A líder quilombola e Yalorixá Mãe Bernadete Pacífico, 72, foi morta a tiros dentro da associação Quilombo Comunidade de Pitanga de Palmares, em Simões Filho, na região metropolitana de Salvador, na noite dessa quinta-feira (17).
O crime segue uma trilha de perseguições. Em setembro de 2017, seu filho, Flávio Gabriel Pacífico dos Santos, 36, conhecido como Binho do Quilombo, também foi executado a tiros, ação que segue sem apontar culpados.
Secretária de Políticas Sociais e Direitos Humanos da CUT, Jandyra Uehara, lembra que a Bahia é o terceiro estado mais conflituoso do Brasil graças ao avanço do agronegócio, mineradoras nacionais e internacionais, empresas de energia eólica e grandes empreendimentos de energia solar.
Segundo ela, o desrespeito aos povos originários por parte de milícias, fazendeiros e pistoleiros por meio da exploração de grilagem de terras, obstruções de acesso à água, pressão da compra de terra e criminalização das lideranças tem espalhado um rastro de sangue pela região.
“O assassinato da Mãe Bernadete não pode ficar sem solução e punição dos responsáveis, tanto mandantes quanto executores. A violência e o medo não podem se tornar parte do cotidiano das comunidades. O Brasil precisa ser reconstruído, mas isso só será possível através da paz e da justiça. Paz para quem busca e justiça para quem comete crimes e nós da CUT continuaremos nossa luta, em todos os lugares, por todos os trabalhadores e trabalhadoras, buscando a paz e a justiça para que o Brasil volte a ser um país de todos”, apontou.
Em fevereiro do ano passado, a CUT-Bahia já havia se posicionado contra a crescente intolerância religiosa no estado. O aumento de violências do tipo, porém, não se restringe à região. O número de denúncias saltou 106% entre 2021 e 2022 e passou de 583 para 1,2 mil em apenas um ano, conforme levantamento do Disque 100. O ranking é comandado por São Paulo (270 denúncias), seguido por Rio de Janeiro (219), Bahia (172), Minas Gerais (94) e Rio Grande do Sul (51).
Região de luta
O Quilombo de Pitanga de Palmares, certificado em 2004, mas ainda sem o processo de titulação concluído, é alvo de disputas fundiárias e Mãe Bernadete já havia alertado que ela e outras lideranças sofriam ameaças de morte por parte de grupos ligados à especulação imobiliária.
Em julho, quilombolas da Bahia denunciaram à presidenta do Supremo Tribunal Federal, Rosa Weber, ameaças e violências contra a comunidade em um evento que ocorreu na comunidade Quingoma, em Lauro de Freitas, também na região metropolitana de Salvador.
Mãe Bernadete foi secretária de Políticas de Promoção da Igualdade Racial em Simões Filho entre 2009 e 2016 e era reconhecida como uma defensora da cultura quilombola.
A comunidade que liderava fica em um espaço de 854 hectares onde vivem 290 famílias que produzem e vender produtos como frutas e verduras.
Repercussão
A Coordenação Nacional de Articulação de Quilombos, comandada por Mãe Bernadete, emitiu uma nota em que aponta “mãe Bernadete, agora silenciada”, como “uma luz brilhante na luta contra a discriminação, o racismo e a marginalização” e que “atuava na linha de frente para solucionar o caso do assassinato do seu filho Binho e bravamente enfrentou todas as adversidades que uma mãe preta pode enfrentar na busca por justiça e na defesa da memória e da dignidade de seu filho.”
A Secretaria de Justiça e Direitos Humanos apontou que “em conjunto com as secretarias de Promoção da Igualdade Racial, de Assistência e Desenvolvimento Social e de Segurança Pública”, está “unindo esforços para garantir toda assistência e solidariedade aos familiares e à comunidade de Mãe Bernadete, nossa companheira na defesa dos direitos humanos.”
Governador da Bahia, Jerônimo Rodrigues (PT), disse que recebeu “com pesar e indignação” a notícia da morte de Mãe Bernadete e afirmou que determinou o deslocamento imediato das forças de segurança para o local e orientou para que sejam firmes na investigação.
Em nota, a ministra da Igualdade Racial, Anielle Franco, apontou que o país vive da bancada da bala e da Bíblia vive uma epidemia de assassinatos de lideranças de religiões de matriz africana.
“O ataque contra terreiros e o assassinato de lideranças religiosas de matriz africana não é pontual. O racismo religioso é mais uma faceta da conformação racista que estrutura o país e precisa ser combatido por meio de políticas públicas”, aponta.
Fonte: Luiz Carvalho | CUT Brasil