Via Brasil de Fato
Longe da produção de um consenso, a reforma do ensino médio, desenhada na Medida Provisória (MP) 746, atualmente em debate no Congresso, segue embalando calorosas discussões pelo país. Em meio às polêmicas, um grande destaque: o protagonismo dos estudantes, que em diversas partes do Brasil têm levantado suas vozes contra a medida do Planalto, na tentativa de serem ouvidos no processo de reforma do ensino.
Como resultado desse contexto de mobilizações e visibilidade, as estudantes Ana Júlia Ribeiro e Nicoly Moreira, alunas da rede estadual de ensino do Paraná, estiveram em Brasília nesta segunda-feira (31) para uma agenda de compromissos na Câmara, no Senado e em outras instituições, como o Ministério Público Federal (MPF) e o Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef).
“O nosso objetivo aqui é conseguir mobilizar as pessoas, conseguir ter voz, pra realmente fazer com que essa medida não seja imposta desse jeito, que seja discutida e que a gente consiga mostrar a nossa opinião, porque é ridículo que a educação seja decidida por uma medida provisória”, disse Nicoly Moreira, de 15 anos.
Legislativo
Para Ana Júlia, estudante que conquistou a internet após um discurso proferido na Assembleia Legislativa do Paraná em defesa das ocupações nas escolas, a vinda a Brasília expande a tentativa de interlocução dos secundaristas com o parlamento.
“É uma coisa de grande importância porque nos dá a oportunidade de trazer aqui a voz do movimento estudantil, de tratar do que está acontecendo nas escolas e explicar o porquê das ocupações. Precisamos mostrar para o Brasil inteiro que o movimento estudantil está acontecendo e que é hora de todos os estudantes se mobilizarem, provocando os políticos e as instituições”, afirmou.
MP 746
A reforma do ensino médio, associada à Proposta de Emenda Constitucional (PEC) que instaura o Novo Regime Fiscal e que agora tramita no Senado, foi o catalisador das centenas de mobilizações estudantis que se multiplicam pelo país. Somente no Paraná já são cerca de 800 unidades educacionais sob ocupação estudantil.
“A importância da nossa mobilização é justamente o desenvolvimento do senso crítico por parte dos estudantes, porque isso ajuda a gerar um país mais preparado e consciente”, considera Ana Júlia, que nunca havia feito parte do movimento estudantil até se sentir “provocada” pelo novo contexto político do país. “Na minha escola não tem nem grêmio ainda, mas foi preciso começar essa mobilização”, acrescenta.
Os manifestantes defendem que a proposta de reforma do ensino médio deveria ter sido elaborada em parceria com os diversos segmentos da educação, em especial com os secundaristas, que têm engrossado o coro contra diversos aspectos da MP.
“São vários os pontos da reforma que mobilizam os estudantes, mas nós criticamos principalmente o ‘notório saber’ por parte dos professores, a falta de obrigatoriedade de quatro disciplinas e o ensino integral, porque a escola não tem estrutura pra isso”, aponta Ana Júlia, ressaltando ainda que um eventual equívoco no novo formato de ensino pode aumentar ainda mais a evasão escolar.
Unicef
Na tarde desta segunda (31), as alunas foram recebidas na sede do Unicef pelo coordenador de Cidadania da instituição no Brasil, Mário Volpi, e por outros profissionais que atuam na área. Na ocasião, Volpi destacou a necessidade de os atores políticos abrirem espaço para os estudantes no processo de reformulação do ensino.
“É preciso que se abra o canal para um diálogo, porque sem isso é difícil a gente ir adiante. (…) Não existe fórmula mágica pra mudar e melhorar a educação, e uma reforma se faz ouvindo todos os atores do segmento. Os gestores de políticas educacionais têm que escutar os estudantes e saber quais os conteúdos que eles querem trazer para o debate. Não se pode negar o direito deles à participação”, defendeu Volpi.
Em entrevista ao Brasil de Fato, ele destacou ainda o interesse do Unicef em contribuir com o debate. Para tanto, a entidade vem tentando agendar uma reunião com o Ministério da Educação (MEC) para apresentar um estudo que identificou os dez maiores desafios do ensino médio no Brasil. O trabalho foi desenvolvido pela entidade nos últimos anos.
“Foi um estudo feito a partir de 26 grupos focais e entrevistas pelo país com adolescentes que estavam fora da escola e consistiu na tentativa de trazer a voz deles pra esse debate sobre o que é preciso melhorar na educação. Nós perguntamos por que eles estavam fora da escola e o que os faria voltar. Há desde questões sociais de renda, de poder ter um emprego, até de transporte pra ir à escola. (…) Para muitos deles, a escola não faz muito sentido; eles não conseguem enxergar nela um horizonte, aí preferem ir logo pro mercado”, explica Volpi.
Segundo ele, o estudo apontou um destaque para a desmotivação dos professores. “Esse é um tema central porque, quando o professor está desmotivado, ele desanima os alunos e, quando está muito motivado, leva a turma pra frente, e aí o aluno quer aprender mais”, afirma o coordenador, acrescentando que a situação do magistério é atravessada por questões de salário, jornada de trabalho e acúmulo de vínculos trabalhistas, o que afeta sua atuação em cada uma das unidades.
Ainda segundo Volpi, a publicação que reúne as constatações feitas no estudo já havia sido apresentada como contribuição à Base Nacional Curricular Comum (BNCC), que o governo federal vinha articulando, mas não foi levada em conta na edição da MP 746.
“É importante ressaltar que não existe a proposta de reforma do ensino médio do Unicef. O que nós queremos é fazer parte do debate, ouvindo os estudantes e trazendo, por exemplo, experiências de outros países”, finalizou o coordenador.