Projeto Apolo, da Vale, ameaça aquíferos e sítios históricos na Serra do Gandarela, em Minas Gerais

Movimentos da sociedade civil organizada lutam para impedir a destruição de um dos últimos aquíferos preservados do quadrilátero aquífero e ferrífero mineiro

Em um mundo onde a escassez de água potável já é realidade, e em meio a cenários de secas severas por todo o Brasil, causadas pelos impactos da ação humana sobre os sistemas naturais que costumavam garantir o abastecimento do bem mais precioso para a vida, o governador de Minas Gerais, Romeu Zema, achou que seria uma boa ideia tirar da gaveta o licenciamento do projeto Apolo. Com ele, a Vale – que soterrou Mariana em 2015 e Brumadinho em 2019 – pretende abrir uma cava de sete quilômetros de extensão e 200 metros de profundidade nas proximidades do Parque Nacional da Serra da Gandarela, entre Caeté e Santa Bárbara.

Travado há 15 anos, o projeto da Vale, se implementado, irá destruir uma reserva de água doce responsável por inúmeras nascentes do Parque Nacional da Serra da Gandarela, afetando diretamente o bioma e comprometendo a segurança hídrica da região metropolitana de Belo Horizonte. As reservas naturais em formações ferríferas com grande capacidade de armazenamento e infiltração, que guardam águas de qualidade elevada, secariam.

A capital mineira também pode ter o ar severamente comprometido, graças a uma “nova técnica de barragem” apresentada pela Vale como uma alternativa mais segura e ambientalmente responsável. Trata-se da mineração a seco, que, teoricamente, não gera rejeitos e, por isso, dispensa a construção de uma barragem.

A “mineração do futuro”, como a Vale vem apresentando o projeto, no entanto, está longe de ser consenso na academia e na sociedade civil organizada, que luta para mobilizar pela conscientização. Para além de secar aquíferos, outro problema seria o resultado da interação das pilhas de pó com o clima: ambientalistas apontam que a contaminação dos rios seria inevitável à medida que a chuva molhasse os resíduos, inclusive com o possível assoreamento da bacia hidrográfica do Rio das Velhas e, ao final do caminho, na estação de tratamento Bela Fama, em Nova Lima.

“A Serra do Gandarela abriga um dos últimos aquíferos preservados do nosso quadrilátero aquífero e ferrífero, e a cava do projeto Apolo vai destruir esse aquífero. Essa água pura, que está preservada e que abastece as nascentes do Rio das Velhas e do Rio Piracicaba, vai secar. Uma vez destruído o aquífero, acabou essa reserva, que pode ser uma fonte de garantia de segurança hídrica para a RMBH”, explica Daniel Neri, professor e pesquisador do Instituto Federal de Minas Gerais (IFMG), em entrevista ao Brasil de Fato.

Não bastasse isso para tirar o projeto da gaveta e jogá-lo no lixo, o Apolo ainda colocará em risco uma paleotoca, onde preguiças gigantes da Era do Gelo se abrigaram há cerca de 10 mil anos. Os impactos sociais também preocupam, uma vez que as comunidades ao redor de tais empreendimentos costumam enfrentar alta no custo de vida, tráfego intenso, poluição sonora e do ar, aumento da violência e prostituição.

Resistência pela água

Enquanto os interesses corporativos na extração de recursos ameaçam o meio ambiente, encontrando no governador Romeu Zema (Novo) um aliado importante que vem trabalhando para flexibilizar as leis ambientais, a sociedade civil organiza a resistência. Nas redes, o projeto Águas do Gandarela publicou um site com diversos estudos e trabalhos acadêmicos sobre o parque nacional e o perigo da mineração em seu entorno. Também estão recolhendo assinaturas em um abaixo-assinado que já soma 60 mil assinaturas.

No âmbito da política institucional, o cenário adiante não é animador. A população de Belo Horizonte, a 40 kms de onde a Vale iria escavar, vai decidir no segundo turno entre candidatos do Partido Liberal e do Partido Social Democrático. O primeiro, de Bolsonaro, é famoso pela política de “passar a boiada”. O segundo, na centro-direita, é o mesmo do prefeito Eduardo Paes que, no Rio de Janeiro, luta pela instalação de tirolesas no monumento natural do Pão de Açúcar, com desgaste na rocha.

O Movimento pela Soberania Popular na Mineração e outros movimentos buscam articular atores regionais para a resistência e, para barrar o absurdo, foram à Justiça.

No início de setembro, a Justiça Federal, em resposta a uma ação movida pelo Projeto Manuelzão e Instituto Guaicuy, anulou as audiências públicas realizadas em maio pela Vale, parte do processo de licenciamento. Segundo a juíza Ana Cristina Rocha Gonçalves, as audiências só poderão acontecer após autorização do licenciamento ambiental emitido pelo Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio).

Clique aqui para assinar o abaixo-assinado e ajude a salvar o aquífero, a paleotoca, o ar e os rios de Minas Gerais, um estado que já sofreu demais com os empreendimentos irresponsáveis da Vale.

 


Rodrigo Mariano/Senge RJ com informações do Brasil de Fato e Diário do Comércio | Foto: reprodução

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