse delas está nos lucros rápidos e no retorno aos acionistas, e não em garantir energia estável, água potável ou um sistema de comunicações acessível e de qualidade para todos.
A eficiência do capital estatal, por outro lado, pode ser vista em muitos exemplos bem-sucedidos no Brasil e no exterior. Empresas públicas, quando bem administradas, são capazes de atender às demandas sociais e econômicas com mais eficácia e responsabilidade. Formam comunidades de conhecimento fundamentais à soberania nacional. Elas não estão submetidas à pressão incessante por lucros e podem, portanto, atuar com vistas ao interesse público e ao desenvolvimento do país. Na Alemanha, França e até no Reino Unido, onde o movimento de privatizações também foi intenso nas últimas décadas, já se veem movimentos contrários. Na França, por exemplo, várias cidades reestatizaram seus sistemas de água após constatarem que a privatização havia levado ao aumento das tarifas e à redução da qualidade. O mesmo acontece em países como a Alemanha, onde setores de energia e transporte público estão sendo trazidos de volta ao controle estatal.
Além disso, é fundamental compreender que um Estado forte, com empresas públicas vigorosas, é essencial para que o Brasil disponha de uma base capaz de enfrentar resistências internas e externas, unificando esforços em torno de projetos que impulsionem o desenvolvimento nacional. É o Estado que tem a capacidade de coordenar, em escala e com compromisso social, os investimentos necessários para a construção de uma infraestrutura sólida, condição indispensável para que o país escape das restrições do subdesenvolvimento. Um setor público robusto pode garantir que áreas estratégicas como energia, transporte, comunicações e recursos naturais estejam alinhadas ao interesse nacional, algo que o capital privado, voltado exclusivamente para o lucro exacerbado, jamais poderá assegurar.
Não é coincidência que os inimigos do Brasil sejam, invariavelmente, os privatistas mais iracundos. São aqueles que se opõem ferozmente ao fortalecimento de um Estado capaz de proteger seus recursos e promover o bem-estar da população, preferindo entregar setores vitais ao controle de conglomerados internacionais. Para esses grupos, a soberania nacional e o desenvolvimento de longo prazo são meros obstáculos para a busca de lucro.
É urgente que o Brasil promova uma revisão dos contratos de privatização, começando pelo setor de energia, mas também avançando para a telefonia, saneamento, distribuição de água e o setor de petróleo e gás. O Brasil não pode continuar refém de um modelo que só favorece conglomerados empresariais em detrimento da população. A farra das privatizações ocorreu por meio de tenebrosas transações, com a formação de associações dirigidas entre empresas que nem sempre detinham saber e experiência dos negócios com que foram aquinhoadas. Na verdade, com a privatização buscou-se sepultar um projeto de país a golpes de marteladas, como celebrizou, em surto paranormal, o governador de São Paulo. Se for o caso, como está acontecendo em diversas nações europeias, a reestatização deve ser vista como uma solução para recuperar setores que são estratégicos para o desenvolvimento nacional.
A obsessão da mídia neoliberal em defender a privatização a qualquer custo, pintando o capital privado como a solução possível, é uma das barreiras a essa discussão. Mas o país não pode se deixar enganar por promessas. A experiência mostra que a gestão pública, quando voltada ao interesse coletivo, pode ser mais eficiente, mais justa e mais comprometida com a construção de um Brasil desenvolvido e socialmente inclusivo.
Chegou a hora de rever o modelo econômico que entregou setores inteiros do país à iniciativa privada sem garantias de retorno para a sociedade. É hora de colocar os interesses do povo e do país acima dos lucros privados e, se necessário, reestatizar setores estratégicos para garantir um futuro mais justo e sustentável para todos. O excedente resultante deve ser apropriado para combater a inaceitável desigualdade entre os brasileiros.
Fonte: Editorial/Brasil 247