Por um ministério com espírito revolucionário | Jorge Folena

Segundo Folena, "o derrotado pelo parlamento não tem sido o governo, mas, infelizmente, o programa eleito pela maioria do povo brasileiro"

Por Jorge Folena*

“Um mapa do mundo que não inclua Utopia não merece nem um olhar de relance”. Trago à lembrança esse pensamento de Oscar Wilde diante da realidade no Brasil e no mundo, que exige de todos uma reflexão profunda para que possamos melhor encaminhar o destino do Brasil e da humanidade.

Na noite de 30 de outubro de 2022, quando saiu o resultado do segundo turno da eleição presidencial do Brasil e foi declarada sua vitória sobre o candidato da extrema direita, o Presidente Lula já tinha conhecimento das dificuldades que enfrentaria para governar um país polarizado politicamente, cuja economia encontrava-se estagnada.

Por isso, no seu pronunciamento para os brasileiros e o mundo, ele apresentou um pacto de reconstrução e união nacional, pois sabia que enfrentaria um parlamento formado na sua quase totalidade por liberais e fascistas, seguidores da cartilha do neoliberalismo, com o poder de promover qualquer alteração constitucional, aprovar leis contrárias aos interesses do país e derrubar vetos presidenciais relativos a proposições legislativas absurdas.

Por ser o legítimo representante da classe trabalhadora e uma pessoa imbuída de profundo desejo de justiça social, Lula sabia que sofreria as piores pressões da classe dominante brasileira e internacional, acostumadas a golpear a democracia para impor estados autoritários e subservientes, a fim de manter seu “status quo”.

Mesmo com todas as dificuldades, como a manipulação abusiva dos preços dos alimentos, nesse quase um ano e meio de seu terceiro mandato, o presidente Lula tem conseguido recuperar o estado de bem-estar social e impulsionar a economia brasileira, que já se encontra entre as dez maiores do mundo, com o desemprego baixando para níveis inferiores aos de dez anos atrás.

Dentro da ordem econômica vigente, o país tem avançado bastante, mesmo diante da sabotagem promovida pela classe dominante, seus aliados e empregados, como a mídia tradicional, que diariamente tenta apagar a importância do presidente Lula no cenário político nacional e mundial, escondendo suas ações em prol dos empresários e do povo brasileiro e ressaltando o que há de pior na política, que são as ações do fascismo, usado para materializar os interesses do neoliberalismo concentrador de capital e explorador do ser humano.

Com efeito, na brutal luta de classes que se trava no Brasil, a “elite” dominante tem empregado todas as armas para fazer prevalecer os interesses mais atrasados contra o país e o povo, inclusive retomando as pautas do falso moralismo e do combate à corrupção;  para isso, utiliza seus prepostos no parlamento, no judiciário, na burocracia em geral (ex.: Banco Central) e nos meios de comunicação, não hesitando em empregar mentiras sempre que julgar necessário, além de fazer ataques permanentes pela rede mundial de computadores, por ela integralmente controlada.

A representação do campo progressista democrático e popular precisa compreender que a classe dominante vai usar todos os instrumentos ao seu alcance para promover cada vez mais a radicalização e a polarização, com o objetivo de tentar sobreviver e manter a ordem atual, que não apresenta soluções efetivas para os problemas do país e das pessoas.

Daí, não é mais possível continuar a fazer a mesma política de acomodação que vem sendo construída desde 2003, para garantir a governabilidade. Infelizmente, a classe dominante detém o controle institucional, que pode usar, caso queira, até mesmo para promover a transferência formal do centro da administração para o parlamento, o que seria inconstitucional, mas pode se materializar, diante do atual desequilíbrio das forças políticas e sociais, decorrente de um grande imobilismo por parte do campo progressista. Por tal razão, o enfrentamento político no espaço público deve ser permanente, mas tem sido deixado de lado por importantes agentes do campo democrático e popular.

A liderança do Presidente Lula se sobrepõe a qualquer representação da classe dominante brasileira, sendo ele, no momento, o único capaz de conduzir o governo de modo a beneficiar a população e retomar o processo de desenvolvimento nacional. Porém, somente isso não é suficiente, sendo necessário que os diversos integrantes da ala progressista que compõem o governo compreendam que também precisam ter um espírito de enfrentamento à classe dominante e ao fascismo para conseguir transformar o país e fazer com que as riquezas nacionais beneficiem a todos os brasileiros.

Ocorre que muitos desses representantes parecem institucionalizados, atuando de modo burocrático e sem espírito vanguardista., colocando-se, de certa forma, distantes e com medo do povo.

Não compreendem que o mundo está de cabeça para baixo; que a ordem neoliberal ocidental, a que a classe dominante brasileira aderiu até aqui, está se desmanchando e, para adiar seu fim, é capaz de lançar a humanidade numa guerra de destruição sem precedentes; e que, ao mesmo tempo, do outro lado, diversas nações e povos estão se unindo num pacto de mútua cooperação para o desenvolvimento conjunto e para se contrapor à exploração abusiva, espoliadora e imoral, decorrente de um modelo econômico que, ao longo de mais de um século só promoveu a concentração absurda de capital e espalhou a desesperança.

O presidente Lula dá sinais de compreender muito bem o que ocorre no mundo, tanto que reprovou desde o início as ações contra a Palestina, que qualificou de comportamento desumano. Porém, grande parte dos seus ministros não o acompanha, mas fica quieta e deixa o presidente exposto aos ataques da classe dominante brasileira, que também se acovarda e permanece subserviente aos interesses de uma ordem internacional fracassada.

A elite brasileira aceita com passividade a proposta de venda dos nossos minerais cruciais por preços baixos, como fez a embaixadora norte-americana no Brasil[1]; e chega ao ponto de permitir que um estado beligerante estacione um porta aviões na Baía de Guanabara; tudo isto num claro sinal de ameaça, para impedir a adesão do Brasil ao projeto de cooperação e parceria que está sendo construído por entidades como os Brics, que tem tudo para ser benéfico ao desenvolvimento nacional e que poderá favorecer inclusive a classe dominante local.

A conclusão a que se chega é que, ao contrário do manifestado em análises de pesquisas de opinião e informes da mídia, o derrotado pelo parlamento não tem sido o governo, mas, infelizmente, o programa eleito pela maioria do povo brasileiro.

Portanto, precisamos que as principais lideranças do governo saiam do imobilismo e da bolha institucional e se coloquem, sem medo, ao lado da população, para tirá-la do transe das mentiras do fascismo, que se constitui na tropa de choque do neoliberalismo ocidental. Encerro com um chamado para todos nós brasileiros, para que não tenhamos medo, mesmo diante de todas as dificuldades, que somente pela luta conseguiremos derrotar:

Já tentou. Já fracassou. Não importa. Tente de novo. Fracasse de novo. Fracasse melhor”. (Samuel Beckett).

 

*Folena é advogado e cientista político. Secretário geral do Instituto dos Advogados Brasileiros e Presidente da Comissão de Justiça de Transição e Memória da OAB RJ. Apresentador do programa Soberania em Debate, do movimento SOS Brasil Soberano, do Senge RJ.

Foto: Ricardo Stuckert/PR

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