Para não estressar parlamentares em ano eleitoral, Reforma Trabalhista arrasará trabalhadores por mais um ano

Promessa de campanha do presidente Lula, a revisão da Reforma Trabalhista neoliberal do governo Temer deverá ser adiada por mais um ano. No final de janeiro, o ministro do Trabalho, Luiz Marinho, declarou que uma contrarreforma dependeria da aprovação de deputados e senadores e que, por ser um ano de eleições municipais, o ministério irá adiar a pauta. 

“Minha pasta terá poucos projetos este ano para sobrar tempo para os deputados fazerem suas campanhas e apoiarem seus candidatos a prefeito e vereador. Este não é ano de estressar o Congresso. Queremos deixar o Congresso tranquilo”, declarou o ministro.

A fala do ministro assusta pelo preço que será pago por milhares de trabalhadores em troca de um “Congresso tranquilo” e livre para fazer campanha em municípios. Vigente desde 2017, a Reforma Trabalhista do governo Temer precarizou profundamente as relações de trabalho, criando novas formas de contratação que, sob o argumento da “modernização do trabalho”, transformaram parte do mercado em terra de ninguém. 

A PJotização – prática de contratar trabalhadores como pessoa jurídica, via CNPJ, mantendo todas as obrigações, mas sem direitos – se tornou uma tendência em diferentes setores. Com horário e local de trabalho fixos, subordinação, pessoalidade e coordenação de contratantes, trabalhadoras e trabalhadores batem ponto e respondem como funcionários, mas não têm férias, décimo-terceiro ou qualquer outro direito. Segundo a Receita Federal, em maio de 2023 o Brasil tinha 15,1 milhões de Microempreendedores Individuais, categoria que costuma ser PJotizada pelas empresas.

Justiça do Trabalho x STF

Decisões do STF contrárias a condenações da Justiça do Trabalho em casos de contratos fraudulentos vêm causando insegurança jurídica. Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil

Com a terceirização ampla e irrestrita e a normalização da PJotização no mercado, os atritos inevitáveis entre contratantes e contratados explodiram na Justiça do Trabalho. Em resposta, as empresas levaram a questão ao Supremo Tribunal Federal: em 2023, mais da metade das 6.148 reclamações movidas no Supremo foram de empresas questionando decisões da Justiça do Trabalho que as condenaram por fraudes trabalhistas.

O STF, que ampliou a Reforma Trabalhista de Temer em 2018, permitindo a terceirização de atividades-fim, tem acolhido as reclamações. O entendimento de parte dos magistrados é de que, ao liberar a terceirização irrestrita, estariam autorizadas, também, outras formas de contratação.

Para a suprema corte, a Justiça do Trabalho, criada por Vargas como fórum para mediar as relações entre o capital e os trabalhadores, não estaria seguindo o mesmo entendimento. Outros ministros entendem que não cabe reclamação constitucional sobre o tema e que, por isso, rejeitado os recursos. O resultado é um cenário de insegurança jurídica.

O impacto na engenharia

Nenhuma categoria passou ilesa pela reforma de 2017. Segundo a advogada Daniele Gabrich, assessora jurídica do Senge RJ e Fisenge (Federação Interestadual de Sindicatos de Engenheiros) e sócia da Barenco e Gabrich Advogados Associados, os impactos na engenharia apareceram logo após a mudança da legislação trabalhista. ” O Sindicato foi provocado inúmeras vezes, inclusive por pequenas empresas de engenharia, para esclarecimento de questões referentes à duração do trabalho, limites e possiblidades das negociações coletivas.

No caso das engenheiras e engenheiros, a autonomia passou a ser, como no caso dos MEIs, usadas como um caminho para fraudar relações de trabalho. “A reforma trabalhista ao inserir o artigo 442-B na CLT, permitiu a existência do trabalhador autônomo contratado com exclusividade, de forma contínua, com o claro intuito de dificultar a identificação de fraude ao contrato de emprego. A experiência veio demonstrando não ser raro a fraude a por meio de contratação de dissimulados contrato de autônomos, isso para não se vincular ao piso salarial, escapar do pagamento de férias, 13º, FGTS e demais direitos trabalhistas”, aponta.

Trabalho sem salário

Entre os muitos modelos de contratação que crescem anualmente desde a reforma neoliberal de Temer está a Contratação Intermitente, aquele em que o empregado, contratado com carteira assinada, trabalha apenas quando convocado pelo patrão e recebe pagamento correspondente às horas trabalhadas, podendo, inclusive, não ser chamado.

Embora prometesse modernizar relações e criar novos postos de trabalho, o tempo mostrou que a Reforma Trabalhista resultou apenas em precarização. Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil

Segundo o Ministério Público do Trabalho, 3,3 mi dos 43,9 mi de trabalhadores empregados no país em 2023 trabalhavam intermitentemente. Segundo o IBGE, 20%, em 2021, 20% desses trabalhadores não exerceram função e não tiveram renda. Em dezembro, foram 46% de trabalhadores contratados, mas parados.

Conscientização e pressão

Com uma relação delicada com o Congresso, marcada por uma forte oposição de direita, a autonomia do governo para propor pautas e reformas fica comprometida. Sem muita articulação para a construção de consensos, as matérias mais densas, como a própria Reforma Trabalhista, correm o risco de não serem aprovadas ao tramitarem no legislativo. Derrotas seguidas do governo no Congresso poderiam enfraquecer o capital político do Planalto nas negociações. Por isso, temas fundamentais para o país acabam sendo adiados.

Para Gabrich, a conscientização sobre a importância do voto para o legislativo, a organização e a luta dos trabalhadores é o caminho possível agora. “A fala do Ministro reflete a necessidade atenção dos eleitores nas eleições, de valorização do voto – a disputas de forças são inerentes ao sistema democrático. As alterações são urgentes, e a fala de Marinho deixa bastante clara a necessária organização coletiva de trabalhadores e trabalhadoras, empregados ou não, pequenos empresários, impactados de forma negativa pela reforma, para se constituírem em movimento de pressão por mudanças no sentido da humanização das relações do trabalho”, finaliza.

 

Edição: Rodrigo Mariano/Senge RJ
com informações do Brasil de Fato
Foto: Fabio Rodrigues-Pozzebom/Agência Brasil 

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