Paulo Ferreira, Secretário Nacional de Saneamento

"A engenharia pode contribuir para que as políticas públicas sejam incorporadas"

Por Camila Marins (Fisenge)

 

No final de janeiro, a Secretaria Nacional de Saneamento ganhou novo titular, o engenheiro Paulo Ferreira. Doutor em Engenharia Hidráulica pela Escola Politécnica da Universidade de São Paulo, o secretário trabalhou em diversas áreas relacionadas ao saneamento ambiental. Durante 30 anos, ocupou os cargos de superintendente, coordenador de projetos e engenheiro de planejamento e controle da Sabesp (Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo). Além disso, foi conselheiro de alguns órgãos, entre eles o Crea-SP (Conselho Regional de Engenharia e Agronomia) e o Instituto de Engenharia de São Paulo. O secretário participou de alguns projetos, entre eles o Alto Tietê e o Projeto Tietê, que envolvem tratamento de água e esgoto. Nessa entrevista à Fisenge, Paulo Ferreira fala sobre os principais desafios à frente da pasta, dentre eles o enfrentamento da crise hídrica e a universalização do saneamento.

Numa crise hídrica, como vemos na região Sudeste, que soluções podem ser tomadas em curto, médio e longo prazo? Que apoio o governo federal pode oferecer?

Entende-se que a questão hídrica, no que se refere ao abastecimento público de água para consumo humano, requer duas abordagens. A primeira é na esfera da gestão de recursos hídricos, a qual envolve os problemas de escassez hídrica observados em algumas regiões do país, relacionados com o baixo índice de oferta hídrica, como por exemplo, a região do semiárido brasileiro, ou de locais de grande concentração populacional e intensas atividades econômicas, como ocorre em outras regiões do País, como em São Paulo, Rio de Janeiro e Minas Gerais. Neste caso, a responsabilidade pela mediação de conflitos de uso da água e de adoção de medidas para racionalizar o seu uso, ou ainda de conservação da água, estão a cargo do Sistema Nacional de Gerenciamento dos Recursos Hídricos (SNGRH), que se iniciou, no Brasil, no formato atual, com a implantação da Lei nº 9.433/97. Portanto, os órgãos gestores de recursos, a exemplo da Agência Nacional de Águas, dos Comitês de Bacias Hidrográficas, e órgãos estaduais congêneres, são os que dispõem de estudos, mapeamentos e recomendações relativos à oferta hídrica nos diversos pontos do território nacional.

A segunda abordagem, a qual é específica do setor de saneamento, é relativa à implantação e operação dos sistemas de produção e distribuição de água das cidades brasileiras. Quanto a este aspecto, o Ministério tem apoiado Estados e Municípios, viabilizando recursos consideráveis para implantação de grandes obras, em especial nas regiões metropolitanas, algumas já devidamente concluídas e outras em andamento. São obras que estão permitindo ampliar a oferta do abastecimento para uso humano, eliminando, em alguns casos, processos recorrentes de intermitência no abastecimento.

E quais seriam os debates importantes?

A crise hídrica coloca novamente no foco da discussão os reservatórios de armazenamento de água. Notadamente, observa-se que a situação atual do Brasil, caso não ocorram as chuvas históricas esperadas, levará à necessidade de novos investimentos em obras de infraestrutura para o aumento das capacidades de reservação ou mesmo a busca por novos mananciais mais distantes dos centros de consumo. Essa questão provoca polêmicas por ter, dentre outros, impactos ambientais. Em decorrência da priorização do abastecimento humano, é preciso que tal discussão seja mais objetiva. Também como consequência há a necessidade de conscientização da população para o uso racional da água, incentivando a população a reduzir seu consumo, não utilizar água potável para fins menos nobres como lavar carros e calçadas etc.

Você é engenheiro. Qual a importância da engenharia na formulação de políticas públicas?

Sendo a arte de criar soluções para os problemas humanos e para construir a qualidade de vida, as habilidades e os conhecimentos desenvolvidos pela engenharia são muito úteis na formulação e implementação das políticas públicas, notadamente na área de saneamento, que está partindo para uma fase de busca por inovações e uso de tecnologias cada vez mais apropriadas aos diversos ambientes urbanos. A criatividade e a objetividade da engenharia podem contribuir bastante para que as políticas públicas sejam incorporadas na rotina das cidades. Todos dizem também que os engenheiros são bons administradores. Neste sentido, a boa gestão dos recursos técnicos e financeiros também leva à maximização dos resultados de tais políticas. Deve-se, ainda, destacar a atuação dos profissionais de engenharia na área de saneamento, o que ganhou força com a criação das carreiras de Especialista e de Analista de Infraestrutura e a contratação de pessoal por decorrência do aumento de volume das obras com o PAC.

Qual a importância dos instrumentos de controle social e participação popular, como os Conselhos?

