A ofensiva patronal, da extrema direita e do centro contra os sindicatos, iniciada na década de 1990 e intensificada com o golpe de 2016, continua forte em um Congresso Nacional cuja composição traz uma correlação de forças desfavorável à classe trabalhadora. Desta vez, por meio de uma emenda feita no PL 1663/2025, o alvo é enforcar os sindicatos, inviabilizando sua sustentabilidade financeira, e abrir uma nova frente: acabar com a obrigatoriedade de todas as empresas de uma determinada base sindical, filiadas ou não ao sindicato patronal, cumprirem o estabelecido nas convenções coletivas.
O objetivo é derrubar um dos últimos pilares do lugar reservado por Getúlio Vargas aos sindicatos. Quando Vargas atrelou os sindicatos ao Estado, seu objetivo era afastar das direções sindicais os anarquistas e comunistas, dai a exigência do atestado de precedentes dos candidatos às eleições sindicais. Mas, estas duas, dentre as inúmeras maldades, foram acompanhadas de uma visão corporativista, que tinha os sindicatos como órgãos que poderiam colaborar com o Estado. Criou, então, o imposto sindical, pago por todos os trabalhadores e por todas as empresas, filiados ou não, aos sindicatos, federações, confederações de sua categoria profissional ou ramos de atividade. Parte, 20%, ia para o Ministério do Trabalho e Emprego atuar na geração de emprego.
Junto com o imposto sindical, pago por todos trabalhadores e por todas as empresas, aos respectivos sindicatos, veio a unicidade, o enquadramento sindical por categoria profissional, a determinação de que tanto o imposto sindical como as Convenções Coletivas, assinadas em cada categoria, seriam cumpridos por todos, trabalhadores e empresas, filiados ou não a seus respectivos sindicatos.
Se parte da classe patronal e os negacionistas liberais forem vitoriosos em sua tese (de que o trabalhador beneficiado pela convenção coletiva pode se insurgir contra o desconto negocial ou assistencial, aprovado em assembleia), esta aberto o caminho para o último golpe no último pilar de sustentação para fazer com que o movimento sindical volte a ter receita para se adequar ao novo contexto do mundo do trabalho em ebulição. Ora, se o não sócio pode se insurgir por meio eletrônico contra uma contribuição sindical estabelecida em lei e contra uma cláusula da Convenção Coletiva, se recusando a pagar a contribuição assistencial ou negocial, a empresa logo vai argumentar que, como não está filiada ao sindicato patronal, pode se recusar a cumprir parte ou toda a convenção da categoria.
Este é o alvo principal que já apareceu quando Bolsonaro criou o Grupo de Altos Estudos de Trabalho (GAET) para elaborar seu projeto de reforma sindical. Naquela oportunidade, a proposta era por um fim à contribuição sindical (hoje ela permanece como optativa) e estabelecer que os sindicatos só representam seus filiados. Com esta mudança, as empresas só cumprirão a totalidade do estabelecido nas convenções coletivas firmadas pelo sindicato de seu ramo de atividade se lhes for mais vantajoso do que está na legislação. Do contrário, usarão o mesmo argumento de que não são obrigadas a cumprir a totalidade da Convenção Coletiva. O argumento é o mesmo do desconto assistencial.
Esta foi a principal razão porque a proposta do GAET não foi adiante, porque parte das entidades patronais disse não. O sonho dos neoliberais era o modelo chileno-americano: negociação por empresa, liberdade de formar mais de um sindicato por empresa, município ou categoria profissional. Não querem mercado de trabalho regulado, não querem o Estado ou o sindicato fiscalizando. Querem total liberdade para desrespeitar a legislação e o convencionado; direito de exigir anualmente que o trabalhador assine que seus direitos estão quitados, para que, quando se libertar da pressão patronal, após ser demitido ou pedir demissão, o trabalhador que recorrer à justiça em busca de direitos e verbas não pagas, verá na frente do juiz o termo de quitação de direitos que assinou quando ainda estava sob o tacão do patrão.
