O primeiro chinês a viajar ao espaço, Yang Liwei, em 2003, e agora vice-chefe designer do Programa Espacial Tripulado da China, esteve presente no lançamento da missão Shenzhou 18, feito no último 25 de abril, e que levou três astronautas chineses à estação espacial da China, a Tiangong.
Em entrevista exclusiva com o Brasil de Fato/TVT, Yang Liwei falou sobre o rápido desenvolvimento do setor aeroespacial de seu país, assim como sobre as possibilidades de cooperação com o Brasil na área. “Espero que a China e o Brasil possam promover um intercâmbio cada vez melhor entre os nossos pesquisadores nesta área”. Ele acredita que ambos países podem ter colaborações “em missões tripuladas (…) e até mesmo cooperação em grande escala envolvendo módulos e segmentos de naves espaciais”.
Quando Liwei foi ao espaço em 2003 (onde ficou durante 21 horas e 14 voltas ao redor da Terra), a China havia se tornado o terceiro país a enviar um astronauta de forma autônoma, depois da União Soviética e dos Estados Unidos.
A nave chinesa Shenzhou 18 foi lançada do Centro de Lançamento de Satélites de Jiuquan, com destino à estação espacial chinesa, Tiangong, na terceira missão tripulada desde que a construção da estação foi finalizada em 2022.
Durante uma década, a Tiangong terá tripulação de forma permanente. Os três taikonautas, Ye Guangfu, Li Cong e Li Guangsu, substituem os três da Shenzhou 17, que após receberem a nova missão voltaram à Terra em 30 de abril. “Taikonauta” é o termo usado como sinônimo de astronauta chinês. Surge da palavra em mandarim Taikong (太空), que significa “espaço”, e sua origem é atribuída a Zhao Liyu, um chinês residente na Malásia.
A equipe da Shenzhou 18 realizará durante seis meses, cerca de 90 experimentos em diversas áreas científicas que vão da medicina à física da microgravidade, além de tarefas de manutenção na estação espacial. Também trabalharão em reforçar a proteção contra resíduos espaciais.
Na visita do presidente Lula à Pequim no ano passado, os governos assinaram um acordo para iniciar o desenvolvimento do sétimo satélite sino-brasileiro: o CBERS-6.
Do banimento da Estação Espacial Internacional à construção de uma estação própria
Em 2011, o Congresso dos Estados Unidos aprovou uma lei que proibia a NASA de cooperar com o governo chinês e as suas agências. A emenda Wolf (como ficou conhecida, por ser de autoria do congressista republicano Frank Wolf) teve como consequência o banimento da China da Estação Espacial Internacional (EEI).
A criação de uma estação espacial própria, era a última de três fases do Projeto 921, que estabeleceu em 1992 o Programa Espacial Tripulado da China. A primeira fase era o envio da primeira missão tripulada ao espaço em 2002 e a segunda, avanços na tecnologia de atividade extraveicular (as ações de astronautas fora das naves) e na tecnologia de encontro e acoplamento de veículos espaciais. O banimento da EEI não parece ter retardado o planejamento de três décadas da China, que em 2022, completou a Tiangong.
Não ironicamente, no final do ano passado, o Congresso dos EUA propôs a primeira violação da emenda Wolf: a NASA recebeu autorização para estudar as amostras lunares coletadas pela primeira vez pela pela missão Chang’e 5, e que a China havia oferecido à comunidade científica internacional para fins de pesquisa.
Liwei acredita que a rapidez do desenvolvimento chinês no setor se deve, em parte, à chamada “vantagem dos recém-chegados” ou dos “retardatários”, uma ideia que se refere à possibilidade de modernização industrial de um país mediante a imitação ou importação de tecnologias existentes, o que representa custos menores em Pesquisa e Desenvolvimento.
Confira a entrevista:
BdF/TVT: Desde sua viagem ao espaço em 2003, a China tem avançado rapidamente em pesquisa, tecnologia e indústria aeroespacial. Quais são os fatores que explicam o ritmo desse desenvolvimento?
Em primeiro lugar, é realmente notável testemunhar o rápido desenvolvimento das viagens espaciais tripuladas da China nos últimos 21 anos.