O controle social realizado por órgãos colegiados é um instrumento indispensável para garantir a participação dos diversos setores da sociedade nas discussões e decisões relevantes para a população, bem como para garantir a transparência das ações conduzidas pela administração pública. Cito como exemplo o caso do Governo Federal, com a criação do Conselho das Cidades (ConCidades), no ano de 2004, que representou a materialização de um importante instrumento de gestão democrática. O ConCidades viabiliza o debate em torno da política urbana de forma continuada, respeitando a autonomia e as especificidades dos segmentos que o compõem, tais como: setor produtivo; organizações sociais; ONG’s; entidades profissionais, acadêmicas e de pesquisa; entidades sindicais; e órgãos governamentais. A origem plural desses órgãos e entidades, e sua tradição de atuação diante da temática de desenvolvimento urbano, possibilita aos segmentos uma atuação caracterizada pela articulação e negociação política, ação propositiva e qualidade técnica nos debates, possibilitando, dentre outras coisas, a construção de políticas públicas que favoreçam o acesso a todos os cidadãos, tendo sempre como referência as deliberações advindas das Conferências Nacionais das Cidades.

A meta estabelecida pelo Governo Federal, através do  Plano Nacional de Saneamento Básico (PLANSAB), é a de que, dentro de duas décadas, o Brasil alcance a universalização dos serviços de coleta e tratamento de esgoto e abastecimento de água. Que políticas serão envidadas de modo a cumprir a meta do Plansab?

O Ministério das Cidades trabalha rumo à universalização do abastecimento de água potável, esgotamento sanitário, gestão de resíduos sólidos urbanos, além do adequado manejo de águas pluviais urbanas, com o consequente controle de enchentes, valorizando pilares essenciais como eficiência, eficácia e efetividade da gestão; planejamento; regulação e fiscalização; e participação e controle social. O saneamento básico é uma área que ainda tem grandes desafios a vencer, mas nos últimos anos tem recebido uma grande priorização por parte do Governo Federal, especialmente a partir da destinação de recursos do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), que equacionou o principal gargalo do setor, que era a falta de investimentos.

De que forma é possível ter resultados efetivos no saneamento?

A Política de Saneamento, como qualquer outra, para ter resultados efetivos depende, especialmente, de recursos e da continuidade desses investimentos. O Governo Federal tem conseguido, nos últimos anos, aumentar consideravelmente os investimentos em saneamento e há a consciência da importância da manutenção destes investimentos para que as metas previstas sejam alcançadas. Assim, a principal razão da existência do Plansab foi identificar as carências e fazer uma estimativa dos recursos necessários para atender aos patamares de cobertura de saneamento que o Brasil precisa, e seguir em busca da universalização. A continuidade do que vem sendo feito certamente levará ao atendimento das metas previstas no Plansab. Dentro dessa linha, será dedicado um empenho especial no sentido de aprimorar o que se fizer necessário. As ações e o volume de investimentos são expressivos e permitem projetar uma evolução adequada, na medida em que muitos obstáculos inerentes a empreendimentos de grande porte, como os de saneamento, vão sendo gradativamente superados.

Qual é o panorama do saneamento nacional hoje? De que forma é possível fazer com que saneamento e água potável cheguem aos bolsões mais pobres e periféricos?

O saneamento evoluiu muito, mas ainda há muito o que fazer e a prioridade do Ministério das Cidades é atender exatamente essas áreas mais frágeis, como os bolsões mais pobres e periféricos dos grandes centros. Quanto mais crescem os índices de cobertura, mais difícil vai ficando para aumentá-los. Por exemplo, elevar a cobertura de abastecimento de água em certas capitais de 70% para 90% é mais fácil do que sair dos 90% para 100% de acesso. Isso porque as áreas não atendidas, de forma geral, são aquelas de mais difícil acesso, ou de assentamentos precários, ou áreas densamente povoadas.

É possível atingir a universalização?

Existem ainda muitos desafios para universalizar o saneamento básico no país, e o Governo Federal tem atuado fortemente no sentido de colaborar com os demais entes federados no enfrentamento deste desafio. Para isso, o Governo Federal, dentro de seus programas de investimentos, tem o saneamento básico como uma de suas prioridades, e disponibiliza recursos significativos para apoiar os governos estaduais, municipais, e prestadores de serviços de saneamento, na execução de importantes obras, estudos, projetos, e ainda na elaboração de planos municipais de saneamento. Em especial, visando à evolução dos serviços prestados, o Governo Federal concluiu o planejamento nacional de longo prazo para o setor, de forma amplamente participativa, tendo sido aprovado o Plansab com propostas de diretrizes, estratégias, metas e programas de investimento para o país. Foi identificado o déficit do setor para os quatro componentes do saneamento básico (abastecimento de água, esgotamento sanitário, resíduos e drenagem). O atendimento adequado a estes componentes é um dos fatores que podem contribuir para a melhoria dos indicadores sociais e de saúde da população brasileira e, consequentemente, para a superação dos desafios sociais de melhorar a distribuição de renda e o acesso a outros serviços públicos, como saúde e educação. Cabe enfatizar que o acesso ao saneamento básico pode resultar em impactos diretos na melhoraria do rendimento escolar, assim como minimizar a demanda por atendimento no sistema de saúde. Vencer tais desafios envolve o esforço conjunto dos governos federal, estaduais e municipais.

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