A questão central está na visão do que cabe aos sindicatos no modelo de desenvolvimento do país. A opção neoliberal é de nenhum. A progressista é de que os sindicatos têm relevância na regulação das relações de trabalho por equilibrarem as disputas entre empresas; estabelecerem pisos salariais e direitos iguais em determinada categoria. E também podem contribuir para projetos de desenvolvimento do país ao colaborar com a fiscalização dos direitos trabalhistas, previdenciários, verbas rescisórias. Além, evidentemente, de assegurar que a concentração de renda não seja ainda maior.
Para discutir a emenda oportunista feita no PL 1663/2023, além de abordar suas particularidades é preciso situá-la no contexto de desregulamentações que vem sendo feitas desde o início da década de 1990. Acabar com o imposto sindical sem colocar em seu lugar a contribuição negocial, reivindicada pelo movimento sindical desde as negociações estabelecidas no Fórum Barelli, em meados da década de 1990.
Estabelecer que todos os beneficiados pela Convenção Coletiva contribuam com os investimentos feitos pela entidade sindical, além de justo, é uma forma clara de dizer que todas as empresas também estão obrigadas a cumprir a Convenção Coletiva firmada pela sua entidade sindical. Ao admitir que o trabalhador, individualmente, possa se insurgir contra a decisão da assembleia sindical e não cumprir um artigo da convenção coletiva, a mensagem seguinte será: empresas que não são filiadas ao sindicato podem se insurgir e não cumprir os direitos estabelecidos em negociação com sindicato patronal.
Este é o ponto central desta concepção. Ele orienta todos os demais. Da mesma forma que sempre rejeitaram estabelecer direitos de organização nos locais de trabalho, tentaram afastar os sindicatos de negociações no âmbito das empresas e não querem nem ouvir falar de comissões ou delegados de empresa eleitos com participação dos sindicatos. Salvo as entidades sindicais patronais que recebem recursos das federações oriundos do sistema S, as demais concordam com a contribuição negocial ou assistencial descontada de todos, pois querem ter uma fonte de receita estável.
Uma visão estratégica neste processo batalha em todas as frentes, mas se concentra em assegurar uma concepção em relação ao lugar que cabe aos sindicatos no desenvolvimento econômico e na distribuição de renda e equidade de direitos. Este pilar estratégico é siamês, estão organicamente ligadas a contribuição sindical paga por todos os beneficiados e o cumprimento dos direitos estabelecidos na Convenção Coletiva firmada entre entidades sindicais dos trabalhadores com as dos seus empregadores.
As principais raízes destes dois pilares já foram cortadas pela reforma trabalhista e por mudanças legislativas posteriores. Agora, o olhar é para onde a pesada tora de madeira vai cair para dar a machadada final. Ela já pende perigosamente em uma direção com as decisões do legislativo e do judiciário a respeito. Em meio a este desmatamento, a proposta legislativa que buscar trazer de volta as homologações para os sindicatos não representa nada mais que uma muda que nasce em uma tora já derrubada. Colocaram um fim às homologações nos sindicatos e aprovaram o Art. 507-B, na CLT, concedendo a faculdade de empregados e empregadores, na vigência ou não do contrato de emprego, firmar o termo de quitação anual de obrigações trabalhistas, perante o sindicato dos empregados da categoria. Durante a vigência, salvo em empresas públicas, algum trabalhador que depende do emprego vai se recusar a assinar?
Ou o movimento sindical consegue a escorar e concentra seus esforços na defesa de um papel estratégico dos sindicatos no desenvolvimento do país, negociando para todos, recebendo as contribuições de todos, assegurando que os direitos e obrigações estabelecidos sejam cumpridos por todos, trabalhadores e empregadores, ou a tora cairá. Bom, uma nova muda terá que ser plantada e o sindicalismo demorará anos para se recuperar.
Luiz Azevedo é mestre em Sociologia, foi dirigente sindical nos bancários e na CUT, deputado estadual e Secretários Executivo na Presidência da República e Ministério das Comunicações.
Fonte: Bem Blogado