Via Brasil de Fato
Em meio ao protesto contra o “pacote de maldades” do governo Luiz Fernando Pezão (PMDB) uma imagem chamou a atenção. Policiais militares estavam dentro da Igreja São José, no Centro do Rio, posicionados nas janelas, atirando contra manifestantes que protestavam em frente à Assembleia Legislativa do Rio (Alerj). A cena, ocorrida na última terça-feira (6), chocou tanto pela violência da Polícia Militar (PM) contra a população quanto pelo lugar onde se encontravam os atiradores. A igreja virou trincheira militar para os policiais.
“A tropa da PM invadiu a igreja pela porta dos fundos, de acesso dos empregados e, subindo às sacadas, no 2º andar, de lá de cima jogavam bombas de gás lacrimogênio e de efeito moral e gás de pimenta. Os manifestantes se revoltaram e começaram a apedrejar o nosso santuário de 410 anos”, informou a Irmandade do Glorioso Patriarca São José, através de uma nota.
O jornal Brasil de Fato ouviu a Arquidiocese do Rio de Janeiro, mas também outros religiosos, como o monge beneditino, Marcelo Barros, escritor e teólogo, assim como o historiador André Leonardo Chevitarese, professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e um dos mais respeitados pesquisadores em religião. O objetivo é entender o que representa a ação da PM.
Segundo o monge Marcelo Barros, a última vez que uma igreja foi invadida por forças de segurança do Estado aconteceu em 1968, em Salvador. “Isso ocorreu quando um grupo de jovens manifestantes se refugiou dentro do Mosteiro de São Bento, correndo da repressão, e os policiais invadiram o local na intenção de atirar ou capturar os jovens que protestavam contra o regime”, afirma o teólogo.
No entanto, de acordo com informações do assessor de imprensa da Arquidiocese, Adionel Carlos da Cunha, no estado do Rio de Janeiro não se tem notícia de ataques ou uso da igreja como aparato militar, nem na época da ditadura. “Esse fato, pelos anos que estou aqui (desde 1967), foi único na Arquidiocese”, garante o assessor.
O padre Luís Corrêa Lima, professor de Teologia da Pontifícia Universidade Católica do Rio (PUC-Rio), afirma que os templos religiosos são lugares de anistia política e militar. Mesmo nos anos duros da ditadura, na década de 1970, em São Paulo, há episódios em que o regime não atacava dentro das igrejas. “Há um caso que ocorreu em 1978. Dom Mauro Morelli, bispo auxiliar de São Paulo, substituía dom Paulo Evaristo (Arcebispo de São Paulo), que estava viajando. Houve, na Praça da Sé, um protesto de donas de casa do movimento contra a alta do custo de vida. A polícia reprimiu com violência, e dom Mauro abriuas portas da catedral para receber as manifestantes. E a polícia não invadiu”, relata o padre Luís Corrêa Lima.
Em tempos democráticos, essa é a primeira vez que algo assim ocorre no Brasil, segundo o historiador da UFRJ, Andre Leonardo Chevitarese. “Nunca vi nada parecido. Estamos vivendo um estado de repressão. Isso é um escândalo. A igreja demorou muito a reagir, o pároco deveria ter exigido ao comandante da operação da PM que os policiais se retirassem da igreja”, argumento o historiador.
Segundo relatos de manifestantes os PM teriam permanecido longas horas dentro da igreja, usando as janelas como trincheira e posição militar. “Desde as 12h30 a gente já via policiais na janela da igreja, não me lembro até que horas ficaram, mas foi muito tempo”, revela um integrante da Mídia Ninja, que acompanhou todo o protesto. No total foram mais de 6h de confronto entre a PM e os manifestantes, que se espalhou por várias ruas do centro do Rio de Janeiro.
O monge Marcelo Barros argumentou que a ação da PM dentro da igreja representa um sinal dos tempos atuais. “Estamos em uma época que já não respeitam mais as instituições. Uma presidente eleita democraticamente sofreu impeachment sem crime. E o presidente do Senado não cumpre uma ordem judicial. Para que servem então as instituições?”, questiona. O religioso ainda ressalta que condena a invasão militar de qualquer templo religioso. “Existem convenções internacionais que resguardam os templos religiosos como lugar de paz. Além disso, no mundo essa diretriz se respeita desde a Idade Média. Mas pior que violar uma igreja, é atacar a pessoa uma humana, manifestantes que estão protestando por seus direitos”, ressalta o religioso.
Violência extrema
O forte aparato militar usado pela PM para reprimir o ato impressionou os trabalhadores. “Usaram cavalaria, motos de diversos tipos, carros do choque com homens na caçamba atirando, pelo menos um caveirão (blindado), muitas bombas de gás lacrimogêneo, de gás de pimenta, de efeito moral, com fragmentos que queimam a pele, inclusive fui queimado levemente no braço”, contou o integrante da Mídia Ninja entrevistado pelo Brasil de Fato. O professor Leon Diniz diz que também ficou impressionado com o grau de violência da PM. “O grau de violência que vimos ontem só se iguala às repressões de 2013”, afirma o professor.
Resposta da PM e da Arquidiocese
Em uma primeira versão sobre o episódio, o comando da PM do Rio de Janeiro informou através de suas redes sociais que “foi necessário que o policiais do Choque entrassem na igreja vizinha à Alerj para coibir ações violentas no interior e no entorno”. Entretanto não há relatos, imagens ou vídeos de manifestantes dentro da igreja, que estava com as portas fechadas.
No entanto, segundo nota da Arquediocese do Rio de Janeiro, na manhã desta quarta-feira (7), o Cel. Wolney Dias Ferreira, comandante geral da PMERJ, se reuniu com o cardeal arcebispo Dom Orani Tempesta que pediu desculpas e se comprometeu a garantir que esta conduta não volte a acontecer. “O comandante geral da PMERJ, com os seus assessores, que vieram apresentar esclarecimentos e pedir desculpas formais pelo lamentável ocorrido ontem”, informou a Arquidiocese, que considera que tema superado e encerrado.
A Igreja Católica também repudiou o uso da violência aplicada pela PM. “O recurso à violência nunca é solução. As efetivas soluções brotam da solidariedade, do diálogo e do sacrifício. Se grandes são os problemas, maiores devem ser nossa capacidade de incansavelmente dialogar, a força de nossa solidariedade e o cuidado para que os mais pobres não venham a ser ainda mais onerados com uma dose desproporcional de sacrifício”, dizia a nota da Arquidiocese, comandada pelo arcebispo Dom Orani Tempesta.