O caminho para garantir direitos no mundo do trabalho em transformação está nas negociações e acordos coletivos

Clemente Ganz Lúcio destaca a necessidade de sindicatos se adaptarem para organizar e representar autônomos, MEIs, PJs e cooperados, buscando estender a eles, via negociação, direitos retirados em 2017 e não incluídos nas novas relações de trabalho que surgem rapidamente

Em 2017, resultado direto do golpe parlamentar sofrido pela presidenta Dilma Rousseff, o mundo do trabalho foi fortemente golpeado pela contrarreforma do governo neoliberal de Michel Temer. Uma profunda flexibilização das leis trabalhistas criou formas de contratação que já não precisam passar pela Carteira de Trabalho, como o trabalho temporário, intermitente, ou de trabalhador autônomo exclusivo para uma empresa. O resultado foi a chamada “PJotização” do trabalho, onde a precarização encontra a ausência de proteção e direitos.

Com a eleição do presidente Lula, muitos trabalhadores e trabalhadoras esperavam que o tema fosse prioridade entre as pautas, mas o executivo, sozinho, não é capaz de criar a conjuntura necessária. Junto com Lula, foi eleito o Congresso mais conservador da história do país desde a redemocratização, o que interdita completamente o debate. 

“É importante que nós tenhamos claro que o resultado eleitoral que elege o presidente Lula é o mesmo que dá uma conformação ao Congresso das mais adversas para o mundo do trabalho desde a redemocratização do país. Nem em 2017 tínhamos um Congresso tão adverso do ponto de vista dos temas trabalhistas. Portanto, qualquer iniciativa de revisão mais geral na legislação trabalhista é uma agenda que exige um nível de articulação política e provavelmente um novo enquadramento deste Congresso Nacional, que não estão postos nesta legislatura. Vamos trabalhar por mais dois anos e meio com este legislativo. E por mais justas que sejam as demandas de mudanças nas regras trabalhistas que sindicatos, trabalhadoras e trabalhadores apresentam, não há um ambiente favorável para essa agenda no Congresso Nacional”, destaca Clemente Ganz Lúcio, coordenador do Fórum das Centrais Sindicais e membro do Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social sustentável da Presidência da República.

Convidado do Soberania em Debate de 25/04, Clemente falou sobre as e conquistas que vêm sendo alcançadas e apontou caminhos para que as pautas trabalhistas não parem, reféns de um Congresso que se recusa a pensar no povo. Para ele, a única saída possível para garantir proteção e direitos aos trabalhadores e trabalhadoras, em meio a um mundo do trabalho que passa por um processo acelerado de mudanças, é através das convenções e acordos coletivos, negociados entre sindicatos e empresas. Com o tempo, em fase posterior, as conquistas negociadas podem vir a se transformar em leis, mas não o inverso.

“No Brasil, os sindicatos fazem cerca de 50 mil acordos e convenções coletivas todo ano, que devem proteger em torno de 40 a 50 milhões de trabalhadores e trabalhadoras no país. É esse instrumento que queremos fortalecer de um lado e, de outro, as centrais sindicais estão atuando para que tenham a capacidade de organizar, representar essa outra força de trabalho, dos autônomos, PJs, cooperados, trabalhadores por conta própria, para que eles também tenham proteção sindical e direitos trabalhistas equivalentes”, destaca Clemente, citando como exemplo o projeto voltado à regulação da proteção trabalhista para autônomos que prestam serviço de transporte de pessoas por meio de empresas de plataforma.

Sindicalismo do novo tempo

Fazer os sindicatos alcançarem este novo mundo do trabalho, em constante mudança, é o caminho no qual as centrais sindicais vêm apostando. A ideia é capacitar as entidades sindicais para que tenham uma visão estratégica que faça incidir no processo de negociação as regulações, por meio de acordo ou convenção coletiva.

“Não será por meio da lei que conseguiremos respostas em tempo real. A lei virá depois, consolidando avanços conquistados na negociação coletiva. Essas negociações precisarão ser constantemente atualizadas, porque as mudanças exigirão ajustes, aprimoramentos constantes e isso, quem pode fazer, é o sindicato, por meio de ACTs e CCTs. A nossa Constituição empodera esses instrumentos , dando a eles o poder de proteção a todos os trabalhadores e trabalhadoras, sendo ou não sócios dos sindicatos. Essa é uma grande virtude do nosso sistema. Por isso, precisamos de sindicatos fortes, organizados para que possam liderar negociações coletivas de proteção universal”, explica Clemente.

