(Foto: Marcello Casal Jr./Agência Brasil)
Fonte: Brasil de Fato
“O Brasil pode, por meio de investimentos no setor social, gerar décadas de crescimentos”. É o que afirma Pedro Rossi, professor do Instituto de Economia e diretor do Centro de Estudos de Conjuntura e Política Econômica da Unicamp. Ele e mais 30 pesquisadores lançaram o estudo “Austeridade e Retrocesso – Impactos da política fiscal no Brasil” em que analisa os impactos das políticas de cortes em diversas áreas sociais e sua garantia ao direito humano em acessar bens públicos.
A pesquisa articula o tema gestão orçamentária com a agenda dos direitos sociais e apresenta esses efeitos na educação, saúde, agricultura familiar, meio ambiente, cultura, segurança e moradia, causados pela austeridade fiscal da aprovação da Emenda Constitucional 95/2016 (EC 95).
De acordo com o documento, a EC 95 foi “Uma das primeiras medidas do governo de Michel Temer” e estabeleceu medidas de controle das despesas primárias do Governo Federal com duração de 20 anos, com possibilidade de revisão após uma década. E por meio da pesquisa é possível mensurar o retrocesso social que o país está vivenciando como, por exemplo, a volta do aumento da mortalidade infantil, como aponta Rossi.
“E o que aconteceu agora com a mortalidade infantil é uma violação desse tratado, porque vinha caindo há mais de dez anos o índice de mortalidade infantil. Nos últimos anos, ela [mortalidade infantil] voltou a subir, na verdade é o país que não garante aquele direito humano fundamental”.
Conforme apresenta o estudo, esse aumento no índice da mortalidade infantil está diretamente relacionado a outras problemáticas sociais, como o aumento da “Extrema Pobreza, a escassez de investimentos em saneamento básico e a piora no atendimento à saúde da população diante dos cortes de gastos” e esse cálculo nos cortes das políticas públicas atinge majoritariamente a população negra e pobre.
Ainda segundo o professor da Unicamp, o discurso que permeia a justificativa para a política de austeridade fiscal “é uma falácia ideológica” e a medida não é o único caminho para a política econômica, investir no social é uma forma de gerar crescimento.
Acessível e didático o estudo é voltado para o debate público e político e foi baseado no livro Economia para Poucos: Impactos Sociais da Austeridade e Alternativas para o Brasil, publicado pela editora Autonomia Literária.
Confira a entrevista que o Brasil de Fato fez com o pesquisador.
Brasil de Fato – O que revelou o estudo no atual cenário político pós-golpe?
Pedro Rossi – O estudo tem uma contribuição fundamental que é de articular a área fiscal do orçamento público, do gasto público com a área social, com a garantia de direitos humanos do acesso aos bens públicos. E a gente faz essa articulação mostrando que uma grande parte do retrocesso que nós estamos assistindo hoje ela é decorrente de um corte de gastos nos setores específicos, por exemplo, enquanto aumentou o desmatando na Amazônia, nos últimos três anos.
A partir dos últimos três anos, de 2015, nós verificamos um corte de gastos no Ministério de Meio Ambiente e nas suas autarquias. É o carro do Ibama que não tem recurso para colocar gasolina para fazer a fiscalização, essas coisas são diretamente relacionadas: a fiscal com a degradação ambiental, assim como o aumento da mortalidade infantil está associada também a cortes de gastos em setores como saneamento básico em setores como saúde.
Nós estamos mostrando nesse documento para várias áreas sociais, educação básica, educação superior, agricultura familiar, saúde, questão de gênero, raça, cultura; como os cortes dos gastos, ou seja, a austeridade fiscal, tem impactado no retrocesso social que nós estamos vivendo hoje e, evidentemente, o documento aponta para alternativas que é de recomposição de uma defesa do gasto social que tem o papel distributivo importante, e tem papel no crescimento econômico. Então a gente está fazendo é uma denúncia desse processo que está acontecendo hoje e oferecendo um caminho alternativo.
Você citou diversos setores sociais que estão sofrendo os impactos dessa política de cortes, mas qual, na sua avaliação, seria a mais preocupante?
A preocupação é generalizada. Por quê? Porque além do que já está ocorrendo, evidentemente, que alguns dados saltam aos olhos, como, por exemplo, o aumento da mortalidade infantil é algo inaceitável e o Brasil assina tratados internacionais em que se compromete a garantir progressivamente os direitos humanos.
E o que aconteceu agora com a mortalidade infantil é uma violação desse tratado, porque vinha caindo há mais de dez anos o índice de mortalidade infantil. Nos últimos anos, ela voltou a subir, na verdade é o país que não garante aquele direito humano fundamental. É uma violação de tratados internacionais como o PIDESC – Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais – que o Brasil assina. Isso salta aos olhos, mas a gente faz uma análise projetando para o futuro, olhando o efeito da Emenda Constitucional 95 e ela tem um potencial de gerar uma degradação social enorme no país.
