(Foto: Fernando Alvim/Clube de Engenharia)
Fonte: Clube de Engenharia
Representantes de trabalhadores do setor elétrico brasileiro e diferentes setores da sociedade, reunidos no Clube de Engenharia em 21 de setembro, discutiram a polêmica reorganização proposta pelo governo federal para o Sistema Eletrobras. O evento foi mais uma iniciativa no sentido de promover discussões sobre privatização, soberania nacional e o papel da energia e da Engenharia no desenvolvimento do país.
Pedro Celestino, presidente do Clube de Engenharia, iniciou o seminário convocando os trabalhadores do setor elétrico a mobilizarem os colegas contra a privatização da Eletrobras. “O rolo compressor que está no poder não tem o menor compromisso com a sociedade brasileira, com a soberania, com o desenvolvimento e com a democracia. Vocês, trabalhadores do setor elétrico, são as primeiras vítimas do processo. Então, a primeira missão de vocês é convencer os colegas a sair do imobilismo. Essa é uma luta que tem por fim garantir a segurança do sistema elétrico em benefício da nossa sociedade, do nosso desenvolvimento, como serviço de utilidade pública”, disse ele.
Celestino reafirmou três defesas que a entidade tem feito a respeito do debate: manter o sistema Eletrobras nas mãos do Estado, independentemente da participação privada; manter o planejamento do setor também com o Estado; e manter o entendimento de que energia elétrica é um serviço de utilidade pública, como diz a Constituição, não podendo permitir que suas tarifas sejam reguladas por interesses de mercado.
Verdades e mentiras
O professor Luiz Pinguelli Rosa, diretor de Relações Institucionais da COPPE/UFRJ, questionou argumentos comuns que têm sido utilizados em defesa da privatização da Eletrobras, como o que diz que o sistema é ineficiente. “O setor elétrico pode ser mais eficiente, claro. Mas no critério usual a eficiência é medida não pelo que serve ao público em geral, mas sim pelo que serve aos acionistas, com o pagamento de dividendos. O nosso setor elétrico tem funcionado satisfatoriamente. Sua situação financeira pode ser discutida. Em alguns momentos foi difícil. Mas nossa discussão, em primeiro lugar, deve ser sobre a natureza da eficiência”, afirmou, reforçando o conceito de serviço de utilidade pública da energia elétrica.
“Vamos lembrar que, na década de 1990, quando foi privatizado grande parte do setor elétrico, particularmente as distribuidoras, houve falta de energia em seguida, levando ao racionamento de 2001. Onde estava a eficiência? A privatização foi iniciada e, ao invés de melhorar, houve piora”, disse o professor “Outro argumento, mais falso ainda, é que a privatização irá abaixar a tarifa. Como? Se vendemos ativos, alguns dos quais amortizados, o novo proprietário vai querer se remunerar! E existem índices de correção da tarifa, no caso de manter o sistema em vigor, que obriga que se aumente a tarifa. Vamos repetir o que aconteceu na década de 1990? Houve aumento, não diminuição da tarifa”, questiona Pinguelli.
Controle social
O deputado federal Glauber Braga (PSOL-RJ) lembrou que a proposta de privatização da Eletrobras faz parte de uma agenda política maior que precisa ser discutida pela sociedade. “Essa semana, em Brasília, foi votada a reforma eleitoral. Depois, a agenda é a Previdência e o desmonte do Estado brasileiro, as mais variadas formas que o conjunto de privatizações pode fazer. Essa é a agenda prioritária. Articulações como esse seminário são fundamentais, porque temos de ter um processo claro de conscientização permanente sobre o que está acontecendo. É preciso enfrentar essa agenda”, disse ele. Já Luiz Sérgio, deputado federal (PT-RJ), lembrou que a agenda de privatizações não passou pelo crivo das eleições. “Esse é um programa que não venceria uma eleição – eu não vi nenhum deputado federal fazendo campanha no Rio de Janeiro dizendo que queria ser eleito para sepultar a CLT, acabar com a Previdência e retomar a pauta das privatizações. Entregar a Eletrobras é entregar um patrimônio fundamental à soberania do Brasil”, afirmou o parlamentar.