O fortalecimento dos sindicatos e das negociações coletivas como saída para a precarização generalizada do trabalho também passa, segundo Clemente, pela criação de uma Câmara de Regulação Sindical, um espaço pensado para que trabalhadores e empresas possam desenhar e aprimorar o sistema sindical para a realização de boas negociações coletivas e propor mecanismos para fortalecer os acordos coletivos, inclusive para dar segurança jurídica a esses instrumentos, com capacidade de financiamento das organizações sindicais dos trabalhadores e das empresas. O entendimento é de que esse financiamento é fundamental para que os sindicatos consigam atuar ativamente, gerando proteção sindical, trabalhista, previdenciária e social para todos os trabalhadores abrangidos por todas as empresas em um acordo coletivo ou convenção coletiva. 

“É um grupo sintético de propostas, mas que permitirão aos sindicatos incidir nas mudanças que estão acontecendo no mundo do trabalho e que, com essa incidência, os temas que foram objeto de mudanças em 2017 possam, por meio da negociação, ser ajustados, adequados, transformados ou revogados por aquilo que os trabalhadores irão conquistar nas negociações”, explicou Clemente.

Projetos apresentados

O Congresso de portas fechadas para os direitos dos trabalhadores não deixou as centrais sindicais e o governo paralisados. Duas iniciativas foram construídas em grupos tripartites que colocaram na mesa de negociações os representantes dos trabalhadores, das empresas e do governo na busca de consensos em dois temas de grande urgência: a equidade salarial entre homens e mulheres e a regulamentação de direitos para motoristas de aplicativos.

“O Projeto de Lei de igualdade salarial entre homens e mulheres é uma medida muito importante, uma pauta clássica das mulheres e das centrais sindicais. O nosso projeto foi aprovado no Ministério do Trabalho, mas agora o Congresso Nacional debate fazer um decreto legislativo para desautorizar os decretos que o presidente fez para operacionalizar a lei. As Casas querem criar entraves para que as empresas tenham maior flexibilidade na implementação da legislação. Não é um Congresso fácil. Mesmo naquilo que eles aprovaram, atuam contra a implementação”, aponta Clemente.

O projeto que busca regulamentar o trabalho de motoristas de plataformas digitais também vem encontrando obstáculos no legislativo. “No caso dos trabalhadores e trabalhadoras de transporte de pessoas, se chegou a um acordo que se transformou em Projeto de Lei e foi encaminhado ao legislativo.  Estamos neste momento com um debate muito severo no Congresso Nacional, uma articulação contrária à proposta muito forte, com muita mobilização, inclusive de trabalhadores e trabalhadoras que se posicionam contra aquilo que as representações sindicais e as empresas acordaram, dizendo que não querem piso salarial, direitos, sindicato na vida deles. É de fato um debate que temos que ter muita clareza para enfrentar, porque há uma cooptação dos trabalhadores e trabalhadoras pelas empresas para que eles defendam o ideário delas contra a proteção da classe trabalhadora”, aponta o sociólogo.

Autonomia e organização

O trabalho que vem sendo realizado pelas centrais sindicais tem como base a autonomia garantida pela Constituição de 1988. Segundo Clemente, é justamente dessa autonomia que os trabalhadores devem se apropriar para definir novas formas de organização sindical.  

“Já temos um sistema sindical funcionando: temos os sindicatos, confederações, federações e centrais sindicais. Se quisermos juntar sindicatos ou centrais sindicais, podemos? Podemos. Se quisermos criar um sindicato, por exemplo, dos motoristas uberizados, como ele será? Continuaremos organizando os sindicatos por cidades? Essa é nossa autonomia: de dizer o tipo de organização sindical que melhor representa os trabalhadores de cada setor, que não é necessariamente igual à dos demais”, explica Clemente. 

O sociólogo destaca que nesse novo mundo do trabalho, com autonomia, são os trabalhadores, não o governo ou a lei, que devem apontar os caminhos para a sua própria organização na busca de direitos.  

“Não é possível que a gente continue delegando ao Estado aquilo que é tarefa política nossa. A nossa Constituição nos dá margem para muita aprimoração sindical. Sem organização forte, capacidade de luta, de fazer greve, de fazer o processo acontecer, nada avança. Nada que os trabalhadores e trabalhadoras conseguiram ao longo da história veio como uma benesse. Vem sempre com muita luta e com o sacrifício de muita gente. Por isso, precisamos do movimentos sindical atualizado e pronto para conduzir suas lutas para a conquista de direitos”, finalizou Clemente. 

O programa Soberania em Debate, projeto do SOS Brasil Soberano, do Sindicato dos Engenheiros no Rio de Janeiro (Senge RJ), é transmitido ao vivo pelo YouTube, todas as quintas-feiras, às 16h. A apresentação é da jornalista Beth Costa e do cientista social e advogado Jorge Folena, com assessorias técnica e de imprensa de Felipe Varanda e Lidia Pena, respectivamente. Design e mídias sociais são de Ana Terra. O programa também pode ser assistido pela TVT aos sábados, às 17h e à meia noite de domingo.

 

Texto: Rodrigo Mariano/Senge RJ
Imagens: Fernando Frazão/Agência Brasil 

Pular para o conteúdo