No programa da 1ª Reunião Anual do Fórum da Engenharia Nacional, a defesa do papel da engenharia no planejamento de um Brasil soberano, sustentável e igualitário dividiu espaço com uma preocupação urgente para engenheiros, engenheiras e demais profissionais das geociências: o Projeto de Lei 1.024/20, encaminhado ao Congresso pelo então ministro da Economia, Paulo Guedes.
O texto – que busca facilitar a atuação de engenheiros estrangeiros no Brasil sem qualquer garantia de reciprocidade – tramita nas comissões da Câmara dos Deputados e, no fim de 2024, foi desfigurado por um substitutivo que acrescentou “penduricalhos” e pode ser votado sem que a categoria seja consultada. O que já era ruim ficou pior.
Em seu relatório de dezembro de 2024, o então relator Hugo Motta assinala que todas as alterações trazidas pelo substitutivo foram feitas “a pedido do Conselho Federal de Engenharia e Agronomia (Confea)”. Essas mudanças, porém, não passaram pelos congressos que tradicionalmente reúnem a categoria.
Um substitutivo inesperado
Caso aprovado como está, o texto vai: estender os mandatos – atuais e futuros – dos presidentes do Confea e dos Creas, que poderão disputar a reeleição sem se descompatibilizar dos cargos; autorizar a atuação de engenheiros estrangeiros no Brasil sem necessidade de revalidação de diploma ou registro profissional, sempre que o processo de regularização ultrapassar 30 dias; retirar da lei a descrição das profissões, transferindo a atribuição regulatória ao MEC; revogar os repasses às entidades profissionais; instituir plano de saúde para diretores e presidente do Confea, entre outras propostas.
As entidades de engenharia exigem ser ouvidas para sugerir modificações e supressão de diversos dispositivos do PL e seu substitutivo. “O PL não pode seguir com aquele substitutivo. Aquilo é uma excrescência”, sustentou Roberto Freire, presidente da Federação Interestadual dos Sindicatos de Engenheiros (Fisenge), na abertura do evento, que reuniu centenas de entidades nacionais e regionais das engenharias, parlamentares, academia e movimentos sociais nos dias 02 e 03 de junho, no Clube de Engenharia.
O presidente do Sindicato dos Engenheiros no Estado do Rio de Janeiro (Senge RJ), Clóvis Nascimento, também destacou a relevância do tema: “Deputado Rogério Correia, queremos que o senhor promova o debate em torno do PL 1024. Precisamos de muita discussão para chegar a um denominador comum”, defendeu Clóvis.
Os presidentes da Fisenge e Senge RJ falaram diretamente ao relator do projeto na Comissão de Finanças e Tributação (CFT), o deputado Rogério Correia (PT-MG), que também participou da mesa de abertura do evento. O texto retorna ao parlamentar que foi seu relator na Comissão de Trabalho, Administração e Serviço Público, em 2022. Correia garantiu que, antes de apresentar Parecer do Relator, irá escutar a categoria e buscar o consenso, com objetivo de garantir a soberania nacional.
O ex-presidente do Confea, da Mútua e do Crea-DF, Henrique Luduvice, também criticou o substitutivo em entrevista publicada na tarde do dia 03/06, classificando algumas alterações como “casuísticas e nefastas”.
Pelo direito ao debate
No segundo dia do evento, o tema voltou ao debate no painel “Formação profissional, Lei 5.194/66, geração de empregos e economia solidária”.
“Esse PL, que vai alterar a Lei 5.194/66, que disciplina o exercício profissional de engenheiros, agrônomos, geólogos, geógrafos e meteorologistas, precisa ser reformulado. A lei está fora da realidade da nossa profissão hoje, e por muito tempo discutimos a sua reformulação, mas tínhamos medo de que surgissem ‘jabutis’ que terminassem prejudicando a nossa regulamentação. No fim das contas, veio o jabuti inteiro. O ministro da Fazenda enviou o projeto com o objetivo de trazer ao país profissionais para cumprir investimentos de empresas estrangeiras que estavam chegando para ocupar o espaço deixado pelas empresas brasileiras destruídas pela Lava Jato”, explicou Carmem Lúcia Petraglia, presidenta da Associação Brasileira de Engenheiras e Arquitetas (ABEA Nacional).
Carmem apresentou os problemas do substitutivo e as propostas da ABEA para o projeto. Entre elas estão a formalização do Confea como instância responsável por determinar áreas privativas de atuação das profissões do sistema e áreas compartilhadas com outras profissões; a anulação de atos normativos que dispõem sobre as atribuições dos profissionais do sistema; a regulamentação do Crea Jr.; um prazo de 90 dias para o registro profissional; o aumento do plenário do Confea para 30 conselheiros, sendo 27 representantes dos estados, dois de instituições de ensino e um tecnólogo, e o fim da multa de 20% por atraso no pagamento de anuidades.
“Essas são as nossas propostas para os temas que consideramos prioritários. Outras entidades poderão debater outros temas. O Clube de Engenharia, inclusive, fez um bom trabalho sobre o Projeto de Lei”, apontou Petraglia.
“Esse não pode ser um debate açodado. É preciso tempo para reflexão. Quando nossa categoria tomou a iniciativa de apresentar um projeto de alteração da Lei 5194, foi no período entre 1991 e 1993, quando, após a Constituição de 1988, foram convocadas duas Semanas de Engenharia em anos consecutivos e um congresso profissional para aprofundar a proposta da categoria. Agora querem aprovar isso sem debate com a categoria, com as empresas e com a sociedade. Precisamos estar atentos”, destacou Marcos Túlio de Melo, do Senge-MG, coordenador do painel.
Confira o registro do segundo dia do evento abaixo. O painel que tratou do PL 1024 está em 5h20m.
Foto: Antônio Cruz/Agência Brasil