Pela Soberania: é urgente uma Conferência Nacional de Defesa no Brasil

Manuel Domingos, professor e ex-vice-presidente do CNPQ destaca que, para se livrar da dependência estrangeira, a defesa nacional precisa de um freio de arrumação, com a participação de toda a sociedade civil para a definição de linhas de ação claras, devolvendo propósitos e eliminando dependências nas Forças Armadas

O Brasil vive um momento crítico de sua história recente. Diante da ameaça aberta do ex-presidente norte-americano Donald Trump, que declarou intenção de impor tarifas de 50% sobre produtos brasileiros, caso o governo Lula não atenda a exigências políticas e econômicas inaceitáveis, é urgente a convocação de uma Conferência Nacional de Defesa.

A proposta foi defendida com firmeza pelo historiador e pesquisador Manuel Domingos, convidado da última edição do programa Soberania em Debate, transmitido pelo projeto SOS Brasil Soberano. Para ele, somente uma ampla articulação nacional envolvendo governo, universidades, indústria, Forças Armadas e sociedade civil poderá apontar um caminho realista para a construção da soberania nacional diante das ameaças externas e da dependência histórica do Brasil em matéria de defesa.

Domingos, que é doutor em História pela Universidade de Paris, ex-deputado federal pelo Piauí e ex-vice-presidente do CNPq, destacou que a política anunciada por Trump é mais do que uma questão comercial. Segundo ele, o ex-presidente dos EUA utiliza esse tipo de manobra como estratégia para deslocar o foco das crises internas que enfrenta. A chantagem econômica é acompanhada de uma exigência absurda: a anulação dos processos judiciais contra Jair Bolsonaro, em nome da extrema direita brasileira.

“A ideia é pautar o debate. Determinar que assuntos devem ser tratados para tagiversar em cimma de questões mais aflitivas e angustiantes para ele e para os cidadãos. A política contra os imigrantes e, particularmente, os escândalos deixam Trump extremamente fragilizado. Na Defesa dos EUA, as orientações são completamente caóticas. Promete finalizar guerras e não consegue. Tem uma relação de dubiedade que causa insatisfação em seus aliados principais,, a União Européia. A tendência clara é que os EUA estão perdendo fragorosamente a competição pelo comando da ordem mundial e é nessa perda que ele faz gestos alucinados, como um Nero colocando fogo em Roma”, destaca o professor.

O peso da dependência

Apesar da aparente irracionalidade da medida, o historiador alerta que seus efeitos podem ser profundos, sobretudo porque o Brasil mantém relações de profunda dependência econômica e militar com os Estados Unidos.

“As Forças Armadas brasileiras vivem um tumulto de identidade. Foram preparadas para combater o inimigo interno, não o externo. Elas não sabem para que servem, qual a sua destinação final. Essa função de deefnder a ordem interna conflita essencialmentecom a defesa externa. A Constituição fala da defesa da Pátria, algo meio abstrato. Não há, claramente a destinação das Forças Armadas para a repressão e dissuação de inimigo externo. Então, elas se sentem condicionadas a intervir no Brasil”, afirmou Manuel.

Domingos relembrou que, desde a Primeira Guerra Mundial, o Brasil vem subordinando sua estrutura militar a potências estrangeiras. A partir dos anos 1950, essa dependência se estreitou com os EUA, e hoje se reflete em múltiplos aspectos, da compra de equipamentos à formação de oficiais em cursos nos Estados Unidos. O resultado disso, segundo o professor, é a incapacidade de se estabelecer uma real soberania.

“Estado que depende de outro em armas e equipamentos vende a alma”, disse. “Está mais para protetorado do que para potência soberana. Não houve reforma militar. Não houve mudança na política de defesa nacional. Persistimos num esquema que está nu diante das ameaças”, completou.

A ameaça de Trump revela, ou escancara, essa fragilidade.

Conferência Nacional

A Conferência Nacional de Defesa, segundo o historiador, deve ser um espaço para mobilizar a indústria, a academia, os setores estratégicos e todos os segmentos da sociedade brasileira. Ele defende que a Defesa Nacional não seja vista como coisa para especialista, restrita aos militares. Pensar a defesa do país, segundo Manuel, deve ser tarefa da coletividade, tendo como pilastra a união.

“O planejamento necessário não é exatamente militar, mas principalmente político. Não é o militar que vai dizer como se traça o caminho. Se entregar nas mãos dos militares vai dar confusão. Cada força pensa em defender sua própria corporação. Não pensam no conjunto. A supremacia deve ser aeronaval. A tropa terrestre se torna secundária. Precisamos de capacdade aeronaval”, aponta.

Fernando Frazão/Agência Brasil

Ele também fez duras críticas à ausência de um plano estratégico para reduzir a dependência brasileira de países como os Estados Unidos e Israel. A compra dos caças Gripen da Suécia, por exemplo, pode parecer um primeiro passo, mas é uma ilusão. Com 30% dos aviões produzido pelos Estados Unidos, a dependência se mantém, independentede onde foi feita a compra. 

“Não há saída. A autonomia é fundamental. Precisamos desenvolver aqui a indústria de drones, de hipersonicos, de termos capacidade própria de comunicação, lançadores de satélite. E isso pode ser feito com rapidez, desde que tenhamos de fato um ministro de Defesa euma política de Defesa, que a sociedade entenda qe a política de Defesa é coisa importante”, defendeu.  

Manuel mencionou o exemplo do Centro Espacial de Alcântara, cuja concessão para uso por empresas norte-americanas não prevê transferência de tecnologia e foi conduzida sem discussão pública. O professor destaca que não houve debate público sobre o assunto quando da concessão da base para as Forças americanas.

“É uma vergonha o Brasil não ter capacidade própria para lançar satélites. Se eficientemente mobilizadas, nossa indústria, nossas universidades garantem o nível tecnológico necessários para que o Brasil entrase nessa disputa – de contrução e lançamento de satéliters – com sucesso. Não temos isso por falta de política e não só do Governo Bolsonaro, Isso vem lá de trás. Nunca tivemos no Brasil força política que definisse os rumos da Defesa Nacional”, lamentou.

Unidade nos propósitos

Divulgação/Exército Brasileiro

Ao final do programa, o historiador deixou um recado claro: “O Brasil está despreparado, mas pode se preparar. Só não pode continuar sem direção política. Precisamos multiplicar a capacidade da indústria nacional, definir objetivos claros e unir o país em torno da sua soberania.” O programa reforça: a hora é agora. Sem uma Conferência Nacional de Defesa, o Brasil seguirá vulnerável em um mundo cada vez mais instável. É preciso buscar unidade, inclusive com a sociedade civil.

“Não dá para termos um movimento poderoso antirracista e a Marinha repelir João Cândido. Não dá para nósestarmos lutando pela democracia e outros querendo comemorar o 31 de março. Isso precisa ser resolvido. Me parece que falta uma orientação que se imponha, linhas claras a serem seguidas”, defendeu.

O programa Soberania em Debate, projeto do SOS Brasil Soberano, do Sindicato dos Engenheiros no Rio de Janeiro (Senge RJ), é transmitido ao vivo pelo YouTubetodas as quintas-feiras, às 16h. A apresentação é da jornalista Beth Costa, com assessorias técnica e de imprensa de Felipe Varanda e Lidia Pena, respectivamente. Design e mídias sociais são de Ana Terra.

O programa também pode ser assistido pela TVT, Canal do Conde, e é transmitido pelas rádios comunitárias da Associação Brasileira de Rádios Comunitárias – Abraço Brasil.

 

Senge RJ | Foto: Paulo Pinto/Agência Brasil

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