Com o nosso plano de três etapas, realizamos com sucesso a construção da nossa estação espacial. Estou testemunhando que cada vez mais colegas e camaradas de armas realizam missões. Esta missão [Shenzhou 18] é a décima terceira em termos de viagens espaciais tripuladas da China. Isso tem a ver com nossa “vantagem dos retardatários”.
Desde o design da nossa estação espacial até outros avanços tecnológicos, alcançamos esses avanços num período de tempo mais curto. Isso fala da nossa força. Além disso, a nossa liderança centralizada e unificada facilitou a implementação bem sucedida de tarefas de engenharia, aproveitando a força coletiva da nação para concentrar os nossos esforços em empreendimentos importantes.
Em segundo lugar, a nossa vantagem de retardatário trouxe a aplicação de muitas novas tecnologias. Por exemplo, a nossa estação espacial é a primeira a utilizar propulsão elétrica, o que poupa energia significativamente do ponto de vista energético. Esta aplicação de novas tecnologias, incluindo diversas técnicas de controle, tem sido amplamente utilizada na estação espacial.
Além disso, ao longo dos anos, nossa autossuficiência alimentou uma equipe forte. Como é evidente nos nossos esforços aeroespaciais e de voos espaciais tripulados, treinamos e reunimos um grupo de pesquisadores científicos jovens e de meia-idade. Nossa equipe de pesquisa é hoje muito jovem, com idade média em torno de 35 anos. Muitos jovens possuem energia abundante, contribuindo para o rápido desenvolvimento de nossos empreendimentos de engenharia. Do ponto de vista gerencial, ao longo de anos de crescimento, desenvolvemos métodos de gestão eficazes e uma equipe coesa.
China e Brasil cooperam há bastante tempo no setor aeroespacial, especialmente com a construção dos satélites CBERS. Como o senhor avalia essa cooperação e qual é o seu potencial?
Quanto à China e ao Brasil, acredito que temos uma base sólida, explicitamente com apoio dos chefes de Estado de ambos os países. Esta tomada de decisão e apoio deverão facilitar enormemente uma colaboração reforçada entre as nossas duas nações neste domínio. Nessa perspectiva, eu espero que a China e o Brasil possam promover um melhor intercâmbio cada vez melhor entre nossos pesquisadores nesta área. Também espero que esses intercâmbios possam se traduzir em resultados tangíveis, levando, em última instância, a mais contatos e colaborações substanciais.
Por exemplo, nos nossos esforços para construir a estação espacial, podemos ter colaborações em missões tripuladas, experiências científicas, voos espaciais conjuntos e até mesmo cooperação em grande escala envolvendo módulos e segmentos de naves espaciais. Podemos explorar várias oportunidades de cooperação baseadas em necessidades mútuas e no espírito de benefício mútuo pacífico, fazendo avançar assim o desenvolvimento desta área em ambos países.
Uma das próximas grandes metas da China no setor aeroespacial é a chegada de taikonautas à Lua em 2030. Em que fase se encontra esse projeto?
Espero que a essa altura possamos ver chineses na Lua. No entanto, ainda há muito trabalho a fazer neste processo. Conforme disse anteriormente, o progresso geral do nosso projeto de exploração lunar está sendo relativamente tranquilo. Muitos dos nossos principais avanços tecnológicos e produtos estão sendo submetidos a experimentos de amostragem. Isto inclui a nossa nave espacial e vários experimentos cruciais relacionados à força e ao calor.
Desta perspectiva, acredito que é muito promissor antecipar a exploração lunar chinesa até 2030. Como mencionamos anteriormente, alguns amigos estrangeiros estão interessados no nosso projeto. Esperamos que, ao longo da evolução do projeto, forças de pesquisa de diferentes países ou organizações, incluindo as da China e do Brasil, possam contribuir para o avanço do nosso desenvolvimento conjunto no campo aeroespacial. Eu acredito que é algo que vale a pena esperar.
Fonte: Brasil de Fato
Texto: Mauro Ramos
Edição: Rodrigo Durão Coelho
Foto: Mauro Ramos