Proposta na contramão do mundo
Para o professor Ronaldo Bicalho, do Instituto de Economia Industrial da Universidade Federal do Rio de Janeiro (IEI/UFRJ) e Instituto Ilumina, a reforma no setor elétrico proposta pelo governo federal vai na contramão de políticas de Estado em outros países. “Quando olhamos para o mundo, vemos que o que caracteriza o setor elétrico hoje é uma mudança radical da matriz da geração de eletricidade em direção aos combustíveis renováveis, essencialmente energia eólica e solar. É uma transição em que Estados desempenham um papel importante. Tem um projeto que é você ser a grande liderança da transição, e isso é encontrado no projeto alemão e no projeto chinês, por exemplo”, disse ele.
Os impactos econômicos da privatização da Eletrobras foram tratados por Gustavo Teixeira, técnico do Dieese e assessor da Federação Nacional dos Urbanitários (FNU). O primeiro é o aumento da vulnerabilidade externa da economia brasileira, decorrente do ingresso de investimento estrangeiro que pressiona a balança de transações comerciais. Também foram destacadas as implicações da privatização na soberania energética e hídrica, em movimento contrário ao observado em países como Estados Unidos, Canadá e Austrália, que têm barrado investimentos estrangeiros na forma de aquisição alegando questões de segurança nacional. Além disso, Teixeira afirmou que a privatização tem baixo resultado fiscal no curto prazo, principalmente pela proposta ser colocada em momento de crise econômica, quando superestimam-se as privatizações como forma de arrecadar recursos e subestimam-se a capacidade dos ativos a serem vendidos de gerar receitas futuras para retomada do equilíbrio fiscal.
Arthur Obino, conselheiro e diretor técnico do Clube de Engenharia, reforçou que a visão integrada do sistema elétrico brasileiro é um diferencial importante do país. “Estamos trabalhando com um sistema continental de rara felicidade, por conter diferentes bacias hidrográficas em diferentes regiões climáticas, interconectadas inclusive com Argentina e Uruguai. Essa característica brasileira é construída ao longo de décadas e tem importante visão da sazonalidade climática que acontece no país”, disse ele. “O Brasil é uma referência mundial na produção de energia sustentável, com papel importante no Acordo de Paris. É fundamental manter uma visão de planejamento com essa referência”, ponderou.
Energia é direito e não mercadoria
Finalizando o seminário, Tiago Alves, representante do Movimento de Atingidos por Barragens (MAB) e morador da região de Mariana (MG) — que sofreu o pior desastre ambiental do Brasil, em 2015, quando uma barragem de rejeitos da mineradora Samarco se rompeu — registrou a importância se de pensar o viés social da produção de energia no Brasil. “Como esse modelo aqui, que tem grandes vantagens e que deve ficar nas mãos do Estado a serviço da soberania nacional, trata os atingidos por barragens com respeito, para que a energia seja direito e não mercadoria?”, questiona ele. Além da luta por direitos, Tiago ressalta que desde 2006 o MAB colocou como questão-chave na sua atuação o questionamento sobre para que e para quem é a energia produzida no Brasil. No dia 1 de outubro, o movimento realiza seu 8º encontro nacional, no Rio de Janeiro, com o tema “Água e energia com soberania, distribuição da riqueza e controle popular”.
Jorge Luís Bonito, presidente do Sindicato dos Trabalhadores nas Empresas de Energia do Rio de Janeiro e Região (Sintergia-RJ), foi o mediador do seminário e falou sobre os atos públicos reunindo movimentos sociais e outras organizações previstos para as próximas semanas. No dia 25 de setembro (segunda-feira) haverá um “abraço” a Furnas em São José da Barra, numa tentativa de mobilizar a sociedade contra as privatizações. Já no dia 3 de outubro organizações sindicais preparam ato pelo Dia Nacional de Luta pela soberania, partindo do Terreirão do Samba até a sede da Eletrobras, no Centro do Rio de Janeiro.
Estiveram presentes no seminário representantes da Associação dos Empregados da Eletrobras (AEEL), Sindicato dos Empregados das Empresas de Energia do Rio de Janeiro e Região (Sintergia-RJ), Sindicato dos Administradores do Estado do Rio de Janeiro (Sinaerj), Sindicato dos Economistas do Rio de Janeiro (Sindecon-RJ), Sindicato dos Engenheiros no Estado do Rio de Janeiro (Senge-RJ) e Associação dos Funcionários de Furnas (ASEF).