A gente consegue analisar isso por várias áreas, inclusive, na própria saúde e educação. A gente mostra que se ela for mantida vai haver um efeito achatamento, que não vai haver recursos disponíveis para várias áreas sociais. Dei um exemplo drástico da mortalidade infantil, mas têm vários outros exemplos, a violência aumentou muito no Brasil. O documento mostra isso e novos dados estão saindo, mostrando que a taxa de homicídio aumentou, a taxa de mortes de policias, o feminicídio e a violência doméstica aumentaram, por conta de vários efeitos que estão todos associados, de uma forma ou outra, com a temática da austeridade.
Pontos importantes são os efeitos, esses sacrifícios que a população paga. Eles não são igualmente distribuídos, eles são seletivos. É a população mais pobre que paga esses sacrifícios e eles são desproporcionalmente maiores entre a população negra e as mulheres porque as políticas sociais elas atendem principalmente a população mais pobre, mais particularmente as mulheres se beneficiam mais porque é uma mãe que tem a creche para poder deixar a criança, mas se não tem mais recurso na creche, mais vaga, dada a perversa divisão sexual do trabalho que a gente tem no Brasil, é a mãe que é a prejudicada. Muitas vezes, ela deixa a criança, porque ela precisa continuar trabalhando, para uma avó que vai ter que cuidar, mas que por sua vez que também recebe um benefício público que está congelado, que está cortado, então, há um circuito de degradação social que prejudica os mais pobres e, particularmente, as mulheres e os negros, que são os principais alvos da violência, que são aqueles que sofrem mais com o aumento do desemprego, com o aumento da informalidade.
Documentamos tudo isso na nossa pesquisa e mostra que é preciso colocar em primeiro plano na discussão fiscal a questão desses cortes de gastos, eles vão prejudicar principalmente quem? Então, a gente quer fazer esse questionamento. Ok vai fazer um ajuste fiscal, mas isso vai aumentar a desigualdade? Isso vai prejudicar mais um setor do que outro? Acho que a nossa contribuição para o debate é essa.
A política de cortes públicos ela é cercada por um discurso de justificativas, que são apresentados como mitos na pesquisa. Na sua avaliação, esses discursos, que são propagados pela grande mídia para justificar as medidas, contribuem de alguma maneira para uma desmobilização da população mais prejudicada?
Sem dúvida há uma disputa pela narrativa e uma justificativa para esses cortes e sacrifícios que é enorme. Nós colocamos o primeiro ponto que é: bom, já que vai haver sacrifício quem vai se sacrificar mais? A gente precisa perguntar qual a parcela da população que está se sacrificando mais.
Além disso, tem uma outra questão anterior: se precisam ou não precisam fazer esse ajuste fiscal. Esse discurso da austeridade é um discurso falacioso. O próprio termo austeridade tenta transpor o plano individual, que é uma virtude, uma pessoa austera, uma pessoa sóbria, responsável, se torna público. Tem um tipo de mediação, mas não necessariamente a austeridade é um plano individual, ela é uma virtude no plano público, porque o estado funciona diferente de uma família.
O orçamento doméstico ele é gerido de uma forma diferente do orçamente público, a começar pelo fato que o orçamento público ele é definido pelo conjunto da sociedade, já o orçamento doméstico não. Eu não defino o meu salário, mas o setor público no momento de crise aumenta sua arrecadação para cobrir o problema social como o aumento da mortalidade infantil ou tirar de um setor da sociedade, como tirar dos mais ricos para fazer funcionar os hospitais, além das outras qualificações que tem essa metáfora do orçamento doméstico e orçamento público no fundo o debate internacional já mostra que essa discussão, que a austeridade leva ao crescimentos é uma falácia ideológica, várias pesquisas mostram isso, ninguém mais acredita que cortar gastos gera crescimento, só que o Brasil continua reproduzindo esse discurso falacioso e a gente desmonta esse discurso na pesquisa mostrando a literatura internacional, mostrando a lógica que está por trás desse discurso e como ela é equivocada.
A pesquisa aponta um abismo social, mas também sugeri alternativas, quais seriam?
O lado positivo, felizmente, a austeridade não é o único caminho como vamos apontar, há alternativas para essas políticas econômicas e alternativas, justamente, usar as nossas principais mazelas como motores do crescimento econômico. Aqui eu falo da desigualdade social, da carência de acesso a bens públicos.
O Brasil pode, por meio de investimentos no setor social, gerar décadas de crescimentos, a gente está falando da construção de moradias para as pessoas que precisam, de infraestrutura social na área de saneamento, de mobilidade urbana, de compras públicas do SUS para melhorar a saúde, melhorar o orçamento, a gente está falando de educação que vai beneficiar as futuras gerações, que vai aumentar a produtividade da economia.
Então, o que a gente está colocando no debate, que o investimento no social ele pode gerar crescimento econômico tanto no curto prazo, por uma questão de compras públicas, de gastos de infraestrutura de obras e emprego, quanto ao longo prazo por uma questão de melhoria da vida das pessoas, do acesso ao trabalho, à educação, do aumento da produtividade da força de trabalho brasileira.
Podemos pensar numa maneira completamente investida, pensando no caráter estratégico no gasto social e como motor do crescimento econômico e da própria distribuição de renda como motor desse crescimento. Essa alternativa ela é algo a ser pensando no debate tanto econômico quanto no eleitoral.