O inevitável debate sobre a Segurança Pública dentro do campo progressista

Uma espécie de tabu dentro das esquerdas, o tema acabou sequestrado pela direita e extrema-direita e transformado em um campo totalmente dominado ideologicamente por mazelas que nos acompanham desde a escravidão

Sempre que o debate sobre Segurança Pública surge em espaços do campo progressista, democrático e popular, é natural que ele seja imediatamente articulado por metas e condicionantes educacionais, culturais e de políticas públicas voltadas ao acesso à cidadania. É natural: o Brasil pelo qual a esquerda luta, aquele que se baseia na pesquisa, na produção acadêmica e em experiências práticas de outros países, será seguro de fato por essas vias. O “elefante na sala”, no entanto, é o fato dessas políticas serem de médio e longo prazo e a necessidade de segurança ser um problema imediato, que exige ações concretas hoje. E não endereçar o problema não o fará desaparecer.

Segundo o professor Luiz Eduardo Soares, ex-secretário nacional de Segurança Pública e coordenador de Segurança, Justiça e Cidadania do Estado do Rio de Janeiro, é preciso que o campo progressista tenha cuidado para não passar a mensagem de que as polícias não são relevantes. “Isso gera mal-entendidos com efeitos políticos muito nocivos. Os policiais se sentem negligenciados e os setores mais conservadores da população acabam supondo que nós, do campo progressista e popular, não damos importância às instituições policiais. Isso é problemático porque a aposta na educação é de médio e longo prazo, mas as pessoas precisam se sentir seguras agora, hoje. Essa mensagem de indiferença e insensibilidade a essa necessidade imediata da população dá a entender que não há compromisso com a criação das condições para que a democracia possa garantir que seus direitos possam ser fluidos”, destaca Soares.

Formado em Literatura pela PUC-RJ, mestre em Antropologia, doutor em Ciência política com pós-doutorado em Filosofia Política, Luiz Eduardo Soares foi o convidado do Soberania em Debate de 30 de maio.

Desastre deles, culpa nossa

Se, de um lado, o campo progressista segue enfrentando dificuldades em aprofundar o debate sobre a segurança com a sociedade, do outro, a direita não deixa passar a oportunidade de tomá-lo para si. No vácuo deixado à esquerda sobre o papel das forças policiais na construção de uma sociedade mais segura, a direita e a extrema-direita encontraram terreno fértil para dominar narrativas e tomar o controle ideológico – e, muitas vezes, material – das polícias.

Um dos efeitos práticos deste cenário, segundo Soares, é a culpabilização do campo progressista por uma tragédia moldada e conduzida historicamente pela direita. “O campo democrático acaba sendo cobrado pela falta de segurança quando, na verdade, a maioria das situações dramáticas do ponto de vista da segurança pública foi gerada por governos de direita e ultradireita. Eles conquistaram uma hegemonia neste setor ao longo das últimas décadas também por causa da retração da esquerda, que não foi capaz de formular propostas alternativas. Acabamos sendo acusados por um desastre que eles têm promovido”, aponta.

Com um modelo de forças policiais herdado da ditadura empresarial-militar de 1964, as orientações prioritárias, hábitos, práticas, valores e a cultura corporativa hegemônica nas instituições policiais passam, segundo Soares, pela própria escravidão, perpetuando o que chama de “o pior do capitalismo autoritário, que foi se modernizando e se preservando racista e patriarcal”. A ineficiência do modelo brasileiro, mergulhado em uma guerra às drogas que só alimenta a violência e a criminalidade, é de conhecimento geral e os impactos são sentidos cotidianamente pela população que, apesar disso, é seduzida pelo canto da sereia da extrema-direita.

“Se a brutalidade policial, o desrespeito e violações à cidadania e o genocídio dos jovens negros e pobres nos territórios vulneráveis impusessem algum controle à criminalidade, nós viveríamos em uma sociedade na qual a segurança seria privilegiada. Esses métodos e estratégias têm sido empregados e, a despeito do seu fracasso, os demagogos da direita propõem mais do mesmo e a sociedade assimila e defende a sequência e a reprodução da mesma dinâmica, pedindo mais intensidade naquilo que está nos levando ao desastre: o encarceramento em massa de jovens negros, pequenos varejistas de substâncias ilícitas, não armados, não criminalizados, que acabam sendo pressionados a integrar, uma vez presos, o mundo do crime, se articulando em facções. Estão contratando violência futura ali. O impacto no mercado de drogas é absolutamente nulo, mas degrada as polícias, aumenta a violência, produz o encarceramento em massa de jovens negros e pobres, destroçando suas vidas e de suas famílias. E nós ainda somos responsabilizados por isso”, aponta o professor.

O programa Soberania em Debate, projeto do SOS Brasil Soberano, do Sindicato dos Engenheiros no Rio de Janeiro (Senge RJ), é transmitido ao vivo pelo YouTube, todas as quintas-feiras, às 16h. A apresentação é da jornalista Beth Costa e do cientista social e advogado Jorge Folena, com assessorias técnica e de imprensa de Felipe Varanda e Lidia Pena, respectivamente. Design e mídias sociais são de Ana Terra. O programa também pode ser assistido pela TVT aos sábados, às 17h e à meia noite de domingo.

 

Rodrigo Mariano/Senge RJ – Foto: Rovena Rosa/Agência Brasil

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